Big techs no clima da sustentabilidade 

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015, em Paris, na França, as nações do mundo participaram das discussões dos chamados Acordos Climáticos de Paris. O tratado internacional, que no ano seguinte seria lançado para ratificação, estabelecia metas para mitigar as mudanças climáticas e o impacto da atividade humana no meio ambiente. Seu principal objetivo é que a temperatura média global não ultrapasse um aumento de 1,5 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais do planeta. Para atingir o objetivo, emissões globais precisam ser reduzidas em 50% até 2030.

O documento, que hoje soma 194 membros signatários, inaugurou um novo momento para a discussão climática global. A partir dele, não só a pressão aumentou para que governos de todo o planeta estabelecessem suas próprias iniciativas para redução de emissões, mas também empresas. Mais e mais consumidores – e investidores – passaram a se atentar como as corporações estão buscando reduzir suas pegadas de carbono, diminuindo emissões brutas e buscando a transição de sua matriz energética para fontes renováveis.

De acordo com o Gartner, empresa global de consultoria de mercado, neste ano, pela primeira vez na história de sua pesquisa anual sobre prioridades de negócios, “questões ambientais” foram registradas como uma das principais estratégias para CEOs – prioridade foi a oitava em uma lista de dez. Em 2019, o tema era o 14º da lista. Em 2015, antes da assinatura dos Acordos de Paris, a questão ficava na 20ª posição. Com seu alcance global, a indústria da tecnologia é peça fundamental dessa nova realidade.

Tecnologia entra em cena

Estimar a importância da indústria de tecnologia para a economia global não é algo simples. Cálculos da União Internacional de Telecomunicações (ITU), agência das Nações Unidas para tecnologias de informação e comunicação (TICs), apontam que, neste ano, cerca de 60% do produto interno bruto global (PIB) dependeu de tecnologias digitais de uma forma ou de outra. Em números concretos, a ReportLinker, empresa que usa inteligência artificial para realizar relatórios, avaliou que o mercado global de TICs deve atingir um volume total de US$ 9,32 trilhões em 2022 – um crescimento de 11,2% em relação ao ano anterior. Até 2026, a expectativa é que ele chegue aos US$ 13,8 trilhões.

Em 2018, a Ericsson, gigante sueca das telecomunicações, divulgou um estudo que estimava a pegada de carbono do setor de TICs ao equivalente a 730 milhões de toneladas de CO2. O valor representa uma porcentagem pequena do total das emissões global, de cerca de 1,4%, mas, como um dos pilares fundamentais da economia global, as empresas da indústria de tecnologia da informação e comunicação (TICs) logo passaram a ser cobradas pelo combate às mudanças climáticas.

“A tecnologia da informação tem se tornado um motor cada vez mais importante da nossa economia. É uma certeza que essas ferramentas tecnológicas terão que se alinhar com padrões de eficiência, eficácia e sustentabilidade que vão além dos simples resultados financeiros”, disse Joseph Pucciarelli, conselheiro executivo da IDC, durante uma apresentação sobre as prioridades de líderes de TI para os próximos anos. “À medida que nós passamos a refletir mais e mais sobre a sustentabilidade e sobre tecnologia da informação limpa, quanto mais cedo adotarmos isso, melhor. Nós seremos desafiados, enquanto líderes empresariais, a alinhar as ferramentas do nosso ofício a estes resultados”, completou.

WW - Joseph C. Pucciarelli_hd

Na linha de frente dessas cobranças estão as “Big Techs”, grupo de gigantes do setor como Google, Amazon e Microsoft, que são responsáveis por grande parte dos serviços e infraestrutura de tecnologia usada por consumidores, empresas e governos ao redor do mundo. Em setembro de 2020, o Google anunciou planos de alimentar suas operações, incluindo seus campi ao redor do mundo e data centers, exclusivamente com energia “livre de carbono” até 2030. A Microsoft, por sua vez, se comprometeu a ser negativa em emissões de carbono até 2030, e que compensará suas emissões históricas até 2050.

Gigante do e-commerce, a Amazon planeja atingir emissões zero de suas operações até 2040 – além de alcançar metade de seus envios de encomendas neutros em carbono até 2030. “As nossas ações são demandadas pela postura e posicionamento da empresa”, explicou Paulo Cunha, diretor geral para o Setor Público da AWS no Brasil, em entrevista ao IT Forum. “Nós temos metas claras para as diversas áreas, que tomam suas decisões baseadas em suas próprias realidades e também de forma alinhada às metas globais. Nós desenvolvemos e fazemos a mensuração delas de acordo com ritmo de acompanhamento de negócios e da performance interna.”

