Análise: Brasil atrai investimentos bilionários em data centers de big techs, mas há desafios

Data centers Brasil. Imagem: IT Forum, com informações do Data Center Map

Nos últimos meses, o Brasil tem se destacado como um dos principais destinos de investimentos de gigantes da tecnologia no setor de data centers. Empresas como Amazon Web Services (AWS), Microsoft, Google Cloud e Scala Data Centers anunciaram aportes bilionários no País, somando mais de R$ 20 bilhões – apenas considerando montantes anunciados publicamente, uma vez que nem todas as empresas divulgaram seus números. As iniciativas buscam expandir suas infraestruturas e atender à crescente demanda por serviços digitais, especialmente cloud computing e inteligência artificial (IA).

A AWS revelou um novo investimento de R$ 10,1 bilhões até 2034 para expandir sua infraestrutura de data centers no Estado de São Paulo. Esse valor se soma aos R$ 19,2 bilhões já direcionados para a estratégia entre 2011 e 2023. O projeto visa não apenas ampliar a capacidade de computação em nuvem e IA, mas também reforçar programas de capacitação, como o treinamento de 800 mil brasileiros em fundamentos de nuvem.

A Microsoft não ficou atrás, direcionando R$ 14,7 bilhões para impulsionar sua estratégia de cloud computing e IA no País. Em visita do Brasil, Satya Nadella, CEO da empresa, destacou a importância da IA na transformação dos fluxos de trabalho empresariais e anunciou novidades no uso do Copilot, a IA generativa da empresa, para integração com agentes e dispositivos. A expansão da infraestrutura de nuvem no País é parte central dessa estratégia.

O Google Cloud, embora não tenha divulgado cifras específicas recentemente, enfatizou há alguns dias novos recursos de IA para bancos de dados e uma parceria com a Oracle no Brasil. A empresa mantém investimentos contínuos em capacitação e treinamento.

A Scala Data Centers inaugurou, em agosto, a segunda fase de seu complexo em Barueri, na Grande São Paulo, com um investimento de R$ 6,5 bilhões. Esse aporte faz parte de um compromisso de R$ 32 bilhões para ampliar o Campus Tamboré, que se tornará o maior da América Latina, com capacidade energética de 450 MW, equivalente ao consumo de Brasília. Ao término da quarta fase, o campus contará com 17 data centers.

Segundo dados da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), o Brasil conta com 150 data centers operados por grandes provedores e empresas de telecomunicações, segundo o Data Center Map. A maior parte desses data centers está concentrada nas regiões Sudeste e Nordeste, com destaque para São Paulo e Fortaleza devido à importância estratégica dessas localidades para a interconexão de redes internacionais e a demanda de serviços digitais. Confira no mapa criado pelo IT Forum, com dados do Data Center Map 2024, quais são os mais expressivos e onde estão.

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Outras empresas do setor, como Equinix, Angola Cables, Tivit, Odata e Elea também estão constantemente expandindo suas operações, reforçando seus posicionamentos no mercado.

A Angola Cables, por exemplo, está construindo um novo data center, com previsão de conclusão em 2026, com investimento de R$ 200 milhões. Guilherme Colares, diretor de novos negócios e produtos da empresa, enfatizou em conversa com o IT Forum a importância de criar uma infraestrutura robusta para atender às demandas crescentes de tecnologias como inteligência artificial e internet das coisas (IoT).

“Estamos focados em eficiência energética, resfriamento e tecnologias avançadas para garantir que possamos suportar o aumento do tráfego de dados”, explica Colares, que ressalta que o data center em Fortaleza, atualmente o segundo maior hub de conectividade do Brasil, está em processo de ampliação para acomodar a crescente demanda.

Fortaleza, reconhecida como um ponto estratégico para cabos submarinos nas Américas, está atraindo grandes players do setor, incluindo hyperscales que são os principais clientes de data centers. Colares destaca que “a conectividade é fundamental para a viabilidade das tecnologias emergentes”, e que a ocupação quase total das infraestruturas em Fortaleza é um indicativo do aquecimento do mercado, superando o tráfego da empresa em cidades como Rio de Janeiro e Frankfurt, na Alemanha.

O diretor enfatiza a importância da proximidade da infraestrutura de IA aos usuários para garantir baixa latência, considerando que “AI será um grande motor de transformação do mercado”.

Brasil como hub de data centers

Durante a Futurecom, feira de telecomunicações realizada na última semana, em resposta ao IT Forum, o Ministro das Comunicações, Juscelino Filho, ressaltou o papel estratégico do Brasil como um potencial hub global de data centers. “O armazenamento de dados é uma prioridade do governo. O presidente Lula tem destacado a importância de organizar os dados governamentais para otimizar o uso nas políticas públicas”, diz.

Segundo Juscelino Filho, o país está bem-posicionado para crescer nesse setor. “O Brasil tem tudo para se consolidar como um centro mundial de data centers. Já somos relevantes e vamos expandir ainda mais, graças à nossa abundância de energia limpa e recursos hídricos. Nossa estratégia é descentralizar essa infraestrutura, levando os data centers para perto das fontes de energia limpa, como no Nordeste. Dados são um dos principais insumos da atualidade, e estamos comprometidos em atuar fortemente nessa área”, aponta.

Nuvem aquece setor

Há um otimismo no mercado quanto a esses investimentos. Pietro Delai, diretor de pesquisa da IDC América Latina, revela que, ao contrário do que possa parecer, esses investimentos não surgiram do dia para a noite. “As empresas estão investindo há muito tempo no Brasil”, afirma Delai. “O mercado de nuvem cresce a dois dígitos, mesmo em um contexto em que o PIB mal atinge 1% de crescimento. Isso mostra a resiliência e o potencial desse setor.”

