Calçadas devem ser tratadas como espaços livres agradáveis para o passeio do público

Enquanto foliões dançavam em meio aos bloquinhos de rua no baixo Augusta, Pinheiros e Vila Madalena, em São Paulo, aproveitei a manhã para caminhar. Sol ameno, temperatura agradável, buscava por lugares prazerosos onde o cidadão que, como eu, anda eventualmente à toa, possa se sentir bem recebido. Calçadas também são espaços livres de uso público. Por que são tão maltratadas? Deveriam ser projetadas para serem acolhedoras aos caminhantes. 

Sou privilegiada por poder andar sobre piso, por eventualmente sentir-me segura dos automóveis, por poder andar à noite com alguma iluminação, mesmo que direcionada aos automóveis. Na foto que ilustra a coluna, posso sentar-me à sombra, num local limpo mantido pela empresa e com alguma vigilância que permite usar ao menos um aparelho celular, portar uma bolsa e voltar para casa com ambos. Bairros mais distantes desta região, em grande parte autoproduzidos e, portanto, à margem das regulações urbanas, sequer asfalto tem. Calçada, então…

A relação das pessoas (sociedade) e o ambiente que os envolve (espaços) é um componente essencial na compreensão e no direcionamento de projetos urbanos. O ambiente físico pode interferir no comportamento humano. Embora as pessoas não sejam passivas, estados de humor, comportamentos e atividades humanas são influenciadas pelas características espaciais e construtivas que as rodeiam, impactando a vida social. Afetam a saúde física e mental de todos.

Sou uma cidadã que deseja espaços públicos aprazíveis. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) me define como pedestre, ou ainda, como pessoa que anda ou está a pé, em cadeira de rodas ou conduzindo bicicleta na qual não esteja montada. Mais adiante, o mesmo texto da lei informa que as calçadas são as áreas destinadas ao tráfego de pedestres. Não sei se o leitor tem a mesma percepção que eu tenho, mas as palavras “pedestre” e “tráfego” parecem saídas de um manual de trânsito escrito no meio do século passado direcionado ao bem-estar dos motoristas e seus carros. Parece legislação de gente antiga, mofada, que vive dentro do carro ou escondida em um gabinete. Sei lá… é o que penso.

Eu não trafego. Não sou parte de engarrafamento de viário destinado aos carros. Quero que os espaços pelos quais caminho sejam projetados para mim, ser vivo. Só isso. Estou pedindo muito? Eu caminho e me locomovo pela cidade por onde eu quiser e não onde o CTB me colocou. Cidadã sou eu, não o carro. Convenhamos que, para uma visão construída na década de 1950, voltada ao planejamento urbano rodoviarista, o conceito está correto. Lugar de pedestre é na calçada. As cidades do século XXI estão voltadas às práticas de Projeto Urbano voltadas ao bem-estar humano e à promoção da qualidade de vida pública. VIDA pública. Carro é inanimado. Se pudesse ordenar a prioridade de benefícios públicos por meio de programas, eu colocaria em primeiro lugar as pessoas. Depois vem o resto. E depois do resto, bem depois, o carro particular e seu motorista.

O que encontrei pelo resto da caminhada resumia-se a um misto de falta de projeto de arquitetura associado à mesquinhez urbana associada à propriedade particular de estabelecimentos comerciais e de serviços. Tudo à vista, materializado em muros altos e descascados, cercas e gradis descuidados, carros estacionados ou em velocidade incompatível com bairros residenciais e mistos. Jardins gritando por um jardineiro que os cuide. Delimitada por fronteiras claras e definidas dos dois lados, como caminhante, eu procurava por calçadas cujas bordas, mais gentis, fossem acolhedoras. Paredes reais e virtuais isolam o pedestre no meio de uma faixa estreita, emparedando-o numa faixa livre de circulação. Qualquer espaço livre nas cidades contemporâneas deveria ser aproveitado para atender as diversas funcionalidades. Em áreas destinadas ao comércio e serviços, para quê muros e grades? As pessoas não deveriam ser convidadas a entrar, a ficar? Os mais conservadores dirão: “ah, tem os assaltos, os vândalos, os mal-intencionados” e mais um monte de baboseiras. Para estes, recomendo que reclamem ao prefeito de sua cidade. Quem paga impostos tem o direito de reivindicar segurança pública compatível com as necessidades de cada localidade.

Até que…

calçadas

Studio Guilherme Torres, São Paulo, SP

Saliências, reentrâncias, textura diversas no piso, nas paredes da entrada, um banco para sentar, verde, sombra, o que mais eu poderia querer? A foto apresenta a generosidade na transição dos tipos de ocupação e função exercidos entre a área pública e a propriedade particular. Explico: uma calçada na cidade de São Paulo é dividida em três faixas: acesso à edificação, livre (passeio público, por onde as pessoas se locomovem) e serviços (local onde a prefeitura e concessionárias utilizam para prestar vários serviços públicos). No caso da foto, sobre a faixa de acesso foi colocado um banco e uma jardineira igualmente longa. A área de serviços foi ajardinada. O projeto garante a privacidade das funções internas e externas. Não tem muros e é seguro. No dia da foto, o local estava fechado. E tudo bem. Preserva as diversas funcionalidades associadas às necessidades do escritório bem como das pessoas que nem conhecem o lugar. 

Sou favorável à construção de uma cidade com mais bordas e menos fronteiras. Mais espaços de transição e menos muros. As duas fotos que ilustram a coluna apresentam duas situações em que edifícios comerciais adotaram boas práticas de projeto arquitetônico em calçadas, excluindo os muros, acolhendo os cidadãos e melhorando a qualidade de vida urbana mostrando, pelo exemplo, que a relação entre a calçada e o lote ou a calçada e a rua é fundamental para a convivência, reunião das pessoas e bem-estar.

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