Como dizia o cínico e profético Justo Veríssimo, ‘o pobre que se exploda’
A dramática eleição parlamentar da França não deixa também de ser uma espécie de plebiscito sobre o ódio aos pobres, elemento comum disseminado tanto pelo grupo de Marine Le Pen, quanto pelo Chega português, por Donald Trump e por políticos extremistas do Brasil. E não é difícil identificá-lo. Entre os principais alvos da agressiva retórica dos franceses estão os imigrantes, especialmente aqueles de origem muçulmana. Eles estariam tomando empregos cada vez mais escassos, penalizando os serviços públicos e, claro, escurecendo a população branca e bem nascida. O preconceito é tão desbragado que um dos partidos de extrema direita chegou a distribuir cartazes com a foto de uma criança loirinha de olhos azuis e a legenda: “Vamos garantir um futuro a ele”. Antes que os críticos se manifestassem, o volume impresso já havia se esgotado.
O sucesso da mensagem preconceituosa aumentou a aposta racista dos autores da ação. Um novo cartaz foi distribuído com a foto de pessoas negras embarcando em um avião sob o título “Reimigração”. Ou seja, os indesejados estavam sendo devolvidos a seus países de origem. Bem, os resultados eleitorais do partido liderado pela filha do general Jean Marie Le Pen, aquele para quem as câmeras de gás dos nazistas eram apenas um detalhe, comprovam a força do apelo racista, xenófobo e excludente. Nos Estados Unidos, são bem reais as chances de Donald Trump retornar à Casa Branca mesmo após o ataque à democracia do 6 de janeiro, a compra do silêncio de uma garota de programa e golpes tributários, entre outros desvios que se acumulam em vasto prontuário.
Pragmática, a metade do país, ou quase isso, que o apoia defende bandeiras como o muro contra a imigração e medidas protecionistas para barrar o livre comércio que, afinal, rouba empregos. Assim, questões de caráter não são temas para debate. Sem dúvida, o discurso trumpista agrada um público como os eleitores do Cinturão da Ferrugem, como é a chamada a região que reúne estados como Michigan, Ohio e Pensilvânia, cruciais para quem aspira chegar à Casa Branca e que convive com altas taxas de desemprego industrial.
Lá, e no resto do país, a repulsa aos imigrantes latinos é o amálgama que une brancos desempregados, grupos supremacistas e fundamentalistas religiosos. Todos unidos na fé de fazer a América Grande Novamente, livres de forasteiros pobres e de chineses ricos e predadores nos negócios. Irmãos de fé e de preconceito desses grupos de franceses e americanos são os portugueses do Chega, em ascensão como a terceira força política do país e impulsionados pela ojeriza aos imigrantes pobres, especialmente os oriundos do Brasil e de antigas colônias africanas.
Não surpreende que tal onda se estabeleça sem pruridos aqui no Brasil. Se antes ainda provocavam algum escândalo, manifestações como a de um vereador gaúcho defendendo trabalho escravo nas vinícolas ou de paulistanos apoiando projeto que previa multas de R$ 17 mil a quem alimenta famintos nas ruas se tornam cada vez mais rotineiros. Escandalizam cada vez menos. E o mais excruciante desse novo normal é que tais iniciativas partem de quem recebeu votos para representar parcelas do povo.
Conceituado estudioso dos movimentos de extrema direita que surgiram nas últimas décadas, o cientista político holandês Cas Mudde cataloga o que classifica como as quatro fases do extremismo desde o final da Segunda Guerra. Primeiro foi a onda Neofascista, que segundo ele durou até 1955. Depois, a dos Populistas de Direita, até 1980. Em seguida, até 2000, vem a fase dos Populistas Radicais. E, por fim, a atual, a dos Extremistas de Direita. Essa última ganha impulso a partir do 11 de Setembro de 2001, cresce na crise econômica de 2008 e se robustece ainda mais em 2015 com a questão dos imigrantes. Segundo ele, “a característica decisiva da quarta onda e que a difere da anterior é a naturalização da extrema direita no sistema político”.
É fundamental ainda reconhecer que integrantes dessas correntes buscam o poder pelo voto, mas não descartam rupturas ou regimes iliberais. Penso que tais grupos reescrevem as lutas de classes. Para eles, o mote que inspira é o “Preconceituosos do mundo, uni-vos”. E o inimigo de classe e alvo do ódio passa a ser o pobre. Profético o deputado Justo Veríssimo, do genial Chico Anysio, que tinha como bordão o “Odeio pobre. Quero que o pobre se exploda”. Ainda veremos o dia em que os atuais extremistas se associarão em uma Internacional Elitista, da Xenofobia e Supremacista.