A cidade de São Paulo encontra-se em estado de abandono; o cidadão, também

Mortes de pessoas que foram dragadas por águas de chuva, gente agarrada aos postes com medo de serem arrastadas pela correnteza, crianças ilhadas em suas casas com a água até o pescoço, ou, ainda, sob os telhados de suas moradias, são situações que integram o dia a dia dos milhões de moradores que vivem as consequências diretas da ineficácia administrativa, da ausência de projetos ou da procrastinação na realização das obras necessárias para evitar riscos de morte e perdas materiais dos cidadãos.

Uma pesquisa rápida por mortes e desaparecimentos provocados por chuvas intensas na cidade de São Paulo nas redes sociais, aponta um número significativo de notícias que se repetem, sistematicamente, a cada verão, incidência essa que deveria fazer corar qualquer prefeito. Desta vez, a morte da Sra. Nayde Pereira Capelano ocorreu em região central da cidade, local com toda a infraestrutura e equipamentos públicos imagináveis, que estão instalados e à disposição para a fruição de seus moradores. Ilhada em seu automóvel, morreu afogada sobre o asfalto batendo no vidro, gritando por ajuda. Não consigo imaginar o medo que sentiu ao ver-se sozinha e sem condições de escapar. Li relatos sobre as tentativas de resgate de algumas pessoas que se viram impotentes diante das súplicas por ajuda. Sinto muitíssimo sua morte. Sinto muitíssimo pela dor dos familiares e amigos.

Também deixo aqui registrados meus sentimentos a todos os cidadãos que, moradores das regiões periféricas com infraestrutura e equipamentos públicos precariamente instalados, quando não, ausentes, perderam pessoas queridas e entes amados ao longo de décadas de descaso público, para os alagamentos e inundações que ocorrem a cada período de chuvas. Agravadas pelos eventos climáticos extremos, o “novo normal” atormenta, destrói e mata uma vez que a infraestrutura mostra-se incapaz de atender os problemas atuais.  Nem sempre seus nomes são lembrados pelos meios de comunicação. Para a prefeitura, tornam-se estatísticas que poderão ser apreciadas por pesquisadores urbanos que, como eu, analisam dados ao longo da história e buscam compreender a realidade.

Para ilustrar o leque de situações banais e incompreensíveis que permeiam os debates urbanos na prefeitura, cito os bueiros, bocas de lobo ou sumidouros, responsáveis por levar as águas da chuva, para as galerias pluviais. É um exemplo kafkiano, ou seja, situações frustrantes para quem adentra os labirintos da burocracia de plantão. Projetados e construídos lá no meio do século passado para atender cerca de 2 milhões de moradores, a cidade era mais permeável do que hoje, menos densa, espalhada. Onde moravam dois milhões de habitantes, hoje moram mais de 12 milhões. Limpar e desentupir bueiros, deveria ser prática corriqueira que integra a zeladoria urbana. Não consigo entender como um gestor público, apresenta limpeza obrigatória, prevista em orçamento, como solução para os alagamentos em uma cidade do tamanho de São Paulo. Continuando o rol de bobagens e ações incompreensíveis, a imagem que vi, outro dia, em um site cujo nome, não lembro, infelizmente: um subprefeito recém-empossado, enfiando-se em um bueiro, certamente, para mostrar serviço e sensibilizar os moradores. Encontrava-se sem equipamento de segurança ou indumentária adequada à limpeza urbana.  Provavelmente, em busca de uma boa foto para ilustrar redes sociais de incautos e, adotando estilo populista, o representante público, deu uma amostra do nível de precariedade na tomada de decisões que nos aguarda.  Não consigo entender, juro.

