Abandonando o cenário global
Ao contrário do que muitos disseram após o discurso de posse, as falas de Donald Trump não foram um choque ou uma surpresa a ninguém. De forma repetitiva, muitas das ordens executivas assinadas ontem foram prometidas e reiteradas pelo presidente e seus apoiadores durante o período de campanha. Desta maneira, as decisões, apenas formalizadas, foram uma amostra de que promessas eleitorais serão cumpridas, além de uma grande demonstração do caráter isolacionista adotado pela nova administração norte-americana.
Implementado em 2016, o Acordo de Paris é o tratado internacional mais importante sobre mudanças climáticas, estipulando de forma clara as metas de limitar o aumento da temperatura global abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais. O mundo globalizado e altamente industrializado do século XXI, tem, na dianteira das emissões de gases poluentes à atmosfera, a China e os Estados Unidos, representando 31% e 14% das emissões globais, respectivamente. Donald Trump argumenta que seu país não deve continuar a se sabotar, enquanto a China continua a poluir de forma impune. Para o presidente dos Estados Unidos, as mudanças climáticas são uma farsa e, nessa visão de mundo, que contraria a maior parte dos cientistas, não há a necessidade de se investir em alternativas mais sustentáveis. Apenas Iêmen, Líbia e Irã não são signatários do Acordo de Paris, mostrando que a posição recentemente escolhida pelos norte-americanos será acompanhada por nações de conduta duvidosa acerca de inúmeros aspectos.
Os parceiros históricos dos Estados Unidos na Europa Ocidental, assim como a própria ONU, lamentam a decisão de Trump, ressaltando que, em um mundo governado através do exemplo, a mensagem enviada desde Washington DC desincentivará outros grandes poluentes a cumprirem sua parte nos tratados firmados. O abandono esperado se torna, então, uma repetição melancólica de uma narrativa já conhecida.
A Organização Mundial da Saúde foi criada em 1948 com o intuito de liderar os esforços mundiais na promoção da saúde, prevenção de doenças e fornecer respostas coordenadas a emergências globais de saúde pública. Através da OMS, a varíola foi erradicada em 1980, houve a redução significativa da pólio com uma queda de mais de 99% dos casos desde 1988, o controle de pandemias, a ampliação do acesso à vacinação em todo o mundo, principalmente em países pobres, além de inúmeras outras iniciativas essenciais para muitas nações. O anúncio do presidente Trump de retirar os Estados Unidos da organização, novamente não foi uma surpresa, mas uma enorme decepção. Os americanos contribuem com cerca de 500 milhões de dólares anuais para a OMS, quantia crucial para a manutenção de médicos, enfermeiros, cientistas, secretários, entre outras profissões que possibilitam as atividades da organização. Trump argumenta que os Estados Unidos são o que mais contribuem sem possuírem a maior população do planeta, o que de fato é verdade. Todavia, os critérios de contribuição são focados no PIB de cada uma das nações, e não em sua população.
Em suas razões oferecidas para o rompimento de relações com a OMS, Trump concluiu dizendo que a China paga menos de 10% dos americanos e que esse desequilíbrio, por si só, já justificaria a saída dos Estados Unidos da organização. Diretores da OMS lamentaram a decisão e disseram que uma queda tão brusca no orçamento anual implicará em cortes severos no número de funcionários e limitará as capacidades de operação em determinadas localidades do mundo.
Basicamente, aquilo que se observa é resultado de uma nova forma ainda mais intensa de isolacionismo. A argumentação utilizada para ambas as decisões se baseia mais no tratamento dado a China do que na necessidade em si, de contribuir para a solução de problemas de caráter global. Há, de fato, uma diferença de tratamento aos chineses, algo que necessita de um ajuste rápido para tornar as expectativas, direitos e deveres mais transparentes e mais justos perante as nações que pagam mais poluindo menos, tendo menos dinheiro em caixa. As decisões de Trump, todavia, mostram que, para o presidente norte-americano, liderar o mundo, assim como os Estados Unidos têm feito por quase sete décadas, envolve apenas individualizar as benesses da liderança e compartilhar os prejuízos das más escolhas. Seria importante, contudo, que Trump se lembrasse que, para uma atmosfera poluída ou para os vírus de novas pandemias, não há diferença entre americanos e o resto do mundo.