Delai destaca que ainda há muito espaço para crescimento e a nuvem tem grande responsabilidade nessa conta. “Comparado a economias maduras, a penetração da nuvem na América Latina, em relação ao total de despesas corporativas em TI, é metade da dos Estados Unidos e cerca de 1,9 vez menor que na Europa. Estamos ainda no caminho de ida.”

Modelos de infraestrutura de TI usados pelas empresas no Brasil. Fonte: Antes da TI, a Estratégia 2024

Segundo o estudo Antes da TI, a Estratégia 2024, do IT Forum, conduzido pela área de Inteligência e Estudos, dos 358 CIOs respondentes, 48% dizem já investir e ainda continuam investindo nem Cloud Pública no ano, 11% dizem que vão começar, enquanto 43% dizem que já estarem em Cloud Privada e vão continuar investindo. Enquanto outros 10% revelam que vão começar a investir.

Investimentos em nuvem pública e privada no Brasil. Fonte: Antes da TI, a Estratégia 2024

A necessidade de expansão contínua também se justifica pela demanda crescente por escalabilidade. “Os provedores de nuvem precisam garantir que, se um cliente precisar triplicar sua capacidade, isso seja possível imediatamente. Essa garantia de escalabilidade é fundamental no modelo hyperscale”, conta Delai.

O cenário, no entanto, não é isento de desafios. A questão da soberania dos dados ganha cada vez mais relevância, especialmente em setores regulados. “Há uma pressão maior por soberania na região, o que influencia onde e como os dados são armazenados”, observa Delai.

Outro ponto crítico é o custo operacional no Brasil. “Uma parte significativa dos serviços de nuvem é precificada em dólares. Além disso, a carga tributária brasileira encarece esses serviços, desafiando os CIOs na previsibilidade de custos. Ter data centers localizados aqui ajuda, mas não elimina todos os obstáculos.”

A emergência da IA generativa amplifica esses desafios. “A IA não é simplesmente uma aplicação que você licencia e roda. Ela exige um processo intensivo de machine learning, que demanda enorme capacidade de processamento, especialmente em GPUs ou NPUs. Isso implica investimentos significativos não apenas em hardware, mas também em infraestrutura de suporte, como refrigeração avançada e energia robusta”, explica Delai. “Muitas vezes, é mais viável construir novos data centers do que adaptar os existentes a essas exigências.”

A crescente demanda por processamento é impulsionada essencialmente pela transformação digital das empresas, reforça Delai. “Antes, o business intelligence gerava relatórios esporádicos e retrospectivos. Hoje, com analytics e IA, buscamos previsões em tempo real. Isso aumenta exponencialmente a necessidade de processamento.”
O especialista também aborda a relação entre o investimento em TI e o desempenho econômico. “O orçamento de TI das empresas está se dissociando do PIB. Independentemente das flutuações econômicas, as empresas precisam investir em tecnologia para permanecerem competitivas na economia digital.”

Quanto à repatriação de workloads da nuvem para infraestruturas locais, Delai é cético. “Apesar de muito se falar sobre isso, a intensidade real de repatriação é baixa. Se fosse significativa, o mercado de nuvem não estaria crescendo a dois dígitos. Muitas pesquisas perguntam se as empresas gostariam de repatriar, mas poucas verificam quantas realmente o fizeram.” “Não é que a cada cinco anos surge um novo data center. Todo ano temos inaugurações e renovações significativas”, comenta.

Matriz energética preocupa

Apesar da plena atração de data centers no Brasil, há preocupações latentes quanto à infraestrutura energética do País. “Nossa matriz energética não é escalável de forma sustentável. Dependemos muito de hidrelétricas, e com as mudanças climáticas, há incertezas sobre a disponibilidade futura de energia. Além disso, os custos são elevados. A energia é um dos principais custos operacionais de um data center, e no Brasil, isso pode inviabilizar projetos”, pondera Delai, completando que a preocupação é com períodos de “tarifa vermelha”.

O Data Center Cost Index (DCCI), da Turner & Townsend, divulgado na última semana avaliou data centers em 50 mercados e constatou que a disponibilidade de energia é uma questão crucial na América Latina, especialmente pela dependência de hidrelétricas, vulneráveis à variabilidade climática, afetando a confiabilidade dos data centers.

Outros especialistas ouvidos pela reportagem revelam que o mercado também critica políticas governamentais recentes de data center aqui no Brasil. Eles indicam que o plano de data centers atual é falho. Segundo eles, claramente o dimensionamento do mercado está errado, com players duplicados e informações questionáveis. “Políticas baseadas em estudos equivocados não consideram a realidade do mercado”, assinala um deles, que completa dizendo que o documento inclui data centers privados e comerciais. Isso acaba impactando no dimensionamento do mercado.

Apesar dos desafios, Delai se diz otimista quanto ao futuro. “O mercado brasileiro é importante e robusto. As empresas que aqui estão têm uma visão consciente e estão comprometidos com seu desenvolvimento.”

Os investimentos massivos em data centers no Brasil refletem tanto a confiança das gigantes de tecnologia no potencial do mercado brasileiro quanto a necessidade de atender a uma demanda crescente por serviços digitais avançados. No entanto, para que esse potencial seja plenamente realizado, é imperativo que se enfrentem os desafios estruturais e regulatórios existentes. A combinação de esforços entre iniciativa privada e políticas públicas sensatas será determinante para consolidar o Brasil como líder tecnológico na região e garantir que os benefícios da transformação digital alcancem toda a sociedade.

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