Dias com nuvens mais espessas virão pela frente na relação entre governo e Congresso

Lula não está tendo vida fácil com o Congresso. Cada dia mais entra no seu cardápio o pão que o diabo amassou. Nada a ver com o céu de brigadeiro no qual planou em suas gestões anteriores. Com seus 80 e tantos por cento de popularidade, deitava e rolava. Quase todas as ideias que propunha eram recebidas de braços abertos pelos deputados e senadores. Hoje, ao enfrentar a má vontade de alguns congressistas, reclama, mas sem muita veemência. Parece até ter se esquecido das acusações bastante agressivas que fez às Suas Excelências. Chamou os deputados de “picaretas” por duas vezes. 

A primeira em 1993, quando estava em campanha ao pleito presidencial de 1994. O líder petista era presidente nacional do partido e fazia campanha pelos Estados da Amazônia. Foi nessa época que fez a crítica pela primeira vez. Repetiu o comentário 22 anos depois, em discurso proferido na Av. Paulista: “É só olhar para a cara deles para saber que os 300 picaretas que eu falei em 1994 aumentaram um pouco”. Famoso por saber articular com os congressistas, suas últimas atitudes, entretanto, dão a impressão de que ele perdeu um pouco o jeito. E não foi por falta de tentar. Entre os dias 11 e 12 de dezembro, ou seja, em apenas dois dias, Lula abriu os cofres para contemplar deputados e senadores com nada mais nada menos que R$ 10 bi. Perfazendo a “módica” quantia de R$ 39 bi em 2023. É grana para ninguém botar defeito!

E você acha que os “ex-picaretas” ficaram satisfeitos? Que nada! Depois de conseguirem a mão, em seguida passaram a exigir o pé. E não vão sossegar enquanto puderem sentir o cheiro de sangue. Só como exemplo de que as águas estão turbulentas para o governo, basta citar que os parlamentares não turbinaram a velocidade do PL 2630, o badalado projeto das fake news, tão acalentado pelo chefe do Executivo. Também peitaram a proposta que visava travar o projeto do marco legal do saneamento. Derrubar vetos do governo não era prática assim tão comum. Essas iniciativas podiam ser mesmo consideradas mosca branca. Agora virou arroz de festa. Na véspera da virada da primeira para a segunda quinzena de dezembro, foram barrados, total ou parcialmente, 13 vetos do presidente da República. E não foram “vetinhos”, desses que não alteram o preço da cachaça. Não, foram rechaçados, só para citar dois, o marco temporal para demarcação de terras indígenas e a desoneração das folhas de pagamento. 

Outra derrota do governo está nas Medidas Provisórias. O número é assustador. Das 48 medidas editadas por Lula, somente nove receberam a chancela da Câmara e do Senado. É ou não para o petista espumar de raiva?! Paga tanto e recebe tão pouco em contrapartida. Pois é, na época de Bolsonaro, essa má vontade dos parlamentares era creditada à falta de competência do governo para articular com os congressistas. Hoje recebem um nome simpático de “emendas de relator”. Na época do ex-presidente, eram denominadas pejorativamente de “Orçamento Secreto”. Bolsonaro teve pela frente a má vontade de dois desafetos, Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. Alcolumbre, por exemplo, quase criou teia de aranha na gaveta que guardava o pedido de sabatina do candidato a ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça. Foram quatro longos meses de espera.

Maia foi ainda pior. Só caminhou com o projeto da Reforma da Previdência porque houve clamor popular. E, mesmo assim, procurou capitalizar para si os louros da aprovação. A lista das medidas que foram desconsideradas até caducar é enorme. Uma gaveta só não foi suficiente para pôr tanta dificuldade nas ações do governo. A intenção clara era a de passar à população a ideia de que o Executivo tinha comportamento inoperante. Entre elas: fim do foro privilegiado. Cobertura de tratamento quimioterápico. Liberdade de escolha para o mandante nas transmissões de eventos esportivos no Brasil. Fim da obrigatoriedade de balanços em jornais. Prisão em segunda instância. Reforma Tributária. Reforma Administrativa. Carteira digital do estudante. 

Bolsonaro tentava agradar os presidentes da Câmara e do Senado. Elogiava, dava crédito, falava que tinham atitudes republicanas. Em determinado momento, porém, vendo que nenhuma de suas iniciativas de aproximação davam resultado, abriu o coração e contou aos brasileiros cada detalhe desses comportamentos que prejudicavam o país. Portanto, se Lula está achando difícil governar com esse Congresso que rejeita boa parte de seus projetos, experimenta, na verdade, um pouco do próprio veneno que destilou ao longo dos quatro anos em que Bolsonaro frequentou o Palácio do Planalto. 

E pelo andar da carruagem, se insistir com esses projetos que visam ao aumento de gastos e de impostos, dias com nuvens mais espessas virão pela frente. A experiência tem demonstrado que quanto mais o governo aumenta os impostos mais cai a arrecadação. E não adianta dizer que “tá ruim, mas tá bom”. Todo mundo percebeu que quando chegam a divulgar que as coisas não vão bem é porque estão indo pior ainda. Siga pelo Instagram: @polito.