Salvio e Lacerda: Anatel pode regular Saúde e Segurança no Trabalho?

Gabriella de Salvio e Nadia Lacerda

Por Gabriella de Salvio e Nádia Lacerda *- A Anatel tem sinalizado, em diversas ocasiões, sua intenção de regulamentar e fiscalizar diversas temáticas relacionadas ao ecossistema de telecomunicações, tais como, inteligência artificial, data centers, cabo submarinos, dentre outros. Nesse contexto, mais recentemente, surgiu outro tema no radar da Agência – a responsabilidade das prestadoras em termos de normas legais e regulamentares referentes ao direito do trabalho.

Dentre o rol dos relevantes normativos de cunho trabalhista estão as Normas Regulamentadoras (NRs), estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que constituem um conjunto de disposições e procedimentos técnicos obrigatórios relacionados à saúde e segurança do trabalho, aplicáveis a todas as empresas públicas e privadas que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

No setor de telecomunicações, algumas NRs possuem especial relevância, como a NR-06, sobre Equipamentos de Proteção Individual; a NR-10 (Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade), aplicável aos trabalhos em torres de transmissão e equipamentos elétricos; a NR-35, fundamental para atividades de instalação e manutenção de antenas e equipamentos em elevações; e mais recentemente a NR-01, que passou a estabelecer novas diretrizes para o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e incluirá, a partir de maio de 2026, a obrigatoriedade de identificação e avaliação dos fatores de riscos psicossociais no ambiente de trabalho.

Nesse contexto, chama a atenção  a Análise nº 49/2025, do Conselheiro Alexandre Freire, publicada no final de abril de 2025, no âmbito do processo de simplificação da regulamentação de serviços de telecomunicações -, objeto do item nº 7 da Agenda Regulatória para o biênio 2025-2026 -, que  traz a informação de que “com o objetivo de promover a segurança, a integridade e a sustentabilidade das redes de telecomunicações no país, a Anatel identificou a necessidade de aperfeiçoar sua regulamentação no que tange à responsabilidade das prestadoras, inclusive quando contratam terceiros, no cumprimento das normas legais e regulamentares.”

O que isso quer dizer exatamente?

Segundo a Agência, deve-se aprimorar a obrigação de observância das normas relativas à saúde e segurança do trabalho,  incluindo a execução do Programa de Gerenciamento de Risco (PGR), do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e o uso adequado de Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

Ainda, informa a Agência, que o objetivo da medida é proteger os trabalhadores e promover ambientes seguros e protegidos, e está alinhada com o ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico, em especial com a Meta 8.8 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, que, por sua vez, estabelece a proteção dos direitos trabalhistas e a promoção de ambientes seguros para todos os trabalhadores, incluindo aqueles em situação de maior vulnerabilidade.

Não menos importante – e que suscita preocupações jurídicas significativas – é o esclarecimento da Agência de que “para fins de acompanhamento da obrigação por parte da Anatel, será exigida documentação referente à adoção de medidas preventivas contra acidentes e à regularidade das obrigações trabalhistas e fiscais, conforme proposta de resolução interna”.

Nesse contexto, foi publicada a Resolução Interna Anatel nº 428, de 28 de abril de 2025, que estabelece os documentos para comprovação da adoção de medidas de prevenção de acidentes e a regularidade com as obrigações trabalhistas e fiscais. A resolução, que entrará em vigor em 30/10/2025, dispõe que as autorizadas de serviço de telecomunicações de interesse coletivo deverão comprovar, a cada 2 anos, entre outras medidas, a execução do PGR, do PCMSO, o uso de EPI e EPCs, bem como a realização de treinamentos sobre segurança no trabalho. Além disso, anualmente, as autorizadas deverão apresentar documentos como certidão de regularidade do FGTS e o registro junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), para comprovar sua regularidade com as obrigações trabalhistas e fiscais.

Aparentemente, a redação da Análise nº 49/2025 sugere que a fiscalização da Anatel poderá ser flexibilizada quando houver delegação do acompanhamento dessas obrigações aos sindicatos patronais, criando um modelo híbrido de supervisão que carece de maior clareza normativa. Na ausência de tal delegação, a Anatel indica que o acompanhamento ficará sob responsabilidade da Superintendência responsável pela outorga de serviços, que poderá dispensar ou solicitar informações adicionais conforme o caso concreto.

Vale entender um pouco do contexto em que surge essa nova obrigação.

