Há 40 anos, a programação esportiva da Pan dividiu espaço com o drama de Tancredo

21 de abril de 1985, domingo, feriado de Tiradentes: quem ligasse na Jovem Pan talvez estranhasse o fato da rádio não estar focada totalmente na programação esportiva. Primeiro, porque naquele dia não haveria rodada do grupo principal do Campeonato Brasileiro. Em segundo lugar, a população estava preocupada mesmo é com a gravíssima situação do presidente eleito Tancredo Neves, internado no Hospital do Coração, em São Paulo. Os boletins médicos, transmitidos pelo secretário de imprensa, Antônio Brito, iam ao ar, ao vivo, para os ouvintes.
Às 10h30, começou o Grande Prêmio de Portugal com direito à primeira vitória de Ayrton Senna na Fórmula 1. Seria a única alegria nacional naquele domingo de temperatura amena. Entre uma informação e outra em relação à saúde de Tancredo Neves, a Jovem Pan dava notícias sobre a seleção brasileira, treinada por Evaristo de Macedo. A equipe estava concentrada em Minas Gerais para o amistoso do dia 25 de abril contra a Colômbia, no Mineirão. O time vinha se preparando para as Eliminatórias da Copa de 1986, que seria disputada no México.
Às 20h30, o Santos entrou em campo para um amistoso contra o Bahia, na Fonte Nova. Enquanto isso, as notícias que chegavam do Instituto do Coração não eram boas. A vigília em frente ao prédio, ao lado da Avenida Rebouças, aumentava a cada instante. Já era tarde da noite quando a Jovem Pan interrompeu novamente a programação para transmitir mais um boletim médico do secretário da presidência Antônio Brito:
“Senhores, por gentileza. Lamento informar que o excelentíssimo senhor presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, faleceu esta noite no Instituto Coração, às 10 horas e 23 minutos. Acrescento o seguinte: nos últimos 50 anos, a vida pública de Tancredo Neves confundiu-se com sonhos e ideais brasileiros de união, de democracia, de justiça social e de liberdade. Nos últimos meses, pela vontade do povo e com a liderança de Tancredo, esses ideais se transformaram na ‘Nova República’. A emocionante corrente de fé e de solidariedade das últimas semanas, enquanto o presidente Tancredo Neves lutava pela vida, só fez crescer esse sentimento de união, que foi sempre ação, exemplo e o objetivo de Tancredo Neves. Com a mesma fé e determinação, o Brasil haverá de realizar os ideais do líder que acaba de perder, Tancredo Neves”
A morte de Tancredo Neves é uma espécie de epílogo amargo do início da redemocratização no Brasil, depois de vinte e um anos de regime militar. De 15 de janeiro de 1985, com a vitória do político mineiro no Colégio Eleitoral, até 21 de abril, com a morte no Instituto do Coração, em São Paulo, foram quase cem dias, noventa e seis para ser mais exato. Os brasileiros viviam momentos de esperança, mesmo não podendo ir às urnas votar para presidente da República.
A eleição indireta representou a escolha pelo primeiro civil pós-ditadura a ocupar o cargo. Aquele sentimento, no entanto, se transformou em agonia, com a internação de Tancredo na véspera da posse, em 14 de março, no hospital de Base de Brasília, e passou para frustração profunda e tristeza com a morte dele. Naquele domingo, dia de Tiradentes, o país assistiu perplexo o comunicado final. Nos dias seguintes, os brasileiros pararam para acompanhar o velório e o enterro do mineiro na cidade natal de São João del Rei.
Em 2015, produzi para a Jovem Pan a série “Tancredo, o homem da transição”, dividida em quatro capítulos, sobre a história do político mineiro. Espero que gostem.