Geopolítica, minerais críticos e energia: a infraestrutura invisível que alimenta a IA

Os data centers — a espinha dorsal da infraestrutura física que sustenta a Inteligência Artificial — demandam grandes volumes de minerais críticos, acirrando a disputa geopolítica entre Estados Unidos e China. Data center
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No dia 11 de junho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou um acordo com a China que prevê a entrada de estudantes chineses em universidades norte-americanas em troca do fornecimento de minerais de terras raras.
A medida alinha-se às recentes pressões exercidas sobre a Ucrânia, país que Trump instou a assinar um acordo que garantiria aos EUA acesso preferencial a contratos de fornecimento de minerais críticos, especialmente terras raras.
A iniciativa, que visa reduzir a dependência mineral em relação à China, foi acompanhada de uma ameaça explícita: caso o acordo não fosse firmado, os Estados Unidos deixariam de apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia.
Mas afinal, por que esses minerais despertam tanto interesse dos norte-americanos?
A resposta está no papel central que as terras raras – e outros minerais estratégicos – ocupam na infraestrutura física da inteligência artificial, além de suas inúmeras aplicações, inclusive militares.
Embora muitas vezes associada a conceitos abstratos como “nuvem”, “big data”, “machine learning” e “virtualização” – e, por isso, percebida como uma tecnologia imaterial, que opera exclusivamente na esfera digital –, a IA depende de uma estrutura física complexa e massiva.
Entre os principais elementos dessa base, destacam-se os data centers: instalações projetadas para abrigar milhares de equipamentos responsáveis pelo processamento e armazenamento de enormes volumes de dados.
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A espinha dorsal das tecnologias digitais
Considerados a espinha dorsal das tecnologias digitais, os data centers somam cerca de 12 mil unidades em operação no mundo, sendo 992 classificadas como de hiperescala – ou seja, com mais de 10 mil pés quadrados (aproximadamente 929 m²).
Entretanto, alguns dos maiores complexos vão muito além, como o “The Citadel Campus”, localizado em Reno, Nevada (EUA), que ocupa cerca de 669 mil m².
A manufatura desse ecossistema – composto por servidores, redes, unidades de processamento, sistemas de armazenamento e refrigeração, fontes de energia, sensores e cabeamentos – exige uma ampla variedade de minerais e metais, em sua maioria extraídos em diferentes regiões do Sul Global.
Entre os mais relevantes estão gálio, germânio, silício metálico, tântalo, metais do grupo da platina, cobre, terras raras, prata e ouro, geralmente purificados em altos graus para atender às exigências eletrônicas, ópticas e magnéticas dos equipamentos.
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Ciclo de vida dos equipamentos é curto
Para se ter uma ideia, a produção de dispositivos eletrônicos avançados pode exigir de 50 e 350 vezes o peso final do produto em matérias-primas.
Essa demanda é agravada pelo curto ciclo de vida dos equipamentos – muitas vezes substituídos em apenas dois a cinco anos –, em razão da rápida obsolescência tecnológica.
O descarte frequente de hardware, além de representar riscos ambientais e à saúde devido à presença de materiais tóxicos, interrompe o reaproveitamento de metais valiosos, exigindo nova extração de recursos minerais e pressionando ainda mais os ecossistemas.
A crescente demanda por minerais críticos tem provocado tensões geopolíticas nos últimos anos, tornando-se um dos pilares da disputa por supremacia global entre Estados Unidos e China.
Atualmente, a China domina as etapas de extração e refino de vários materiais essenciais à IA – como antimônio, gálio, germânio e terras raras –, enquanto os Estados Unidos lideram a fase de manufatura, que envolve alta especialização, domínio tecnológico e propriedade intelectual.
Investimento em inteligência artificial traz desafios para a geração de energia
China possui ampla hegemonia na produção de minerais críticos
Desde 2018, ambos os países têm adotado sanções, embargos e restrições envolvendo esses recursos estratégicos.
Em 2023, os EUA proibiram a venda de chips avançados à China e restringiram o envio de equipamentos para a produção de semicondutores – medidas intensificadas em outubro e culminando, em novembro de 2024, na suspensão completa da exportação de chips voltados à IA.
