China deve reduzir demanda por soja e milho do Brasil em 2024
O cenário econômico desafiador na China deverá fazer o gigante asiático reduzir as compras de grãos do Brasil neste ano. A consultoria Markestrat, que realizou essa projeção, cita “uma verdade inconveniente” aos agricultores e destaca que pouco importa o tamanho da quebra da soja se a demanda chinesa cair. Confira abaixo a entrevista realizada pelo economista Samy Dana com o sócio-diretor da empresa, José Carlos de Lima Jr.
O que se passa com a economia chinesa? O agricultor, principalmente o exportador brasileiro, deve se preocupar? Quando a gente fala da China, nós estamos falando principalmente do principal comprador e exportador do mundo. Desde 2014, a China assumiu aí a relevância, ela acaba sendo o maior comprador bem como o maior exportador no mundo inteiro. E o fato é que a China já vem enfrentando uma situação delicada já há alguns anos. Basta a gente pensar que a primeira grande situação é que quando você começa a ver a taxa de reinvestimento do governo chinês em relação ao próprio PIB. Enquanto uma economia normal, um governo gira em torno aí de 20% a 25% no máximo, o governo chinês durante vários anos, estava trabalhando numa taxa de 40% a 45% de reinvestimento. Ou seja, ele teria que naturalmente descer para um padrão, digamos, tido mais sustentável, essa é uma realidade.
A segunda realidade que você trouxe aí é que a deflação que a China acabou apresentando, já são três trimestres seguidos. Então isso na prática significa que os preços dentro do mercado do chinês, vamos colocar assim, eles estão em queda exatamente porque o consumo tem caído cada vez mais. E o grande problema de toda essa situação é que o governo ele decretou, colocou alguns alguns impedimentos para que fundos e também aí algumas empresas pudessem se desfazer dos seus ativos na bolsa porque essas US$ 7 trilhões [registrada no mercado acionário] já significa uma queda de praticamente 30% apenas nesse ano. Ou seja, o que a gente começa a perceber é que, realmente, a China, ela passa por uma situação delicada principalmente no sentido em cima de custos da própria dívida dela, que ela tem uma dívida expressiva. Ela tem uma situação em que ela não vai conseguir manter o próprio ritmo de investimento. E há uma coisa fundamental, que é preciso a gente aqui trazer para o nosso público, é que o governo no final do ano passado, em dezembro de 2023, ele aprovou um déficit orçamentário nesse 2024 para poder manter o ritmo de investimento proposto aí dentro do 14º plano quinquenal, né? Que é a estratégia da China para os próximos 5 anos, contando entre 2021 até 2025 que é o período que está em vigência.
Então essa situação de déficit orçamentário, ela é importante a gente chamar a atenção porque ela só aconteceu três vezes na história recente da China. Ela aconteceu em 2020, que foi com relação ao combate à pandemia. Ela aconteceu ali no ano de 2007, que foi quando o governo chinês acabou aumentando o próprio fundo soberano. E depois, anteriormente, lá em 1997, quando ela acabou fazendo ali o resgate ou impulsionamento de alguns bancos estatais. Portanto, esse movimento de deflação associada com déficit orçamentário que foi aprovado para esse ano para tentar manter o ritmo aí dos investimentos, soa preocupante tanto que nesse momento quando a gente começa a questionar em termos de preço das commodities. A China tem importado muito menos. E além de importar menos, o que a gente acaba percebendo é um programa interno do próprio governo para tentar reduzir principalmente, vamos pegar mais recente, por exemplo, o próprio plantel de suínos. É uma tentativa do próprio governo sugerir para o suinocultor diminuir o próprio plantel como forma de se tentar responder no preço da carne, que está em queda ao longo desse tempo.
