Manual de sobrevivência urbana para bebês off-road

Você só queria dar uma volta com seu bebê. Caminhar pelo bairro, sentir um pouco de ar fresco e, quem sabe, tomar um café distraindo-se com o ir e vir das pessoas. Mas bastam poucos metros de calçada para perceber que o que parecia um passeio simples é, na verdade, o início de uma trilha off-road.

O carrinho, escolhido com tanto cuidado, com tanto amor, trepida no primeiro degrau mal resolvido entre a saída do seu prédio e calçada. Você respira. Logo depois, um buraco engole uma das rodas da frente. Mais adiante, um poste bloqueia o caminho e, com o aval da prefeitura, um tapume de obra obriga você a desviar para a rua. É difícil porque o carro estacionado na vaga rotativa estreita ainda mais a calçada. Na gestão atual da prefeitura, o cidadão é o automóvel. Vamos respeitá-lo. O bebê dorme. Talvez por sabedoria. Talvez por exaustão.

É aí que você começa a pensar se não teria sido melhor investir logo em um modelo off-road: tração nas quatro rodas, maior distância do solo, sistema de suspensão adaptativa reforçada, pneus com desenhos especiais para aderência em superfícies irregulares, eixo articulado e lanterna LED. Um verdadeiro utilitário infantil. Alguns prometem desempenho sobre areia, lama, pedra solta e, com sorte, sobre as calçadas de São Paulo. A ideia já parece menos absurda.  

Para enfrentar os passeios públicos da cidade, não basta empurrar o carrinho, pois é preciso preparo físico e vestimenta adequada. Que tal começar vestindo camiseta dry-fit (porque sombra de árvore é ficção), calça de tecido técnico (você nunca sabe onde vai precisar se apoiar), tênis com sola alta e aderente (as poças pós-alagamento não perdoam), mochila funcional incluindo bota impermeável e joelheira reforçada, protetor solar com repelente (pernilongos urbanos não deixam ninguém escapar)? A caminhada pede atenção, equilíbrio e resistência porque, no fundo, empurrar um carrinho por esse terreno requer o mesmo preparo físico de uma trilha de montanha.

Na esquina, um corredor de trail passa por você. Camiseta técnica, tênis com grip profundo e a sua mochila de hidratação. Olha para o carrinho e para você com respeito. É quase como se reconhecesse uma colega de esporte. Afinal, quem atravessa as calçadas de São Paulo com um carrinho de bebê merece pódio. Você encontra outra mãe. Ela vem equipada: carrinho com tecido impermeável, freio a disco, guidão ergonômico. Trocam informações como montanhistas trocam rotas: “Ali na frente tem paralelepípedo — passa, mas exige impulso”. “Tem uma árvore caída bloqueando a Melo Alves” ou, ainda, “a rampa da padaria escorrega, melhor contornar.”

O bebê avisa que acordou com um gritinho e um sorriso farto. Você retribui com um beijo e aproveita para parar, esticar as costas, olhar em volta. Consulta o aplicativo: 2,3 km percorridos, mas o esforço parece de meia maratona. As pernas pesam, o braço também. Pilates já não dá conta. Funcional também não. Talvez seja hora de levar a sério esse novo esporte urbano ou, quem sabe, propor uma nova modalidade olímpica em academias: Slalom com Carrinho de Bebê em Calçada Brasileira com direito a aulas de esqui alpino, canoagem (fundamental para o contexto climático pós-apocalíptico atual) e, claro, skate.