Chico Buarque, a nova voz dos conservadores; será?

Os conservadores estão resgatando palavras de ordem da velha esquerda. A história gira. E gira com gosto. Você tem lido as mensagens e assistido aos vídeos divulgados pela turma da direita? Reclamam da falta de liberdade, da opressão, de horizontes sombrios. Mais cedo ou mais tarde, a história se repete. O que é hoje será o amanhã, e o amanhã acabará refletindo, com espantosa semelhança, o que se vive hoje. Tanto que alguns políticos mais experientes, ao perceberem correligionários com demandas radicais, costumam alertar: cuidado, você pode receber o que está pedindo.
Mudança de opinião
Ou seja, os pleitos de hoje contra os adversários poderão se voltar contra você amanhã. Quem está no olho do furacão, defendendo um ou outro lado do espectro político, costuma imaginar que a situação em que vive hoje será permanente, imutável.
Não se dão conta de que há alternância no comando, de que pessoas mudam de opinião por convicção, por sede de poder, por desilusão ou até por conveniência. Não faltam motivos para cruzar a linha que separa uma posição ideológica da outra. São incontáveis os relatos nesse sentido.
George Orwell, na Revolução dos Bichos, mostra que o poder corrompe, e revela, por meio de alegorias, como a ambição pode trair os princípios de uma revolução com manipulações habilidosas. Mas não é preciso recorrer à ficção.
Há vídeos no YouTube que mostram exemplos concretos. Chico Anysio, Jorge Amado, Nelson Motta, só para citar alguns. Casos de pessoas que, por diferentes razões, mudaram convicções que pareciam inabaláveis. Mostram que, em política, é sempre bom deixar uma porta aberta para futuras escapadelas.
Esquerdistas que mudaram
Vale observar as explicações de cada um. Começando por Nelson Motta. Certa vez, ao participar de um programa de entrevistas com Juca Kfouri, o apresentador esperava ouvir um discurso de esquerda. Mas se surpreendeu com a resposta:
“Morei nove anos nos Estados Unidos, quando já estava bem descrente da esquerda, depois da queda do Muro de Berlim, da falência da União Soviética, do fracasso do Leste Europeu. Eu perdi as minhas últimas ilusões, ali, morando no ventre da besta, no coração do capitalismo.
Vi como funciona aquilo. Vi a lógica incomparável daquela realidade. Que não depende de vontade política, não depende de mobilização popular, não depende de conscientização das massas, não depende de justiça social.
É uma máquina de proteção de empregos, de bem-estar de renda, de liberdade de garantias constitucionais, de justiça social. Eu sou a favor do respeito aos contratos, da igualdade social, de muitas coisas que a esquerda nega.” Uau, que mudança.
Chico Anysio, com seu bom humor característico, foi direto ao ponto:
“Eu fui comunista. Depois de ser comunista, fui simpatizante do Partido Comunista. Eu até dava dinheiro. Depois, passei a esquerdista. Hoje sou realista.”
Já Jorge Amado deu um depoimento comovente: “Para mim, Stálin era meu pai. Era meu pai e minha mãe. Para Zélia, a mesma coisa. Eu soube que a polícia socialista torturava os presos políticos tanto quanto miseravelmente a polícia de Hitler. O mundo caiu sobre a minha cabeça. Já sem escrever há longo tempo, já descrente por inteiro do fundamental das ideologias, eu deixei o Partido Comunista.”
As músicas de oposição
Pois é. E assim, se pegarmos as músicas compostas durante o período da ditadura militar e as associarmos à situação atual, para muitos conservadores, a mensagem poderia cair como uma luva. Basta ouvir uma das canções de Chico Buarque, reconhecidamente ligado à esquerda, e ver que ela pode ser apropriada, curiosamente, pelo lado oposto:
“Amanhã vai ser outro dia.
Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão, não.
A minha gente anda falando de lado e olhando pro chão, viu.
Você que inventou este estado, que inventou de inventar toda a escuridão.
Você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão.”
Como a vida é feita de idas e voltas, de rodopios imprevisíveis, convém guardar essas mensagens. Certamente virão tempos em que elas voltarão a fazer sentido. Porque a história, essa teimosa, nunca deixa de dar meia-volta. Siga pelo Instagram: @polito