Para além das metas gerais de redução de emissões – alinhadas, em boa parte, aos objetivos estabelecidos pelos Acordos de Paris –, cada uma das “Big Techs” tem atacado as questões ambientais com uma série de estratégias paralelas. Responsável por 34% do mercado global de infraestrutura de nuvem, segundo dados do terceiro trimestre de 2022, a Amazon Web Services (AWS), por exemplo, tem focado em estratégias para tornar seus centros de dados mais sustentáveis. “Data center equivale a energia e tratamento de água, são dois pontos importantíssimos”, disse Cunha. “A melhor forma de fazer isso, como data center, é pedindo que o fornecedor de energia entregue energia 100% renovável. A companhia, hoje, já é a maior compradora corporativa de energia renovável do mundo, com um portfólio de 15.7 GW.

A fim de não apenas consumir a energia renovável já existente em redes de diferentes países – relegando a energia baseada em combustíveis fósseis para outros usos –, a corporação também tem investido na expansão da oferta de renováveis, incluindo parques solares e eólicos. Em setembro deste ano, a Amazon anunciou 71 novos projetos de energia renovável no mundo, incluindo seu primeiro projeto na América do Sul, um parque solar de 122 MW no Brasil. O projeto está sendo desenvolvido com a EDP Renováveis e com a EDP Brasil, que planejam investir mais de R$ 2 milhões em programas ambientais durante a construção.

Em 2020, a organização também lançou o Climate Pledge Fund, fundo de venture capital de US$ 2 bilhões para investir em empresas com soluções focadas na redução de pegada de carbono. Uma das companhias impactadas foi a American Rock Products (ARP), startup baseada no estado de Oregon, nos Estados Unidos, que desenvolveu um novo método de produção de concreto com menor emissão de gás carbônico como subproduto. A AWS tem usado o concreto da ARP em novos data centers da região.

Clientes, talentos e investidores de olho

Além de serem responsáveis por ações que reduzem suas próprias emissões, as grandes empresas de tecnologia têm procurado construir e oferecer ferramentas que facilitem jornadas sustentáveis aos seus clientes. A Microsoft é uma das big techs que têm buscado esse caminho. Em julho de 2021, anunciou a disponibilidade geral do Painel de Impacto de Emissões da Microsoft, que permite aos clientes rastrear, relatar, analisar e reduzir as emissões de carbono associadas ao uso da nuvem Azure.

No ano passado, a empresa já havia trazido novos recursos ao Emissions Impact Dashboard, incluindo o cálculo de emissões de “Escopo 3” associadas ao uso do Azure. As chamadas emissões de “Escopo 3” são indiretas, ou seja, ocorrem em toda a cadeia de valor de um produto, desde a extração e fabricação de materiais até o transporte, uso e descarte de hardware, e são, muitas vezes a maior e mais difícil de mensurar fonte de emissões.

Gigante do setor do CRM, a Salesforce também está seguindo essa trajetória. Durante o Dreamforce deste ano, seu maior evento para desenvolvedores, a companhia revelou o Net Zero Marketplace, plataforma de compra voluntária de créditos de carbono. A ferramenta tem o objetivo de tornar o processo de compra de crédito de carbono mais simples e transparente, conectando empresas a projetos ambientais de países na África, Europa, América Latina, além de Estados Unidos e Austrália, para promover a compensação de carbono. Os projetos da iniciativa são certificados pela Sylvera e pela Calyx Global.

Paulo Cunha AWS

No início deste ano, a Salesforce definiu o tema da sustentabilidade como um dos valores centrais da empresa, ao lado dos valores de confiança, sucesso de cliente, equidade e inovação. A empresa tem trabalhado para operacionalizar essa ação através de todas as unidades de negócios, e já tem práticas como vincular a remuneração de executivos ao seu desempenho ESG, incluindo métricas de sustentabilidade. Desde 2012, a Salesforce também tem suas emissões líquidas zeradas.

Em conversa com o IT Forum, Tim Christophersen, vice-presidente de ação climática da Salesforce, afirmou acreditar que é “responsabilidade” das grandes empresas de tecnologia fornecer as ferramentas necessárias para que seus clientes também possam se engajar em agendas de sustentabilidade. “Um dos valores principais da Salesforce é o sucesso do cliente”, afirmou o executivo. “E nós acreditamos que nenhum cliente pode ter sucesso sem um plano efetivo de ação climática hoje em dia.”

