3 motivos por que o “hype cicle” não é válido para a IA

Quando surge uma nova tecnologia, a pergunta é inevitável: ela realmente é inovadora e tem um poder de transformar ou é algo que será esquecido em pouco tempo? A questão não é trivial: num cenário em que as empresas têm custos de capital para investimentos (capex) cada vez mais elevados para manter a competitividade, investir numa tecnologia errada pode custar muito caro.
Uma ferramenta que se tornou muito popular para acompanhar o grau de desenvolvimento e adoção de uma nova tecnologia é o chamado “hype cicle” (ciclo de expectativas, em tradução livre), criada pelo Gartner. O hype cicle permite representar, de modo visual, o grau de adoção e maturidade de novas tecnologias e inovações. Ele descreve o ciclo de “hype” que geralmente acompanha as tecnologias emergentes, desde o início de sua introdução até a estabilização e maturidade.
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Ao analisar as expectativas e maturidade das tecnologias, ajuda as companhias a definir se faz ou não sentido entrar no “hype” e, com isso, ajuda a definir estratégias de adoção tecnológica para o médio e longo prazo.
Pode-se dizer que ela realmente foi útil na análise de diversas tecnologias, como Metaverso, prevendo o hype e a desilusão subsequente. Mas, para a inteligência artificial, ela pode não proporcionar uma análise muito precisa.
Vamos explicar o porquê.
O hype cicle
A metodologia do Gartner prevê cinco fases principais para a análise das tecnologias:
· Technology Trigger (gatilho tecnológico): O ponto em que a nova tecnologia começa a ganhar atenção, muitas vezes resultante de um avanço tecnológico ou uma inovação;
· Peak of Inflated Expectations (pico das expectativas infladas): Nessa fase, há um grande entusiasmo, muitas expectativas exageradas sobre a tecnologia;
· Trough of Disillusionment (Vale da desilusão): Aqui, a euforia diminui quando se percebe que a tecnologia não está à altura das expectativas iniciais;
· Slope of Enlightenment (Pico do esclarecimento): Nesta fase, as limitações e oportunidades reais começam a ser compreendidas;
· Plateau of Productivity (Platô de Produtividade): A tecnologia alcança uma maturidade que resulta em adoção ampla e estável.
Para compreender melhor essa ferramenta, vamos colocar o Metaverso dentro do hype cicle. O Metaverso se popularizou em outubro de 2022, quando Mark Zuckerberg renomeou o Facebook de Meta e afirmou que o Metaverso seria o ambiente da nova internet. Esse foi o gatilho tecnológico.
Em seguida, todos passaram a falar sobre o Metaverso; “futuristas” fizeram afirmações ousadas sobre a revolução que a nova tecnologia iria provocar na sociedade; e as empresas correram para criar projetos para o metaverso. De repente, reuniões e conferências passaram a ser feitas no “Metaverso”, com o uso de avatares no lugar das telas em vídeo. Era a fase dois.
A fase três ocorreu quando as pessoas perceberam que não havia muitos casos de uso para o estágio de desenvolvimento da tecnologia e os projetos, baseados no Metaverso, não corresponderam às expectativas criadas. “Então o novo mundo é isso? Uma espécie de Minecraft corporativo?”. Isso se deu porque a tecnologia não estava pronta para entregar as experiências prometidas. O Metaverso entrou no vale da desilusão.
Atualmente, pouca gente fala sobre o Metaverso. Mas ele não morreu, pelo contrário, está sendo desenvolvido de forma mais técnica, com prudência e sem sensacionalismos, e sendo chamado de “computação espacial”. Ou seja, há um maior entendimento e esclarecimento sobre a tecnologia.
O Metaverso está na fase quatro, sem o hype e expectativas inflacionadas.
E a IA?
A inteligência artificial tem sido um caso diferente de criação e adoção (ou descarte) de uma tecnologia. E isso impede que ela seja enquadrada num esquema linear como o hype cicle.
A IA apresenta três características que a tornam peculiar.
· Evolução contínua e rápida: a IA não é uma “tecnologia singular”, mas sim um conjunto de tecnologias inter-relacionadas (machine learning, deep learning, Generative AI etc.) que estão constantemente evoluindo. Isso dificulta traçar um ciclo simples para IA como um todo, pois diferentes vertentes estão em fases distintas do ciclo. Por exemplo, enquanto a IA generativa está em uma fase de hype, a IA para análises preditivas pode estar mais madura;
· Ciclos sobrepostos e não lineares: a inovação em IA é muitas vezes disruptiva e acontece em “saltos” tecnológicos (vide lançamento do ChatGPT). Novas descobertas e algoritmos surgem rapidamente, podendo acelerar a adoção ou mudar o curso de um ciclo. A IA pode entrar em novos “picos” de expectativas rapidamente, sem passar pelo “vale da desilusão”, ou alternar entre os estágios conforme novas aplicações são descobertas;
· Complexidade e integração: a IA está se tornando parte integrante de muitas outras tecnologias (IoT, blockchain, robótica), criando uma complexidade que o hype cycle não captura com precisão. Quando uma tecnologia é usada como um “habilitador” para outras, os ciclos de expectativas podem ser confusos e misturados.
Considerando tudo isso, o hype cicle não pode ser a única ferramenta para analisar tecnologias com essas características. Devem ser consideradas abordagens mais dinâmicas e iterativas. Modelos de inovação contínua ou frameworks que considerem a adoção em camadas (como curvas de adoção de tecnologias específicas) ou outros frameworks de adoção de tecnologia podem complementar a avaliação.
Dessa forma, podemos fazer análises mais embasadas e precisas e evitar sensacionalismos em torno de uma tecnologia tão importante quanto a IA tem se mostrado.
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