Como resposta, a China restringiu as exportações de minerais críticos, setor no qual possui ampla hegemonia.
Logo após tomar posse para seu segundo mandato, Donald Trump reuniu-se com executivos de grandes empresas de inteligência artificial para anunciar reformas legislativas e investimentos privados da ordem de US$ 500 bilhões destinados à infraestrutura do setor.
Na ocasião, um dos executivos presentes anunciou a construção de vinte novos data centers, com cerca de 46,5 mil m² cada.
Poucos dias depois, a até então pouco conhecida empresa chinesa DeepSeek lançou o DeepSeek-R1, um chatbot desenvolvido para competir com o norte-americano ChatGPT, da OpenAI.
Apesar das restrições impostas pelos EUA ao acesso chinês a chips avançados, o modelo foi viabilizado a baixo custo e com desempenho competitivo, o que provocou perdas de aproximadamente US$ 1 trilhão no valor de mercado das empresas americanas.
DeepSeek, ChatGPT e Gemini: qual é a melhor inteligência artificial?
Conjuntos de episódios que reforçam o papel estratégico da IA e dos minerais críticos na geopolítica contemporânea.
Outro aspecto frequentemente subestimado é o elevado consumo energético associado à inteligência artificial.
Devido a características intrínsecas – como o uso de redes neurais complexas e a movimentação de vastos conjuntos de dados entre milhares de componentes físicos –, as aplicações de IA consomem muito mais eletricidade do que serviços digitais convencionais, como o envio de e-mails ou buscas na internet.
Uma simples interação com o ChatGPT pode demandar até dez vezes mais energia do que uma pesquisa no Google. Tecnologias voltadas à geração de imagens e vídeos exigem ainda mais.
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Data centers consomem 2% do consumo global de energia
Segundo a Agência Internacional de Energia, data centers, criptomoedas e IA consumiram aproximadamente 460 TWh de eletricidade em 2022 – o equivalente a 2% do consumo global.
A projeção para 2026 varia entre 620 e 1.050 TWh. Nos Estados Unidos – país com o maior número de data centers – essas estruturas já são responsáveis por cerca de 4% da demanda elétrica nacional. Estima-se que esse percentual suba para 6% em 2026 e alcance 9,1% até 2030.
Uma investigação da Bloomberg revelou que a crescente demanda energética dos data centers já supera a oferta em diversas regiões do planeta, provocando sobrecargas nas redes elétricas, riscos de apagões e aumento nas tarifas de energia – o que tem gerado apreensão em comunidades locais.
Grandes empresas investem em fontes renováveis
Para atender à crescente demanda energética de suas infraestruturas, grandes empresas de tecnologia têm investido em fontes renováveis, como solar e eólica, alinhando seus compromissos às exigências de sustentabilidade de consumidores e investidores.
A Amazon, por exemplo, afirma manter cerca de 500 projetos globais; o Google firmou mais de 115 contratos de energia limpa entre 2010 e 2023; e a Microsoft assinou um dos maiores contratos corporativos do setor, estimado em US$ 17 bilhões.
No entanto, essas fontes também dependem fortemente de minerais críticos, devido à menor densidade energética, à vida útil reduzida e às dificuldades de reciclagem.
Uma usina eólica terrestre pode exigir até nove vezes mais minerais do que uma usina a gás, e projetos offshore, até quinze vezes mais.
O mesmo ocorre com os painéis solares, cuja produção requer uma variedade de minerais estratégicos. Para ilustrar, atender à demanda prevista de 35 GW dos data centers dos EUA até 2030 exigiria cerca de 50 milhões de painéis solares – evidenciando a intensificação da pressão sobre a extração mineral.
Esse panorama revela que a expansão da inteligência artificial impõe desafios que transcendem o campo da inovação tecnológica, envolvendo dimensões ambientais, sociais, econômicas e geopolíticas.
Compreender essas inter-relações é fundamental para que cientistas, sociedade civil, tomadores de decisão, empresas e países consigam avaliar com mais precisão os custos e implicações associados, além de promoverem caminhos e estratégias que enfrentem tais desafios, especialmente se a tendência de expansão acelerada da inteligência artificial persistir.
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