Haddad vira alvo de fogo amigo em meio a batalha para emplacar agenda de ajuste fiscal  

Após um revés na largada do governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), conseguiu nesta semana sua primeira vitória em cima da ala política da gestão Lula 3. Na tentativa de cumprir seu plano de recuperação fiscal, anunciado no dia 12 de janeiro e que prevê uma receita de R$ 28,9 bilhões aos cofres públicos com a reoneração de impostos federais nos combustiveis, o chefe da equipe econômica entrou em rota de colisão com a deputada federal e presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann (PT-PR). Através das redes sociais, a petista afirmou que a volta da taxação dos combustíveis seria, neste momento, como “descumprir compromissos de campanha”. “Não somos contra taxar combustíveis, mas fazer isso agora é penalizar o consumidor e gerar mais inflação”, disse a parlamentar em seu perfil no Twitter. Mesmo com o posicionamento vocalizado por Gleisi, mas que encontra ressonância entre outros quadros do PT, que defendeu uma postura desenvolvimentista do Estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu voltar a cobrar o PIS/Cofins e a Cide na composição dos preços da gasolina e do álcool.

Depois da vitória da Fazenda, Gleisi voltou às redes sociais. Disse, então, que houve “sensibilidade” na diminuição do impacto da reoneração. Nas postagens, no entanto, a presidente do PT não citou o nome de Fernando Haddad. Coube ao ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), lembrar da atuação do ministro da Fazenda. “Ao adotarmos essa linha [da reoneração diferenciada], sob liderança do presidente Lula e do ministro Haddad, quem sai vitorioso é o povo brasileiro”, disse. A situação exposta nas redes sociais mostra o desgaste sofrido por Haddad, alvo de ataques dos próprios membros de seu partido. O site da Jovem Pan conversou com especialistas e ex-integrantes de seu governo à frente da prefeitura de São Paulo para entender suas posições e de que maneira o fogo amigo na cúpula petista pode influenciar os rumos do partido.

Sucessão partidária

Além da queda de braço entre a Fazenda e o núcleo duro do PT, que tem como pano de fundo o eventual impacto que o aumento do preço dos combustíveis trará à popularidade do governo Lula, a briga por espaço e visibilidade também pode ter uma relação com a sucessão na liderança petista após o fim da carreira política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Antes de ser empossado, Lula disse que não disputaria a reeleição. Nas últimas semanas, porém, tem emitido sinais no sentido contrário. Mesmo assim, importantes figuras petistas – ou de partidos próximos ao PT – já se posicionam para se cacifar e ser visto como o “sucessor” do atual presidente. É como avalia a professora de ciência política na Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP) e doutora em administração pública e governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tamara Ilinsky Crantschaninov. Segundo a especialista, dificilmente haverá um consenso com o nome que será o próximo líder no PT.

“Tanto Haddad quanto Gleisi são figuras muito fortes e, nesse contexto, temos essa disputa clara entre eles, e o presidente Lula é quem legitima a decisão final. Quem vence torna-se popular na questão e isso faz parte dessa disputa que vemos acontecer dentro do próprio partido porque há uma preocupação em quem será o sucessor do Lula. Quem acaba decidindo, e assim foi com a sucessão de Dilma, é o presidente. Há quem olhe e diga que a legenda possa estar fragmentada, em guerra, mas o PT sempre esteve em guerra”, avaliou. Na eleição de 2018, quando Lula foi impedido de concorrer em razão de sua condenação no âmbito da Lava Jato, Haddad foi o escolhido para disputar o pleito. O martelo só foi batido no último dia do prazo estipulado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o registro da candidatura. À época, o ex-prefeito de São Paulo foi derrotado no segundo turno pelo então deputado federal Jair Bolsonaro (PL).

Histórico petista

No início da primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva à frente do Palácio do Planalto, o Partido dos Trabalhadores viveu um impasse diante do aumento na taxa de juros produzida pelo então ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Na ocasião, o político aumentou a taxa de juros básicos (Selic) em meio ponto percentual, que foi de 25% para 25,5%. A ação gerou ruído e críticas internas na legenda sobre a condução da política econômica, o que levou a bancada do PT no Congresso Nacional a produzir um abaixo-assinado pedindo ao presidente Lula que Palocci fosse demitido do posto. “Acho que o PT está super acostumado com essas brigas internas. Se pensarmos em Dirceu e Genuíno, quantas brigas houve? Desde a fundação do PT existem, há essas disputas. É um partido muito grande, com diferentes correntes, capilar e diverso internamente”, avaliou a pesquisadora.

Haddad também comentou recentemente as brigas que ocorreram no Partido dos Trabalhadores entre seus filiados e políticos notórios. Em entrevista ao portal UOL, o atual chefe da pasta econômica minimizou a situação e afirmou que trata-se de algo “natural”. O ex-prefeito de São Paulo aproveitou para dizer que entende a defesa de Gleisi ao presidente Lula e reconheceu que a deputada tem “opiniões fortes”. No entanto, Haddad aproveitou para ressaltar que, apesar de ser incisiva, a palavra final não compete a Gleisi. “Quem arbitra os conflitos de posições dentro do governo e fora do governo é o presidente Lula”, pontuou.

Além da presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, outras figuras importantes e que já trabalharam com Haddad se manifestaram publicamente contra as medidas defendidas pelo ministro da Justiça e demonstraram sua insatisfação com as propostas econômicas. Na esteira de Gleisi, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Zeca Dirceu (PT-PR) utilizou as suas redes sociais para se manifestar de maneira favorável à desoneração dos combustíveis. Segundo o parlamentar, a medida visa não afetar o bolso dos brasileiros. Já o também deputado Jilmar Tatto (PT-SP), atual secretário nacional de comunicação do PT e ex-secretário dos transportes de São Paulo durante a gestão Haddad à frente da prefeitura, afirmou ser contra “o fim imediato da desoneração dos combustíveis”. As falas manifestam um entendimento contrário da ala petista sobre as ações de Haddad na economia.

Tido como uma personalidade técnica, o ministro da Fazenda é descrito como alguém que não busca aprovação das decisões que toma. “Ele confia muito nas suas propostas, tem um viés técnico muito forte. Ele é conhecido por sustentar, por bancar decisões impopulares. Pensa muito sobre o que faz e tem um viés de cuidar das decisões arrojadas, mas na política você precisa explicar suas decisões para a população”, disse à reportagem um aliado que integrou a gestão de Haddad à frente da Prefeitura de São Paulo.

No entanto, a professora da FGV, Tamara Crantschaninov, alerta para o ecossistema político em que Haddad se encontra: “Tem espaço para argumentos técnicos e esperamos que isso seja considerado, mas ele vai precisar conquistar, pactuar e fazer concessões”. Segundo a pesquisadora, mesmo que os conflitos internos no Partido dos Trabalhadores seja algo “normal” e de “requalificação de forças” na legenda que deixou de ser oposição para ser governo, o ministro da Fazenda precisa definir quais são as suas intenções na política nos próximos anos. “Depende muito do que o Haddad pretende para o futuro dele. Se ele busca seguir esse espaço como sucessor do Lula, vai precisar se abrir mais e se colocar a disposição de estar em um debate público. Gleisi tem uma base mais interessante dentro do PT e do eleitorado, apesar de ser uma figura polêmica. Caso Haddad tenha um projeto de sucessão do presidente Lula, esse é o tipo de comunicação de um futuro presidente? Você vai precisar de um apoio popular que é característico dos governos do PT. Se é o que Haddad busca, ele precisa aprender a dialogar tanto com o partido dele, já que ele pode levar uma rasteira grande, quanto com a sociedade”, analisou.