Paralelamente e, na contramão das soluções para a sustentabilidade urbana, o Plano Diretor Estratégico, intensifica, não apenas a impermeabilização do solo nos eixos de estruturação da transformação urbana por meio de suas diretrizes para o hiper adensamento, mas também, como consequência ambientalmente nefasta à condição contemporânea climática, incentiva a construção de garagens (áreas não computáveis no coeficiente de aproveitamento) que invadem o lençol freático (reservatório subterrâneo natural de águas provenientes da chuva, inclusive) levando construtoras a bombear as águas para as mesmos bueiros que já não comportam as águas de chuvas porque foram dimensionadas para uma cidade do século passado. As mesmas construtoras, por sua vez, limpam os resíduos de concreto de seus caminhões betoneira na rua, entupindo bueiros e bocas de lobo que recebem as águas do lençol freático e das chuvas torrenciais atuais. Limpeza de bueiros utilizando britadeira. Dá para entender? Definitivamente, não.

Já, nas regiões periféricas, a história do processo de urbanização é constante: os cidadãos vulneráveis, permanecem vulneráveis. Invisíveis e esquecidos pelos vereadores, secretários e prefeitos em suas necessidades básicas, continuam sofrendo, perdendo bens e morrendo com a ausências de bons projetos de curto prazo para atender suas demandas. Os resultados continuam estampados nas manchetes. Prefeito Ricardo Nunes, faltam projetos desenvolvidos por gestores públicos minimamente qualificados para sanar as questões relacionadas ao cotidiano das pessoas. Morrer afogad@ em 2023 em uma cidade que responde por cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país é inadmissível em qualquer rua e bairro da cidade e do mundo civilizado.

Falta de recursos financeiros para realizar obras, não é o motivo. Afinal, o líder da Câmara de Vereadores, Milton Leite, afirmou orgulhosamente semana retrasada que, apesar da economia difícil, projetos de lei que melhoram a vida da população com menos gasto de dinheiro público vem sendo implementados. Onde? Quais? Tem meta? Tem métrica? Crença na palavra do líder da Câmara ou resultado de auditoria externa e independente? No que me fio? Gabou-se da devolução de R$ 190 milhões aos cofres públicos resultantes da austeridade adotada na revisão de contratos e no cancelamento de compras. Como assim? Devolveu dinheiro com a cidade repleta de mães e filhos morando na rua? Dependentes químicos sem tratamento eficaz? Desabrigados morando em casinhas de lata? Balão de ensaio de tarifa zero para transporte da população? Lixo espalhado pela cidade porque a zeladoria das subprefeituras é falha? É um escárnio. É menosprezar a opinião pública.

Inúmeros estudos e soluções para os problemas relacionados aos alagamentos, enchentes, deslizamentos encontram-se em planos públicos. Infelizmente, não estarei viva para poder colher os seus frutos, pois, suas metas, que podem ser revisadas a qualquer momento, estão lançadas para as futuras décadas, ou seja, 2030, 2040 e 2050. O cidadão que espere a solução do seu problema atual. Sentado, de preferência. No meu caso, descansando na santa paz de Deus. Prefeito Ricardo Nunes, conviveremos, juntinhos, até dezembro de 2024. Por favor, forme equipes de conselheiros formados por profissionais qualificados e representantes da sociedade civil. Não sei com quem o senhor se aconselha, mas fica aí a sugestão. Os vereadores também não estão se mostrando qualificados para responder às demandas atuais.

Planos existem e são muitos. Faltam projetos com descrição detalhada das soluções que se pretende atingir, contendo um planejamento das prioridades, das etapas, dos envolvidos, dos resultados, dos prazos, dos investimentos e das penalidade se as ações previstas, não forem  cumpridas. Procure os conselheiros municipais, eleitos pelas populações. Procure instituições universitárias que desenvolvam pesquisas em gestão pública. Faça alguma coisa, por favor. Não deixe a cidade à deriva. Escrevo a coluna de hoje para alertar a população sobre a necessidade de nos unirmos para buscar as ferramentas legais e administrativas com o objetivos de responsabilizar a prefeitura do município de São Paulo pelas mortes e perdas evitáveis. Não são incidentes. Omissão, procrastinação, má gestão ou a não aplicação de recursos públicos podem levar a danos materiais e perdas de vidas. Basta. Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas