“Assuma sua ambição sem pedir desculpas”, aconselha Vidya Peters em visita ao Brasil

Vidya Peters, CEO da DataSnipper, durante apresentação no palco principal do primeiro dia do Web Summit Rio 2025, realizado no Riocentro, no Rio de Janeiro. Foto: Vaughn Ridley/Web Summit via Sportsfile

Vidya Peters atravessou o oceano para observar, de perto, como a inteligência artificial pode prosperar em uma das economias mais complexas do mundo. A CEO da DataSnipper, scale-up holandesa especializada em automação de auditorias, desembarcou no Brasil no contexto de um crescimento exponencial da empresa: 6.715% em faturamento e uma presença que dobrou em regiões como América Latina e Ásia-Pacífico. Em sua primeira visita ao país, participou do Web Summit Rio e confirmou: o Brasil está no radar, não apenas como mercado, mas como campo de teste para uma nova relação entre humanos, algoritmos e números.

Se o nome ainda não diz muito ao público geral, nos bastidores de auditorias corporativas ele circula com mais fluidez. A plataforma da DataSnipper automatiza tarefas que antes consumiam dias de trabalho humano, como cruzar contratos, validar faturas e conferir planilhas. Em vez de ler célula por célula, o auditor agora carrega um arquivo e assiste à máquina extrair os dados em segundos. Segundo a executiva, uma tarefa que antes durava oito horas pode ser resolvida em uma. E com evidência rastreável.

“Não se trata de substituir pessoas”, diz. “Se trata de capacitá-las.” A executiva retorna a essa frase com frequência, como se dissesse ao interlocutor, ou ao próprio setor, que não há o que temer.

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Entre a produtividade e a ética

A DataSnipper é um exemplo concreto do que a inteligência artificial promete desde que saiu dos laboratórios acadêmicos: mais eficiência, menos repetição. Mas com um pé fincado na realidade, e outro no compliance. “Adotamos uma abordagem de ‘confiança zero’”, explica Vidya. Isso significa que todo insight gerado pelo sistema precisa estar vinculado diretamente ao documento-fonte. Nenhuma inferência isolada, nenhuma resposta sem rastreabilidade.

É um antídoto contra as chamadas “alucinações” dos modelos generativos, nos quais a IA produz respostas falsas com aparência de verdade. Vidya enfatiza que, no caso de auditorias, o risco não é apenas técnico, é legal. “A responsabilidade sempre será do auditor e da firma”, afirma. O robô, nesse caso, apenas entrega um rascunho bem mastigado. A caneta final ainda está na mão humana.

A automação que não demite

Em um setor onde o trabalho manual é abundante e a margem de erro é zero, a promessa de automação costuma vir acompanhada de um temor: e os empregos? Vidya inverte a equação. A cada avanço da DataSnipper, diz ela, surge uma oportunidade para os profissionais deixarem de ser verificadores de planilhas para se tornarem estrategistas de negócios. “Estamos vendo uma transformação de funções, e não sua eliminação.”

É um discurso que alinha produtividade com propósito, algo cada vez mais cobrado de lideranças em tempos de IA generativa. Ela mesma se vê parte dessa pressão. “O papel do CEO, hoje, é equilibrar inovação com governança”, diz. Em sua visão, liderar exige aprender o básico da tecnologia, mas também criar espaço para perguntas incômodas. Transparência, nesse campo, vale tanto quanto performance.

A vantagem competitiva na regulação

A Holanda, onde fica a sede da DataSnipper, é cercada por um dos marcos regulatórios mais rígidos do planeta: o GDPR. A executiva vê isso como uma vantagem competitiva. “Incorporamos privacidade desde o início do produto”, afirma. A empresa, segundo ela, não usa dados de clientes para treinar seus modelos. Nenhum documento enviado é reaproveitado ou armazenado para outras finalidades. “Os dados são dos clientes. Sempre.”

No Brasil, onde a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) segue a mesma lógica do GDPR, a adaptação tem sido relativamente tranquila. A diferença, diz a executiva, está mais na cultura corporativa do que nas leis. “Algumas organizações ainda resistem a abandonar métodos tradicionais. Mas isso está mudando rápido”, afirma. Especialmente em setores pressionados por prazos, como auditoria fiscal e conformidade tributária.

Crescimento com freio de mão

Com escritórios recém-abertos na América Latina e Ásia, a DataSnipper enfrenta agora um novo desafio: crescer rápido sem perder o controle. “Responsabilidade social e transparência precisam caminhar com o crescimento”, diz. Isso inclui investimentos em formação técnica e programas de uso ético de IA. A companhia evita, por exemplo, vender sua tecnologia como uma solução “plug and play”. O onboarding é gradual, com treinamento para garantir que o humano siga no comando.

Esse controle é ainda mais necessário quando se lida com dados sensíveis, como balanços financeiros, contratos e registros fiscais. A ideia, segundo Vidya, é que a IA seja uma extensão da mente do auditor, não um substituto do seu julgamento.

Vidya no topo

Ao longo da conversa, Vidya intercala termos técnicos com memórias pessoais. A executiva começou a carreira em um setor onde, como mulher, era frequentemente a única da sala. “Muitas vezes tive que provar minha credibilidade duas vezes”, conta. O caminho até o cargo de CEO exigiu, segundo ela, menos certezas e mais persistência. “Liderar não é sobre ser perfeita, é sobre ser autêntica.”

Às novas líderes, ela dá um conselho direto: “Assuma sua ambição sem pedir desculpas”. Para ela, conhecimento técnico e visão de negócio são tão importantes como redes de apoio, formais ou informais. E, sobretudo, é preciso lembrar das que vieram antes. “Todas nós estamos construindo sobre os passos pioneiros de outras mulheres.”

O recibo está nos números

De volta aos dados, o salto da DataSnipper não veio por acaso. É resultado de uma proposta concreta: aliviar o fardo operacional de quem precisa garantir que as contas fechem. E, ao mesmo tempo, garantir que a inteligência artificial usada nesse processo tenha lastro, fonte e limites bem definidos.

No Brasil, um país onde o sistema tributário é um dos mais complexos do mundo, a aposta é alta. Vidya sabe disso, e aposta na própria adaptabilidade da empresa para seguir crescendo. “As equipes aqui estão pressionadas a fazer mais com menos”, diz. “Mas quando elas veem que podem economizar horas com apenas alguns cliques, a mentalidade começa a mudar.”

Entre planilhas, faturas e contratos, a revolução da IA na auditoria ganha tração. E agora fala também português.

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