Guerra na Ucrânia: 5 pontos que explicam a atual situação do conflito no Leste Europeu

No dia 24 de fevereiro, os moradores da Ucrânia acordavam sob um sinal de alerta que avisava sobre uma invasão ao seu território. Eram as tropas de Vladimir Putin dando início a uma ‘operação especial’ – nome que o líder russo usa para classificar o conflito – com o objetivo de ‘desnazificar’ o Leste Europeu e evitar que os ucranianos entrassem para a Organização do Atlântico Norte (Otan). Aquele era o início de uma guerra que já se aproxima do décimo primeiro mês. Maternidades, estações de trem, prédios residenciais e infraestruturas energéticas foram alvos de ataques. Corpos foram encontrados jogados pelas ruas e enterrados em valas comuns. Desde aquele dia, não só a Ucrânia foi afetada, como o mundo passou a viver sob tensão de uma possível Terceira Guerra Mundial, principalmente com os constantes avanços de ameaça nuclear. A Europa enfrenta o maior fluxo de refugiados desde o final da Segunda Guerra Mundial. Segundo a ACNUR, a agência da ONU para refugiados, aproximadamente oito milhões de pessoas foram obrigadas a se realocar. O conflito também já matou cerca de 240 mil, sendo 313 crianças, segundo dados do general Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto dos EUA. A guerra na Ucrânia já passou por várias fases durante esses meses, porém, no momento, ela se encontra em um impasse, ou seja, não há nenhum lado com vantagem. Da mesma forma que a Rússia teve os seus momentos de glória e foi superior em boa parte do conflito, a Ucrânia, com ajuda de aliados ocidentais, conseguiu se defender e passar a atacar, sendo superior em um determinado momento. 

Guilherme Thudium, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e consultor político, divide o conflito em três momentos. “Primeiro, a ofensiva militar russa, que começou em fevereiro e tinha como objetivo não-declarado a deposição do presidente Volodymyr Zelensky. O segundo momento é marcado pela reorientação dessa postura, com o fim do cerco a Kiev. Por fim, a terceira fase pode ser delineada a partir da troca no comando da operação militar russa para o General Sergey Surovikin, que adotou uma posição defensiva para garantir as conquistas territoriais até aqui”. Desde setembro, a Ucrânia lança uma ofensiva contra a Rússia e conseguiu retomar alguns territórios, incluindo aqueles que foram anexados ilegalmente por Putin. Desses onze meses, Thudium classifica o fim do aperto ao cerco a Kiev como o momento mais marcante e aponta que essa decisão de Putin foi crucial para o atual estágio do conflito. O cientista político Leandro Consentino concorda, mas também pontua que um dos episódios mais importantes da guerra até aqui foi quando a Rússia mostrou que o poderio militar dela não era tão grande quanto dizia e precisou convocar reservistas para irem para guerra. Todos esses episódios foram registrados em imagens e gráficos. Relembre os principais momentos da guerra a Ucrânia. 

24 de fevereiro: o início da guerra

Ataque Ucrânia

Kiev tenta se defender das tropas russas que invadira a Ucrânia │DANIEL LEAL / AFP

Desde o dia 24 de fevereiro o mundo não é mais o mesmo. A Rússia invadiu a Ucrânia com objetivo de desnazificar o país e impedir que ele entrasse para a Otan. Havia expectativas de que fosse um conflito rápido e que em pouco dias as tropas de Putin já tivesse dominado a capital e assumido o controle do país, mas não foi o que aconteceu. Logo nos primeiro dias, os russos conseguiram assumir algumas regiões ucranianas, incluído a usina de Chernobyl e a zona portuária de Odessa. Os Estados Unidos e outros países ofereceram proteção para Zelensky, mas ele se negou a deixar o país e permaneceu lá para ajudar na guerra contra os russos. Logo nos primeiros dias de invasão, o mercado já começou a sofrer com o aumento do preço do gás e do petróleo e com o bloqueio dos portos para exportação de grãos – Rússia e Ucrânia são dois dos maiores produtores do mundo. Em Moscou, em outras cidades russas e outros pontos do planeta, as pessoas foram às ruas se manifestar contra a invasão russa.

Março: início das negociações

Rússia, Ucrânia, Turquia

Representante da Rússia e Ucrânia reunidos em Belarus para negociações de cessar-fogo │Maxim GUCHEK / BELTA / AFP

Alguns dias após a invasão, um aviso deu esperança a todos: a primeira roda de negociação de cessar-fogo entre os países. Representantes russos e ucranianos se encontraram em Belarus para debater as pendências e tentar chegar a um acordo para cessar-fogo, ao mesmo tempo em que as tropas de Putin continuavam bombardeando cidades da Ucrânia e assumiam o controle de Kherson. As tentativas de diálogo aconteceram durante quatro rodadas, sendo esta a mais avançada, com Zelensky abrindo mão de seu desejo de ingressar na Otan e concordando em se tornar um país neutro, e Putin retirando suas tropas da capital, Kiev, e focando no leste do país, mais precisamente na região do Donbass, formada por Luhansk e Donetsk, duas áreas pró-Rússia a qual que o chefe de Estado russo concedeu independência dias antes de invadir a Ucrânia. Esse recuo russo permitiu que os ucranianos tomassem o controle de regiões próximas e descobrissem em Bucha os primeiros indícios de um possível crime de guerra.

