Ghibli no ChatGPT: é divertido ou antiético gerar imagens no estilo de artistas renomados via IA

Por Fernando Moulin, partner da Sponsorb
Nos últimos dias, imagens que imitam o estilo visual do Studio Ghibli — conhecido por filmes como A Viagem de Chihiro e Meu Amigo Totoro — inundaram redes sociais, graças a ferramentas de inteligência artificial (IA) como o DALL-E, da OpenAI. A possibilidade de qualquer pessoa criar ilustrações mágicas, repletas de florestas encantadas e personagens cativantes, parece um sonho para fãs desse estilo. No entanto, a novidade reacendeu um debate complexo: até que ponto essa tecnologia é uma brincadeira inofensiva ou violação ética e legal dos direitos de artistas e estúdios?
O Studio Ghibli, fundado por Hayao Miyazaki e Isao Takahata, construiu um legado artístico único, marcado por traços delicados, paisagens surrealistas e narrativas que equilibram fantasia e humanismo. Para milhões de fãs, recriar o estilo é uma forma de homenagear a obra e preencher um vazio deixado pela produção limitada do estúdio. Ferramentas de IA, como o ChatGPT-4o, permitem que usuários gerem imagens em segundos, alimentando a criatividade de entusiastas que nunca tiveram treinamento formal em arte.
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Nesse sentido, a tecnologia é divertida e democratizante: oferece acesso a uma expressão artística que antes exigia anos de prática. Além disso, projetos pessoais — como ilustrar um conto infantil ou decorar um quarto com temas ghiblianos — ganham vida sem custos elevados. É a revolução na cultura do faça você mesmo, onde a IA atua como parceira criativa.
O dilema ético: onde termina a inspiração e começa a apropriação?
Apesar do entusiasmo, a geração de imagens por IA esbarra em questões éticas profundas. A OpenAI, por exemplo, bloqueou recentemente a criação de conteúdos explicitamente vinculados ao Studio Ghibli em sua plataforma, após críticas de que a ferramenta violaria direitos autorais. O movimento revela um conflito central: é ético imitar o estilo de artistas vivos ou de estúdios ativos sem sua permissão?
Artistas como Miyazaki dedicaram décadas para refinar seu estilo. Quando a IA é treinada com suas obras para replicar técnicas, surge a pergunta: quem é “dona” de um estilo artístico? Juridicamente, direitos autorais protegem obras específicas, não estilos. Porém, moralmente, muitos argumentam que usar o trabalho de um artista para alimentar algoritmos sem consentimento é uma forma de exploração. Se um humano copiasse meticulosamente o traço de Miyazaki para vender quadros, ou o do brasileiro Romero Brito, muito conhecido por aqui, seria considerado plágio. Por que a IA seria diferente?
A indústria criativa já enfrenta desafios como precarização e automação. Se empresas passarem a usar IA para produzir arte “ao estilo Ghibli” em vez de contratar artistas, isso ameaçaria empregos e desincentivaria novos talentos. Além disso, há o risco de saturação, pois se o mercado for inundado por imagens genéricas geradas por IA, o valor da arte autêntica — carregada de intenção e contexto humano — pode ser reduzido.
O estilo do Studio Ghibli não é apenas técnico; é emocional e cultural. Cada frame de seus filmes reflete escolhas conscientes sobre narrativa, política e ecologia. Uma IA, por outro lado, não tem intencionalidade. Suas criações são colagens probabilísticas, sem a profundidade simbólica que define a arte humana. Isso levanta dúvidas sobre o fato de as obras geradas por máquinas serem tratadas como “arte” ou meramente como entretenimento superficial.
A decisão da OpenAI de bloquear a geração de imagens no estilo Ghibli ilustra a tensão entre inovação e ética. Empresas de tecnologia estão sob pressão para autorregular suas ferramentas, evitando violações legais e danos à reputação. No entanto, a medida é paliativa. Outras plataformas menos rigorosas continuarão a permitir a prática, e usuários criativos encontrarão brechas, como descrever cenas com palavras-chave alternativas como “floresta mágica anime, espíritos fofos, arquitetura japonesa vintage”.
Portanto, o cenário expõe uma lacuna regulatória. Enquanto a lei avança a passos lentos, cabe às empresas e à sociedade estabelecer limites. Algumas propostas incluem a criação de sistemas de compensação com royalties para artistas cujos trabalhos treinam modelos de IA, o desenvolvimento de ferramentas com transparência que informem quando a imagem foi gerada com base em estilos específicos, e a adoção de mecanismos de controle por artistas, como o opt-in para que criadores decidam se seu trabalho pode ser usado em datasets de IA.
O futuro da criatividade: colaboração ou conflito?
A IA não precisa ser uma ameaça. Alguns artistas já a utilizam como auxiliar, acelerando esboços ou experimentando com composições. O desafio é garantir que a tecnologia sirva para ampliar — não substituir — a criatividade humana. Imagine um futuro onde fãs do Ghibli geram arte personalizada para projetos não comerciais, enquanto o estúdio licencia seu estilo para parcerias controladas com IA, garantindo qualidade, escala e remuneração justa aos envolvidos. Esse seria um modelo provavelmente bastante vitorioso e interessante.
No entanto, isso exige diálogo entre tecnólogos, artistas e legisladores. Enquanto a União Europeia discute a Lei de IA e o Japão estende direitos autorais a estilos em certos contextos, o Brasil ainda engatinha nesse debate. Precisamos de políticas que protejam a originalidade sem estagnar a inovação.
Cumpre não esquecer, ademais, que esse processo de revisão do que é “arte” nada mais é do que uma profunda aceleração da transformação pela qual todos os trabalhos criativos vêm passando desde o início do século. Para quem é do mercado publicitário, por exemplo, a diferença entre o modus operandi das grandes agências de propaganda das campanhas fantásticas do fim dos anos 90 e as agências atuais é gritante.
Portanto, acredito que a resposta não está em demonizar a IA, mas em redefinir nosso contrato social com a arte. Como usuários, devemos questionar: estamos usando a tecnologia para celebrar os artistas ou para substituí-los? E como sociedade, estamos dispostos a pagar pelo que consumimos, seja uma assinatura de streaming ou uma licença para treinar algoritmos? A ética, afinal, não é um código binário, mas o equilíbrio entre respeito e progresso. E que varia ao longo do tempo, de acordo com práticas e costumes de cada sociedade ou geração. E nesse equilíbrio, talvez possamos encontrar um caminho onde a magia do Ghibli — e de todos os artistas — continue a encantar, seja por meio de humanos, máquinas ou da colaboração entre ambos.
E você, onde traça essa linha?
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