O guarda-chuva nuclear francês

Poucas semanas desde o fim da Guerra Fria, foram tão críticas na reelaboração das dinâmicas geopolíticas globais, como as últimas. Desde 1945, a metade da Europa aliada aos Estados Unidos, teve grande parte de sua segurança e defesa garantidas pela intimidadora retaguarda da maior superpotência de nossa época. Os diferentes governos democratas e republicanos que comandaram o país, divergiam sobre questões econômicas e comportamentais, mas convergiam na necessidade de uma política externa claramente estabelecida nas alianças com as democracias europeias.

Proteger a antiga Alemanha Ocidental, a França e a Itália, era evitar o avanço territorial e ideológico da União Soviética, e consequentemente, proteger também a América do Norte. Após o colapso da grande união socialista, mais membros do Centro e do Leste europeus buscaram a proteção ocidental para não correrem risco de novas invasões. O que era apenas respondido com o repúdio do Kremlin, se efetivou em manobras militares com a invasão da Ucrânia em 2022.

Mesmo com todos os crescentes problemas geopolíticos da atualidade, a postura contínua da diplomacia norte-americana, promoveu estabilidade na Europa e ocasionou um equilíbrio de forças que parecia não assustar os europeus. Com o novo mandato de Donald Trump, tudo mudou radicalmente de forma extremamente rápida. O governo disruptivo do republicano, deixou claro que a proteção europeia deve ser obrigação dos europeus, e que em sua visão de mundo, a Rússia não representa ameaça ao continente.

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Em países invadidos no passado ou no presente pelos russos, a interpretação geopolítica dos recentes fatos, é completamente oposta. Os países Bálticos, a Polônia, Romênia e a própria Ucrânia, sabem que se o momento for propício e o pêndulo da história estiver ao lado de Moscou, expandir seus territórios faz parte da cartilha russa há séculos. Neste contexto, a União Europeia propõem uma drástica mudança em sua política de defesa, deixando claro aos americanos, que não são mais considerados confiáveis na manutenção de sua segurança e fronteiras.

A presidente da comissão europeia, Ursula von der Leyen, disse que a era do rearmamento europeu recomeçou, onde cerca de 800 bilhões de euros (mais de 5 trilhões de reais) deverão ser gastos com defesa nos próximos anos. Este plano, por mais que seja necessário, é apenas uma solução a longo prazo, fazendo com que a ajuda dos Estados Unidos, ou pelo menos sua presença como aliado formal, permaneça por mais alguns anos. Neste cenário, o presidente francês Emmanuel Macron, tem ganhado notoriedade, por defender, um “rompimento” mais brusco com os americanos, para que a Europa possa desde já, comandar o seu destino e proteger seu território. Para isso, Macron defende o incremento de gastos militares, mas também sugere utilizar de suas mais especiais armas, para dissuadir os inimigos dos europeus.

Desde o final da Segunda Guerra mundial, quando os Estados Unidos e a União Soviética entraram em uma veemente corrida armamentista e nuclear, o presidente da França, General Charles de Gaulle iniciou sua própria jornada para tornar seu país o quarto estado nuclearizado do mundo. Após um teste bem-sucedido no deserto do Saara, na Argélia, a França conseguiu a sua independência militar em 1960, com um arsenal nuclear estratégico em amplas frentes, seja em ogivas em mísseis balísticos, seja em submarinos nucleares.

Hoje, a França possui aproximadamente 290 ogivas, sendo o quarto país do mundo com mais armas atômicas, apenas atrás da Rússia, Estados Unidos e China. Os dois primeiros lugares, possuem mais de 5000 ogivas cada, tornando russos e americanos detentores de mais de 85% de todas as armas nucleares do planeta, mesmo após décadas de desarmamento.

A diferença da casa das centenas, para a casa dos milhares, conta muito na deterrência nuclear, assim chamado o princípio de dissuasão que armas desta natureza promovem às nações hostis. A ideia, apresentada pelo presidente Macron, seria estender o “guarda-chuva nuclear” francês aos seus parceiros europeus, sobretudo a Alemanha, como uma maneira de proteger os seus mais fiéis aliados de ameaças russas.

O compartilhamento de tecnologia bélica de tão alta periculosidade é um tema delicado e divide opiniões dentro e fora da França, mas parece ter apoio contundente pelas lideranças europeias temerosas com o abandono cada vez mais iminente dos norte-americanos. Tudo indica que as próximas semanas de negociação entre os dois lados deste tabuleiro reorganizado, revelará o início de uma nova era na geopolítica, repleta de quebras de paradigmas. Ao invés de demonstrações de fraqueza e apelos para que Trump repense sua conduta, alguns europeus, acreditam em falar a mesma língua dos valentões para serem escutados neste mundo em constante mudança.