Em uma análise sua, você citou um termo ‘uma verdade inconveniente’ a qual você afirma que o tamanho da safra do Brasil importa pouco se a demanda chinesa cair. Quais commodities que exportamos seriam as mais afetadas nesse cenário para 2024? Essa tal da verdade inconveniente ela é um fato porque a gente tem aqui no Brasil um fato inquestionável que é o clima prejudicando a nossa produtividade nesse 2023 para 20224 e o preço da soja, principalmente, tem caído no mercado diminuindo até R$ 100 a saca. Isso acaba certamente se desdobrando na safrinha, que a gente começa a pensar em milho. Então, a grande pergunta sempre foi assim: “ah, o Brasil vai ter uma quebra de produção, consequentemente, essa quebra pode se desdobrar no aumento de preço uma vez que a soja já vinha caindo aí principalmente do ano passado para esse”. Só que, infelizmente, a gente tem aí os dois lados. Tem um lado da oferta e o lado da demanda. E a oferta, por mais que a gente possa vir a ter uma queda, ela precisa também se desdobrar no preço uma vez que a demanda se mantém inalterada e o volume de compra permaneça. E nesse momento, a China não só diminuiu o próprio volume de compra, mas a China tem um estoque, basta lembrar que do ano passado para esse, a China importou um dos maiores volumes e ela tem aproximadamente aí cerca de 100 milhões de toneladas que ela trouxe do ano passado para esse.
Ou seja, nós temos uma situação em que um parceiro comercial, que é um grande importador, ele tem um grande volume, principalmente de soja, e falar de soja é falar do principal produto hoje nas exportações do agronegócio. Essa é uma situação problema. E uma outra situação problema que acaba derivando disso é que a gente acaba pensando, por exemplo, num parceiro comercial ou num grande produtor comercial, no caso Argentina, que nesse 2024 está retornando aí com a produção. E, por mais que ela venha entregar no mercado e a estimativa na ordem de 50 milhões de toneladas de soja, a Argentina não exporta soja. Ela é um grande exportador de farelo de soja e nesse momento, o preço do farelo está em queda porque a indústria de moagem chinesa, ela já está com uma margem bastante apertada. Uma margem negativa e essa grande oferta de farelo que a Argentina vai colocar no mercado faz com que um subproduto já industrializado que é o farelo encontra-se menor do que a própria cotação do grão que dá origem no caso a própria soja. E isso acaba pressionando ainda mais essa queda de preço que a gente assiste.
Então, respondendo a sua pergunta, quais commodities vão sofrer mais, com certeza a primeira quando a gente começa a pensar aqui no resultado dessa safra, é a soja inicialmente. Mas, eu também levaria aí para a própria safrinha, já pensando também no milho, que tudo indica que a gente possa vir a ter uma redução de área plantada neste ano.
A China deixou de ser o principal parceiro dos Estados Unidos e perdeu espaço para o México. Olhando um pouco mais longe, no médio e no longo prazo, você acredita que isso pode mudar alguma dinâmica do comércio internacional, assim estrategicamente principalmente para o produtor de agro? É muito importante a gente considerar o seguinte: aquele rompimento das cadeias de suprimento que nós tivemos, principalmente a partir da Covid, ali deixou muito evidente a grande preocupação do mercado mundial de que transferir toda a cadeia de suprimentos para a China, principalmente numa situação em que você tem uma baixa, digamos um estoque mínimo, para que as indústrias possam rodar aquilo ali se mostrou extremamente complicado e delicado. Tanto que desde 2020, a gente começa a perceber uma preocupação das indústrias, principalmente, em tentar manter outros locais de suprimento para que não possa vir a passar esse problema de desabastecimento.
Então, esse movimento que você tem aí, principalmente de fornecimento no caso para os Estados Unidos, colocando o México, a gente tem uma situação inicial que é o Nafta [Acordo de Livre Comércio da América do Norte], né? Então, você tem ali a possibilidade de uma transação em que você tem alguns benefícios tributários. Mas, por outro lado, isso também traz uma sinalização muito importante para nós aqui no Brasil enquanto território que é você também se tornar, de repente, um centro de atração para que você possa ter aqui também locais de produção de insumos. Porque uma coisa que pode afetar qualquer mercado hoje neste momento, a gente começa a perceber, são as relações de atrito principalmente em termos de geopolítica. Em geopolítica, nós sabemos que o Brasil, ele tem digamos uma previsibilidade muito maior e que isso acaba se traduzindo principalmente em segurança do investimento. Então, eu acredito que o Brasil, ele tem aí um cenário muito positivo de atrair empresa, atrair aí digamos, centros de produção de suprimentos aqui para o nosso território, principalmente pensando que essa centralização de cadeia produtiva que aconteceu no passado do lado da Ásia se mostrou em grande maioria extremamente arriscado para que, digamos o ‘relógio suíço’ da economia mundial se mantivesse sem nenhum tipo de atraso.