Aprovação da reforma tributária no Congresso Nacional depende de texto inclusivo e apoio de setores produtivos

Mesmo com o interesse geral pela aprovação de uma reforma tributária ampla, alguns setores ainda discutem os pormenores de alíquotas e como a tributação deve incidir em diversos segmentos. Esse embate deve se traduzir em um desafio para o avanço do texto, conforme avalia Alberto Carbonar, mestre em direito tributário pela Georgetown University e co-fundador do Grupo de Estudos sobre Política Tributária (GEPT). Mais do que uma disputa política no Congresso Nacional, a tramitação das propostas de reforma deverão considerar e equilibrar a agenda de diversos segmentos importantes para a economia brasileira, como serviços, agronegócio e indústria. “Não será o viés ideológico que impedirá a aprovação da reforma no Congresso, mas sim o posicionamento de defesa de interesses setoriais que pode impedir o avanço da reforma. Nem todos os setores serão beneficiados, a exemplo do setor de agronegócio e serviços que, certamente, sofrerão aumento de carga tributária, apesar de estudos do governo em sentido contrário. Esses contam tributação reduzida no sistema atual e exigem a manutenção do tratamento atual. Diante disso, cumpre aos atores políticos envolvidos e com a missão de aprovar a reforma de exercer uma postura diplomática de diálogo para convencimento desses setores. Vale lembrar que a frente parlamentar de serviços e agronegócio contam, respectivamente, com 208 e 300 deputados. Em outras palavras, sem o apoio desses setores, a aprovação de uma reforma tributária é muito difícil. Além disso, Estados e Municípios ainda não estão 100% de acordo com a proposta de reforma, pois temem perder arrecadação em razão da extinção de tributos estaduais e municipais como ICMS e ISS”, esclarece.

A proposta do Governo é substituir os cinco impostos atuais (PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI) pelo Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Contudo, alguns setores querem alíquotas diferenciadas para diferentes áreas de produção. Levando em conta o modelo atual presidente nas propostas, a indústria deve ser o segmento mais beneficiado com a reforma, segundo Carbonar. “É um setor que há muitos anos é prejudicado pelo processo de desindustrialização no país e pela falta de uma política industrial clara e objetiva do governo a longo prazo. Trata-se de uma área extremamente importante e estratégica, em termos de desenvolvimento econômico e social do país, com especial foco na geração de emprego e valor agregado na produção. Em razão do arcaico/complexo sistema tributário que possuímos, muitas indústrias estão fugindo do Brasil para outros países na América Latina e na China. Quando adquirimos produtos industrializados importados, estamos gerando emprego em países estrangeiros e não no Brasil”, pondera. E, apesar do entendimento geral de que a reforma é necessária, o advogado indica que existem defensores do sistema atual que se posicionam pela manutenção do status quo, tendo em vista que se beneficiam diretamente do sistema atual. “Mas o fato é que o sistema tributário atual é regressivo. Ou seja, quem tem mais, recolhe menos e quem tem menos, recolhe, mais, em termos proporcionais. O sistema atual contribui diretamente para o aumento de desigualdades no país. O principal problema a se enfrentar na reforma é, sem sombra de dúvidas, a regressividade. A questão da desigualdade social e econômica é o principal problema do país, pois afeta a estabilidade social, política e econômica, além de afastar investimentos“, avalia.

A regressividade tributária se refere ao processo de cobrança proporcional de mais tributos sobre quem ganha menos, calculando os impostos pelo consumo, ao invés de por renda e patrimônio. Carbonar afirma que existem diversas formas e princípios que auxiliam no combate da regressividade. Como exemplo, o tributaria cita o estabelecimento de uma base ampla para incidência do novo tributo (IBS), com a manutenção da carga tributária global; a aplicação da não cumulatividade plena (impedir o efeito cascata de tributos); a simplicidade operacional para recolhimento de tributos (menos tempo a ser gasto pelas empresas para cumprir com as obrigações fiscais); aplicação do princípio do destino para operações interestaduais e intermunicipais; uniformidade da legislação nacional (ICMS, por ex., tem 27 regulamentos distintos); e não incidência sobre exportações; entre outros. “O modelo atual é positivo, mas merece aperfeiçoamentos, para conceder tratamento diferenciado, por exemplo, para produtos da cesta básica. Além disso, por questões estratégicas e políticas, é necessário que o texto a ser proposto seja ainda mais inclusivo para contemplar setores que possam viabilizar a aprovação da medida”, ressalta.

E essa mobilização é essencial para promover o crescimento econômico e a competitividade do país, além de proporcionar melhores condições de vida para a população. “É inquestionável que o sistema tributário atual é apontado como uma das principais mazelas do país, na medida em que estimula a regressividade, gerando distorções e desigualdades. Além disso, ele contribui para a insegurança jurídica decorrente da complexidade das normas vigentes, o que afasta investimentos, tão escassos em um cenário global pós-pandemia. Exemplo disso é o volume de contencioso assustador que alcança o valor atual de R$ 5,4 trilhões, o qual representa 75% do nosso PIB, segundo dados do estudo Diagnóstico Judicial Tributário Brasileiro, formulado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em conjunto com o Insper. Esse mesmo estudo aponta que o nosso país concentra 99% dos processos judiciais tributários dentre as empresas transnacionais que aqui operam, razão pela qual investimentos estrangeiros muitas vezes deixam de considerar o Brasil diante dos riscos existentes”, indica. Carbonar indica que que até a próxima terça-feira, 16, o GT da reforma tributária na Câmara dos Deputados deve entregar o relatório final do grupo, ainda que exista a possibilidade de estender o prazo por mais duas semanas para ouvir entidades de diversos setores. Contudo, considerando a pauta legislativa atual e o número relevante de medidas enviadas pelo governo ao Congresso que estão pendentes de apreciação, como o novo arcabouço fiscal, voto de qualidade no CARF e o PL das Fake News, ele não acredita que a aprovação da reforma tributária na Câmara ocorra ainda no primeiro semestre.