A Análise nº 49/2025 sinaliza que o movimento da agência se deu em função de demanda do Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª região (São José dos Campos) no âmbito dos autos dos PA/PROMO n° 000629.2019.15.002/3 (Promo Rede Limpa) e 0618.2010.15.000/9-8 (Promo zero óbito), de maio de 2024.

Trata-se de um procedimento instaurado pelo MPT com o objetivo de zerar o número de acidentes de trabalho fatais, estabelecendo metas e estratégias preventivas para diversos setores econômicos. Por meio do Ofício nº 9258.2024/CODIN/PRT 15ª Região (SEI nº 12189875), o MPT demandou expressamente à Agência para que inclua em suas regulamentações a menção à necessidade de observância das principais normas que regulamentam questões relacionadas à saúde e segurança do trabalho do setor de Telecomunicações: NR 01, NR 10, NR 12, NR 17, NR 21, NR 35, editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e Normas Técnicas Brasileiras NBR n° 5410 e NBR n° 14.039, editadas pela ABNT.

Em resposta ao MPT, a Anatel, por meio da Superintendência de Planejamento e Regulamentação (SPR), enviou Ofício nº 128/2024/PRRE/SPR-ANATEL em julho de 2024, no qual esclarece sua posição inicial sobre a matéria. O documento afirma que “se verifica que, apesar do reconhecimento da Anatel quanto à relevância das normas, a inclusão de menção a esses ou outros dispositivos nos regulamentos editados pela Agência Nacional de Telecomunicações contraria os esforços de simplificação regulatória, que buscam a elaboração de normativos mais concisos e focados em questões específicas do setor de telecomunicações”.

O Ofício também sinaliza que “a ausência de menção expressa, na regulamentação da Anatel, a essas ou a outras normas não afasta a obrigação de seu cumprimento por parte das prestadoras de serviços de telecomunicações reguladas por esta Agência”, reconhecendo a aplicabilidade das normas de saúde e segurança no trabalho ao setor de telecomunicações, independentemente de referência específica na regulamentação setorial.

No entanto, aparentemente, em função do compromisso institucional de articulação com outros órgãos públicos, como o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho, e não obstante o caráter autoaplicável das normas de saúde e segurança do trabalho às prestadoras reguladas, o Conselheiro Alexandre Freire entendeu necessário, por meio da Análise nº 49/2025, tornar explícita a obrigação de cumprimento das referidas Normas Regulamentadoras (NRs).

Segundo a Agência, desse modo, será assegurada a observância das normas de segurança e saúde do trabalho por parte do setor regulado, reforçando a segurança jurídica, dando maior transparência regulatória e comunicando claramente à sociedade as expectativas regulatórias da Anatel.

Ainda, conforme a Anatel, ao reconhecer a importância dessas normas e integrá-las à sua regulamentação, a Anatel avança no fortalecimento da agenda ESG (Environmental, Social and Governance – Ambiental, Social e Governança), contribuindo para um setor de telecomunicações mais seguro, justo e sustentável.  Essa iniciativa dialoga, portanto, com os princípios da boa governança regulatória e contribui para a efetivação do ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis, especialmente com a Meta 12.6, que encoraja as empresas a adotar práticas sustentáveis e integrar informações de sustentabilidade em seu ciclo produtivo e em seus relatórios.

A interlocução interinstitucional, conforme entendimento da Anatel, está igualmente em consonância com o ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes, em especial com a Meta 16.6, que estimula o desenvolvimento de instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis.

Em conclusão, embora louvável a intenção de promover melhores condições de trabalho no setor, dada a relevância da temática e o papel da Agência no fomento às iniciativas ESG junto ao setor de telecomunicações e seu ecossistema, é fundamental que a Agência atue dentro dos limites de sua competência regulatória.  A imposição de obrigações relacionadas ao cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho, ainda que sob a égide do fomento às práticas ESG, configura extrapolação de sua competência, uma vez que tais matérias são de atribuição específica do Ministério do Trabalho e Emprego. A sobreposição de atribuições compromete a segurança jurídica e pode ensejar questionamentos sobre a validade dos atos praticados, sendo ideal que a Agência busque formas colaborativas de atuação com os órgãos competentes, sem assumir competências que não lhe foram legalmente atribuídas.

* Gabriella de Salvio, sócia da área de TMT e de Proteção de Dados de Mundie Advogados;

* Nádia Demoliner Lacerda, sócia da área Trabalhista e de Proteção de Dados de Mundie Advogados.

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