25 anos de negociações concluídas, mas um longo caminho pela frente

O ano era 1999, e o presidente, Fernando Henrique Cardoso. O Mercosul ainda era um jovem bloco de 8 anos de idade, e a União Europeia não havia nem mesmo introduzido o euro, mas a vontade de se criar uma zona de livre comércio entre países historicamente tão próximos dava seus primeiros passos para a concretização. Desde então, foram mais quatro presidentes no comando do Brasil, mais 13 países que se juntaram à União Europeia e muitas mudanças em um mundo cada vez mais globalizado. Em outros cenários, um processo de negociação tão desafiador e demorado teria feito com que uma ou ambas as partes desistissem, mas a resiliência das diplomacias europeia e latino-americana, assim como a necessidade econômica de tal acordo, fizeram com que, rodeados por adversidades, todos pudessem encontrar um caminho de convergência.
Apesar do anúncio histórico na capital uruguaia, a assinatura e implementação desse grande acordo deve demorar mais um considerável tempo e pode encontrar grandes entraves. Juntando os dois blocos temos mais de 710 milhões de pessoas, que evidencia um mercado consumidor imenso e um PIB somado de mais de 22 trilhões de dólares, que confirma a grandeza econômica dos envolvidos. Assim como o Mercosul, com seus quatro membros, não é um bloco homogêneo, a União Europeia, com 27 países, também possui enormes rusgas internas. Se do lado sul-americano foi mais fácil de construir um consenso entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, do lado europeu, um forte país pode liderar um grupo de oposição a ratificação do acordo. A França sabe dos riscos que sua agropecuária poderá enfrentar, caso produtos mais variados e mais baratos cheguem às prateleiras dos supermercados em Lisboa, Berlim ou Bucareste.
As leis ambientais cada vez mais rígidas no continente europeu, seja para a população urbana ou para os produtores rurais, encareceram excessivamente o processo de produção, o que deixa aos fazendeiros do maior produtor agrícola da Europa que a concorrência dos produtos brasileiros e argentinos seria insuperável. Na França, temos um subsídio governamental tão forte ao setor agrícola que a agropecuária francesa poderia facilmente ser considerada uma estatal, e exatamente por isso que a briga comprada com Bruxelas não é liderada pelos singelos agricultores do país, mas pelo próprio governo francês. Nesse contexto, ser a segunda maior economia do bloco traz certas vantagens a Paris, possuindo uma forte influência regional que pode convencer aliados fundamentais para a paralisação do andamento do acordo.
Segundo a própria legislação europeia para acordos comerciais dessa natureza, para que o mesmo não seja assinado, seriam necessários pelo menos alguns países com 35% da população do bloco. Sendo a segunda nação mais populosa da UE, a França está confiante em conseguir barrar o avanço da ratificação do acordo. Até o momento, a França, com cerca de 15% da população da União Europeia, diz que a Polônia (com 8%), Holanda (com 4%) e Bélgica (com 2,6%) estariam também contrários ao acordo. Somados, ultrapassam já os 30% da população do bloco. E, com a possibilidade da Itália, de Giorgia Meloni, se somar ao pequeno grupo, com seus mais de 13% da população da UE, as chances de Macron conseguir acabar com o acordo seguem vivas. Em recentes declarações, tanto o sindicato dos produtores agrícolas franceses, quanto a ministra do Comércio Exterior do país, Sophie Primas, disseram que o caminho para impedir o acordo ainda existe e que lutarão para proteger o agronegócio europeu, seja nas esferas regionais, seja em Bruxelas.
Por enquanto, o momento é de avaliação por parte dos países membro e de muitas conversas privadas com diversos setores da sociedade para tentar fazer com que um quarto de século não seja desperdiçado por questões políticas internas. O protecionismo das nações sempre existiu e continua sendo uma barreira para acordos maiores e benéficos a milhões de pessoas, mas, em determinados momentos históricos, lutar pelo que já se perdeu parece simplesmente não valer o esforço envolvido. Talvez em dias mais serenos no Palácio do Eliseu, após a resolução da avalanche política francesa dos últimos dias, Emmanuel Macron também se dê conta que o protecionismo francês não condiz com a Europa do século XXI.