Julho: primeiro acordo entre Rússia e Ucrânia

Passados cinco meses do conflito entre Rússia e Ucrânia, com ajuda da Organização das Nações Unidas (ONU) e do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ambos os países fecharam o primeiro acordo: o de exportação de grãos – que estava suspenso desde o começo do conflito e aumentou a insegurança alimentar do mundo. Kiev e Moscou assinaram dois textos idênticos, mas separados, sobre a exportação de grãos e produtos agrícolas através do Mar Negro. O acordo estava sendo negociado desde abril. Russos e ucranianos respondem por 30% do comércio mundial de trigo. Neste mês, por causa da escalada do conflito, Suécia e Finlândia, dois países nórdicos que há anos assumiram postura de neutralidade, reviram suas políticas e solicitaram suas entradas na Otan. O processo foi aceito pelos países-membros que agora trabalham para incluí-los o mais rápido possível na Aliança. Em meio à primeira conquista, outro atrito ficou mais evidente e começou a se alarmar tanto na Europa como na Ucrânia: o fornecimento de gás, essencial para os países, principalmente no inverno, que chegou em dezembro. A Rússia interrompeu o fornecimento de gás e, no mês seguinte, fechou o gasoduto Nord Steam, alegando que faria manutenções. Ela voltou a fornecer gás, mas os europeus alegaram que o fluxo estava menor do que o anterior. Foi uma redução de 20% da capacidade. Diante do cenário incerto, a União Europeia (UE) aprovou um plano de emergência para conter a demanda por gás. O plano é reduzir a demanda do gás em 15% a curto prazo.

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Setembro e outubro: contraofensiva da Ucrânia

Diferente de tudo o que tinha sido registrado até o momento, setembro foi um ponto de virada para a Ucrânia, pois foi o momento em que ela lançou uma contraofensiva e conseguiu recuperar territórios. De acordo com Zelensky, foram libertados 2.500 km² de áreas que estavam sob controle das tropas inimigas. Com os avanços ucranianos, e principalmente com a explosão de uma ponte que liga a Rússia à Crimeia – anexada desde 2014 e um ‘apego’ de Putin – o russo convocou 300 mil reservistas para a guerra, decisão que gerou uma crise interna e algumas autoridades russas chegaram a pedir a renúncia do líder. Com um cenário não favorável para o chefe de Estado da Rússia, ele resolveu anexar quatro regiões – Kherson, Donetsk, Luhansk e Zaporizhia – que estavam parcialmente ocupadas. Contudo, um dia depois, as tropas russas deixaram a região de Kherson, mostrando ainda mais uma fragilidade russa no conflito.

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Putin anexa quatro regiões ucranianas parcialmente ocupadas│Alexander NEMENOV / AFP

Novembro e dezembro: a nova estratégia russa

Bandeiras da Ucrânia em ato de celebração da retomada de Kherson

Bandeiras da Ucrânia em ato de celebração da retomada de Kherson │Oleksandr Gimanov/AFP

Com a guerra mais equilibrada e a Rússia deixando de ser superior, Putin resolveu usar a natureza como estratégia. Ele tem apostado na destruição das infraestruturas energéticas para tentar fazer os ucranianos cederem em meio ao rigoroso inverno que já atinge a região. Os bombardeios e destruições que fizeram as autoridades da Ucrânia declararem racionamento de eletricidade em várias cidades que têm lutado contra a escuridão para poderem sobreviver ao rigoroso inverno não abalaram Zelensky e suas tropas, que afirmaram que vão continuar lutando e que não têm medo do escuro. Prova disso foi a reconquista de Kherson, um dia classificada pelos ucranianos como ‘histórico’. Os moradores saíram às ruas para celebrar a conquista. Apesar dos recentes avanços, o comandante das Forças Armadas da Ucrânia, Valery Zaluzhny, declarou na quinta-feira que prevê uma nova ofensiva russa contra Kiev nos primeiros meses de 2023. Para os especialistas, “no momento, a estratégia russa prevê a intensificação do inverno como fator-chave para o cansaço da resistência ucraniana ao mesmo tempo em que executam ataques com mísseis à infraestrutura energética do país. O grande balizador do conflito em 2023 será a resposta russa ao envolvimento, direto ou indireto, da Otan”, diz Guilherme Thudium. O cientista político Leandro Consentino acredita que levará “um pouco mais de tempo de impasse desse conflito, porque ele não é de fácil resolução”.