Do sucesso nos serviços à IA generativa: a nova era tecnológica da Índia

Há poucos países que, como a Índia, conseguem reinventar sua identidade tecnológica a partir de uma tradição consolidada – sobretudo na prestação de serviços – para emergir na busca de um lugar de destaque no desenvolvimento de deep-tech.
Ao mesmo tempo em que os gigantes norte-americanos e chineses disputam o protagonismo com modelos distintos – um impulsionado pelo capital privado e o outro por um controle estatal rigoroso –, a Índia aposta em uma abordagem híbrida, mais aberta e inclusiva, que alia regulação inteligente, infraestrutura digital de ponta e uma robusta cultura de startups.
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Da herança dos serviços à inovação de ponta
Em uma Índia onde o passado na prestação de serviços de TI se encontra com o impulso de uma inovação autônoma, a Zoho Technologies é um exemplo dessa transformação. A empresa, que optou por trilhar um caminho próprio, tem feito do desenvolvimento interno sua marca registrada – um compromisso expresso com a afirmação: “Construímos tudo internamente”. Essa postura, que desafia modelos baseados em soluções terceirizadas, configura um manifesto de autonomia tecnológica.
Ramprakash Ramamoorthy, diretor de Pesquisa em IA da Zoho, pontua essa mudança de paradigma: “O país sempre foi uma potência tecnológica, mas o foco esteve, por muito tempo, na prestação de serviços e não na criação de produtos deep-tech.”
O desenvolvimento do Zia Agents exemplifica essa estratégia: uma plataforma elaborada “ground-up” que se destaca por, segundo ele, ser “profundamente contextual e integrada aos processos reais” das empresas. Essa abordagem, que dispensa a dependência de modelos prontos, reflete uma filosofia que vê na inovação não apenas uma ferramenta de competitividade, mas um instrumento de transformação social e econômica.
A missão IndiaAI e a sinergia entre setor público e privado
Enquanto Ramamoorthy ressalta a transformação interna no setor privado, Gustavo Torrente, head of Learning & Technical Solutions da Alura + FIAP Para Empresas, evidencia o papel estratégico do governo.
A recente Missão IndiaAI, por exemplo, é vista como uma iniciativa promissora que, ao fortalecer a infraestrutura e fomentar a pesquisa, cria um terreno fértil para inovações colaborativas. Essa estratégia tem o mérito de promover um equilíbrio: por um lado, a infraestrutura digital – encarnada por projetos como o India Stack e o Aadhaar – serve como modelo de inclusão e eficiência; por outro, a execução e expansão dos projetos são impulsionadas pelo setor privado, em uma simbiose que se distancia dos extremos dos modelos americano e chinês.
“Ele funciona na Índia porque o país conseguiu digitalizar identidades em grande escala e integrar serviços financeiros, fiscais e governamentais de um jeito acessível”, opina Torrente.
Inovação contextual e os desafios regulatórios
No cerne dessa transformação está a convicção de que a inteligência artificial deve ser contextual e integrada profundamente aos processos empresariais. Para a Zoho, essa não é uma mera questão de adicionar uma camada de tecnologia aos sistemas existentes, mas de reinventar a forma como as empresas operam.
Porém, a inovação deve caminhar de mãos dadas com a responsabilidade. Em um cenário onde a regulação global oscila entre o rigor europeu e a mínima intervenção norte-americana, a Índia tem a oportunidade – e o desafio – de traçar seu próprio caminho. “A regulação é inevitável, mas o importante é que ela não se transforme num freio para a inovação”, argumenta Ramamoorthy, enfatizando que o país pode aprender com os modelos internacionais para criar um ambiente que privilegie tanto a ética quanto o avanço tecnológico.
Entre hardware e geopolítica: a outra face da transformação
Apesar dos avanços expressivos em software e serviços, a Índia ainda se vê diante do desafio de expandir sua presença no setor de hardware e semicondutores. Iniciativas como o Make in India e os programas de incentivo à fabricação de componentes eletrônicos apontam para uma tentativa de equilibrar essa balança. “Na minha visão, a dependência de hardware externo continua grande, e para mudar esse cenário, a Índia vai precisar de tempo, investimentos estratégicos constantes, colaboração internacional e uma cadeia de suprimentos bem estruturada”, afirma Torrente.
Do ponto de vista geopolítico, a ascensão tecnológica da Índia não passa despercebida. A cooperação cada vez mais estreita com os Estados Unidos, sobretudo em áreas estratégicas como segurança cibernética e semicondutores, reforça a ideia de que o país está disposto a se posicionar como um contrapeso à influência chinesa. “Ao mesmo tempo, a Índia mantém uma relação de competição e cooperação com os chineses, tentando reduzir sua dependência tecnológica e atrair investimentos para fortalecer sua própria indústria”, observa Gustavo Torrente.
Essa dinâmica, no entanto, precisa estar alinhada às estratégias de retenção de talentos, um desafio histórico para países como a Índia, que há décadas vê seus profissionais migrarem para o Vale do Silício. Sobre o tema, Gustavo Torrente é enfático: “O Vale do Silício ainda atrai muitos talentos indianos, mas essa tendência está mudando gradualmente. A Índia tem avançado na retenção de profissionais, impulsionada pelo crescimento das big techs locais, pelo aumento de investimentos em startups e pela valorização crescente dos especialistas em tecnologia no país”, conclui.
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