Como agiria o Barão do Rio Branco neste imbróglio do Brasil com Israel?

Não se fala em outro assunto. Todas as manchetes da imprensa brasileira fazem menção à fala equivocada do chefe do Executivo. E não só a mídia do nosso país, mas também os órgãos noticiosos do mundo inteiro. Realmente, a questão ultrapassou em muito os limites das nossas fronteiras. Ao discursar de improviso em Adis Abeba, na Etiópia, o presidente até que começou bem. Mostrou sua preocupação com a crise humanitária em Gaza. Tudo dentro da normalidade até aí. Será que alguma pessoa com juízo no lugar não pensa da mesma maneira?
A sequência de seus pronunciamentos, entretanto, é que desandou e deu origem a uma das maiores crises diplomáticas já enfrentadas por nosso país. Durante a conversa com jornalistas no domingo, 18, ao justificar sua censura às ações israelenses, fez uma comparação que para muitos foi imperdoável: “O que está acontecendo na Faixa de Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”. Há quem diga que essa mensagem não foi equívoco da improvisação, mas, sim, um discurso planejado para alimentar a chama de seus aliados. O que talvez não fosse esperado é que até para alguns desses seus seguidores a comparação rompeu a linha da razoabilidade. Ou criticaram ou ficaram em silêncio para não dar munição aos opositores.
A tal ponto que Guilherme Boulos, que nunca perde oportunidade para opinar sobre todo e qualquer assunto, ao ser instigado a comentar as palavras de seu líder, preferiu desconversar e não responder. Se concordasse com o que foi dito, já que é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, perderia uma boa parcela do eleitorado. Se criticasse, o prejuízo seria dentro da própria casa. Em Israel foi considerado “persona non grata”. O Brasil não ganha absolutamente nada com essas rusgas. Ao contrário, esses dissabores poderão nos trazer enormes prejuízos tecnológicos e econômicos, especialmente nos equipamentos bélicos.
Israel exigiu pedidos de desculpas, mas essa possibilidade parece não estar nos planos do governo. Há um impasse. Se houver essa retratação, a imagem do primeiro mandatário poderá ser arranhada, principalmente na sua base partidária. Se não houver, o relacionamento com o país que se sentiu ofendido, pelo menos a curto prazo, estará comprometido. O Brasil não está acostumado com esses enfrentamentos. Possuímos uma tradição admirável na diplomacia internacional. O maior expoente na condução dos litígios fronteiriços foi o Barão do Rio Branco. Desde o momento em que assumiu o Ministério das Relações Exteriores, em 1902, até sua saída, em 1912, adotou como lema “não resolver litígios por meio da força e sim da diplomacia”.
Essa tradição diplomática foi seguida por todos que ocuparam esse ministério. Independentemente do viés ideológico de quem chegou ao Palácio do Planalto, em nenhum momento essa conduta moderada, habilidosa, cordata foi maculada. Na verdade, a imagem da diplomacia brasileira sempre foi vista como exemplar ao longo do tempo. Só para citar dois dos feitos de Rio Branco. Ele foi responsável pelo sucesso da demarcação das fronteiras do Amapá com a Guiana Francesa e da anexação do Território do Acre para o nosso país. Todos esses acordos seguiram um princípio: o desenlace pacífico das disputas e a não-intromissão em assuntos domésticos.
Sobre a atuação do incomparável ministro das Relações Exteriores, M. Pereira, no texto “100 anos de memória”, cita o comentário feito pelo diplomata Fernando Guimarães Reis, que atuou como embaixador do Brasil no Japão de 1996 a 2001: “Com efeito, a imagem do Brasil e do insubstituível chanceler se confundiam quando ele estava vivo. Um século depois, continuam se confundindo. É um convite para descobrir novas facetas neste retrato inacabado, talvez por mais cem anos, talvez para sempre”.
Após a sua gestão, seguindo os mesmos princípios estabelecidos por ele, o Brasil participou de maneira competente e decisiva de vários acordos internacionais, elevando ainda mais o nome da nossa diplomacia. Em uma situação como esta que o Brasil enfrenta com Israel, devido às palavras inconsequentes do responsável pelo Poder Executivo, qual seria o comportamento daquele habilidoso ministro das Relações Exteriores? Para início de conversa, se tivesse oportunidade, teria dado um conselho direto: pregue a paz, mas não critique um ou outro lado.
Depois, como os desassossegos chegaram no estágio em que nos encontramos, provavelmente, já teria encontrado meios de costurar uma reaproximação, sugerindo saídas para que o presidente pudesse se desculpar sem efetivamente pedir desculpas. As suas vitórias diplomáticas não foram simples e exigiram extrema competência. Com certeza, sua atuação hoje não seria diferente, pois resolver problemas diplomáticos é o que mais sabia fazer. Que falta nos faz um Barão do Rio Branco! Siga pelo Instagram: @polito.