Lula propõe acordo de paz para a Ucrânia, mas nem sequer consegue encontro com Zelensky

A revolução é um processo em espiral. Quem não consegue concluir objetivos simples, jamais alcançará metas complexas. Tal metáfora pode ser usada para explicar o labirinto diplomático no qual Lula se meteu. O presidente brasileiro ofereceu ajuda para mediar negociações entre Rússia e Ucrânia. A ambição do Palácio do Planalto é resolver um entrave que se estende por um ano e três meses. Ouviu do colega ucraniano repetidos convites para visitar o país invadido. Zelensky insiste em mostrar o território arrasado para delegações estrangeiras por dois motivos. Primeiro, para fazer as imagens correr o mundo. Em seguida, minar qualquer impulso de fazer Kiev aceitar a perda de terreno para os russos, em nome da paz. Até agora, Lula não acenou se vai à Ucrânia. Para remediar, mandou o experiente diplomata Celso Amorim — que já foi chanceler e ministro da Defesa — para se encontrar com Zelensky. Em Kiev, também conheceu o futuro embaixador ucraniano em Brasília… E nada mais de concreto.

Na quinta-feira, Lula desembarcou na cidade japonesa de Hiroshima para participar da reunião do G7, como convidado. Importante reforçar que o papel de coadjuvante em um encontro tão relevante é um marco na gestão que prometeu recolocar o Brasil em posição de destaque no sistema internacional. O grupo que reúne as sete maiores economias organizadas em torno da democracia plena é um dos motores que rege a administração do mundo hoje. Sentar-se à mesa com estes líderes representa — no mínimo — relevância. É neste cenário que Lula participou da conferência, no fim de semana. Foi recebido e celebrado pelos líderes mais importantes da política contemporânea… Mas acabou ofuscado por um visitante de última hora: Volodymyr Zelensky. Viu-se um Lula constrangido, cabisbaixo… Supostamente concentrado em anotações particulares. Concomitantemente, atrás dele, a pouquíssimos metros de distância, o líder dos ucranianos era celebrado como um herói de guerra. O presidente brasileiro fez que não o viu; o que seria impossível.

Ambos discursaram na mesma cúpula, em momentos diferentes. Os dois foram provocados a falar sobre a guerra. Esperava-se um encontro entre eles, afinal Zelensky havia pressionado por uma conversa de caráter oficial. Não aconteceu. A comitiva brasileira fala em “desencontro de agenda”. O ucraniano, durante coletiva de imprensa, ironizou dizendo que a frustração deveria ser mais do presidente brasileiro do que a dele mesmo. Vamos aos fatos: a presença como convidado especial a um evento de tamanha magnitude possibilita a uma extensa programação paralela. Lula teve encontros bilaterais e aproveitou a oportunidade para visitar o empresariado japonês, na esperança de reverter a drástica desindustrialização do setor de tecnologia que Brasil sofre há 30 anos, pelo menos. Para esclarecer: duas grandes empresas que fecharam as portas, recentemente, na Zona Franca de Manaus foram as japonesas Sony e Canon. Ou seja, é factível que Lula estivesse com um cronograma apertado, assim como Zelensky. Mas será que em algum momento não faltou vontade política de ambas as partes? Ou de, pelo menos, uma delas? Quando se quer, movem-se montanhas se necessário.

George W. Bush posa para fotos com soldados durante uma visita surpresa no Dia de Ação de Graças com tropas americanas estacionadas no Aeroporto Internacional de Bagdá (TIM SLOAN/AFP – 27/11/2003)

Vou usar dois exemplos para reforçar o que quero dizer. Voltemos ao ano de 2003. Os Estados Unidos estavam a pleno vapor na chamada “Guerra ao Terror”. O Iraque havia sido invadido pelos americanos para derrubar o ditador Saddam Hussein. As tropas enviadas pelo então presidente George W. Bush estavam sob fogo intenso, tanto do Exército iraquiano quanto das milícias armadas que defendiam o presidente daquele país. Bush quis levantar a moral dos militares e desembarcou de surpresa em Bagdá, para um almoço de Ação de Graças com os soldados. Imaginem vocês, leitores, os riscos e a logística da operação que levou o presidente dos Estados Unidos para o centro de um país hostil, o qual os próprios americanos haviam invadido.

Agora, o segundo exemplo: em 2015, 44 líderes mundiais desembarcaram em Paris para uma marcha contra o terrorismo. A capital francesa havia sido novo alvo de extremistas. O jornal satírico Charlie Hebdo, atacado. A retaliação da polícia levou à morte de três agressores e quatro reféns. A passeata, puxada por presidentes e primeiros-ministros, de nações dos quatro continentes, reuniu dezenas de milhares de pessoas e impôs um desafio logístico aos serviços de segurança tanto franceses quanto dos países convidados. Resumidamente: quando a vontade é suberana, faz-se acontecer.

Lìderes mundiais fazem passeata em Paris

Líderes mundiais como François Hollande, Benjamin Netanyahu e Angela Merkel participam, em Paris, de marcha em homenagem às vítimas do massacre no semanário satírico Charlie Hebdo (PHILIPPE WOJAZER/AFP – 11/01/2015)

Voltando ao não encontro entre Lula e Zelensky. Entender que ambos os presidentes estavam com agendas cheias, durante o G7, no Japão, é compreensível. Não haver brechas para uma conversa sobre a guerra que impactou o mundo inteiro, difícil. Ambos viajaram em aviões próprios, justamente para ajustarem a partida diante das demandas. Sem nenhuma leviandade, alguém nessa história dispensou o encontro. E ficou ruim para todo mundo.