Na avaliação de Christophersen, a pressão para que empresas se engajem em ações climáticas têm vindo de múltiplas frentes – as expectativas dos clientes, sejam eles consumidores finais ou clientes corporativos, são as mais latentes. Para a Salesforce, no entanto, há um terceiro fator importante que motiva as ações sustentáveis: a busca de talentos.

“As ações são uma resposta a uma demanda externa, já que nós temos que estabilizar o clima, reverter as perdas ambientais e garantir que haja uma economia sustentável em que todos nós possamos fazer negócios”, explicou o executivo. “Mas é também uma resposta a uma demanda interna. Como uma companhia de tecnologia, nós queremos ter acesso aos melhores talentos e, para isso, precisamos oferecer mais do que um trabalho legal em tecnologia. Especialmente entre os mais jovens, eles querem saber o que estamos fazendo para garantir um futuro sustentável.”

Outra explicação importante está na força dos investidores corporativos. Lançada em 2017, a iniciativa Climate Action 100+ surgiu como uma ação por parte de investidores para incentivar os maiores emissores de gases de efeito estufa a tomarem as medidas necessárias em relação às mudanças climáticas. Quando nasceu, a ação reunia cerca de 225 investidores com US$ 26,3 trilhões em ativos. Hoje, o número de investidores envolvidos é próximo de 700, gerenciando um total de US$ 68 trilhões em ativos de investimentos.

O volume de capital da iniciativa, é claro, é motivo de atenção para lideranças de todas as indústrias. Segundo Mark Raskino, vice-presidente de pesquisa do Gartner, 64% dos CEOs participantes da pesquisa anual de prioridades da empresa de pesquisa apontou que o aumento dos esforços ambientais, sociais e de governança (ESG) atraiu investidores para suas empresas. “À medida que os líderes empresariais sentem a pressão das partes interessadas para fazer mais pela sustentabilidade ambiental, eles agora estão tratando as mudanças necessárias como oportunidades para impulsionar a eficiência dos negócios e o crescimento da receita”, apontou Raskino.

Regulações no horizonte

Além da pressão de clientes, investidores e de talentos, um quarto fator também tem motivado as gigantes de tecnologia a assumirem compromissos de sustentabilidade: regulamentações governamentais. Ao redor do mundo, grandes empresas do setor têm visto o aumento da pressão por parte de oficiais de governo de diferentes países pela descarbonização de suas operações.

Em março deste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) dos Estados Unidos, agência responsável pela regulamentação e controle dos mercados financeiros, propôs a criação de uma nova regra de divulgação obrigatória de informações relativas às emissões e ao impacto ambiental de companhias. Se aprovada, a regra obrigaria companhias públicas a divulgarem, junto aos seus resultados financeiros, qual o impacto de suas operações no meio ambiente e qual o impacto que as mudanças climáticas teriam em suas operações.

Tim Christophersen - Salesforce(1)(1)

Do outro lado do Atlântico, em abril do ano passado, a União Europeia aprovou a Diretriz de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD). A implementação da diretiva acontecerá de forma gradual ao longo dos próximos anos, e, entre obrigações que estabelece, estará a de que empresas definam metas ESG claras e publiquem, anualmente, seu progresso nessas metas. As empresas também deverão auditar e relatar o impacto de suas próprias operações ao longo do processo produtivo.

A adoção dessas regras tem como objetivo fornecer uma estrutura de governança corporativa para todas as empresas das duas regiões. Na prática, isso aumentaria a responsabilização de empresas e facilitaria o trabalho de investidores e consumidores na hora de tomar decisões de investimentos ou de compra. Se antecipando às regulações mandatórias, um número considerável de empresas de tecnologia já tem publicado suas emissões de forma voluntária. Empresas como a Apple, Uber e a Salesforce também passaram a advogar em prol de novas regulamentações para a divulgação de informações.

“Elas virão”, reconheceu Christophersen, da Salesforce, ao falar sobre o tema. A empresa, no entanto, diz acreditar que algumas questões precisam ser resolvidas nas propostas existentes “Nós acreditamos que é preciso uma harmonização entre regulações dos Estados Unidos e da União Europeia, ou será muito complexo para empresas como nós, que têm operações globais, mensurar e liberar relatórios em múltiplos diferentes formatos”, defendeu o executivo da Salesforce.

“Reguladores são nossa responsabilidade em qualquer subsidiária que temos no mundo. Nós sempre vamos estar atentos e responder aos reguladores”, afirmou Paulo Cunha, da AWS no Brasil. “Neste momento não temos nenhuma regulação específica no país, mas, quando isso for feito, nós vamos sentar, realinhar nossas expectativas e trazer nossa discussão”, pontuou.

*Reportagem originalmente publicada na revista IT Forum de novembro de 2022