Marco Temporal deve voltar ao Supremo; oposição promete PEC

No mês passado, o Supremo Tribunal Federal decidiu tornar inconstitucional o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A tese, que surgiu em parecer da Advocacia Geral da União em 2009, durante o julgamento sobre a reserva Raposa Serra do Sol, estabelecia que povos indígenas teriam direito de ocupar apenas aquelas terras que já ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Com o placar de 9 a 2, venceu no STF a interpretação do relator Edson Fachin, para quem “a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e independe da configuração de renitente esbulho”.

Na prática, se o indígena comprovar por laudo antropológico que determinada área pertence a seus antepassados, essa área poderá ser desapropriada e demarcada; seja ela uma fazenda, uma fábrica, uma mina de diamantes. Não importa se o proprietário pagou pela terra, se tem escritura ou se a ocupa há 100 anos. A decisão do STF foi bem acolhida pela esquerda, mas rejeitada pela oposição e por boa parte do Centrão, que resgataram e aprovaram em menos de um mês um antigo projeto que oficializava a tese do marco temporal. A tramitação em tempo recorde foi turbinada por um sentimento de reação dos parlamentares ao que classificam como ingerência do Judiciário em pautas do Legislativo. O Congresso também se viu pressionado por diferentes setores produtivos, especialmente o agronegócio e a mineração, preocupados com a insegurança jurídica. 

Na sexta-feira 21, como esperado, Lula vetou os artigos essenciais do projeto, inclusive o que restabelecida a Constituição de 1988 como limite para novas demarcações. No Congresso, oposição e centrão se articulam novamente, desta vez para derrubar os vetos presidenciais, o que deve levar a questão novamente ao Supremo. Quem defende o PL também defende que a palavra do Congresso deve ser a última, quando o assunto é legislação. Enquanto quem defende os vetos também defende que a decisão do STF tem repercussão geral sobre interpretação constitucional e não pode ser reescrita pelo Legislativo. Quem teme perder suas terras ficou ainda mais preocupado, pois bastou o Supremo rejeitar o marco temporal para ressurgirem demandas por demarcações em diferentes pontos do país.

Coincidência ou não, a maior parte das áreas de interesse dos “novos indígenas” é de valor estratégico para projetos de mineração, produção agrícola, biotecnologia, expansão imobiliária, instalação de portos, passagem de ferrovias e linhões de energia; além de áreas de fronteira. É bom que se diga que a população que se autodeclara indígena cresceu exponencialmente na última década, chegando a 1,8 milhão de pessoas. Mas ainda é irrisória, considerando o atual domínio sobre 14% do território nacional em áreas já demarcadas — o dobro do que ocupa o agronegócio brasileiro, que alimenta 1 bilhão de pessoas no planeta.

Não seria a hora de questionar se o direito de uma minoria está sendo protegido ou apenas usado como arma política para interesses não declarados? Em entrevista ao JP Ponto Final, o relator do PL do marco temporal, senador Marcos Rogério (PL-RO), defendeu a derrubada dos vetos de Lula ao projeto. O ex-ministro do Supremo Carlos Ayres Britto, porém, disse que o tema certamente acabará voltando para o STF. Outro convidado do programa, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) espera que o governo mobilize sua base para evitar o que chama de “retrocesso”. Caso o PL seja declarado inconstitucional, a oposição promete apresentar uma emenda constitucional.

Abaixo, a íntegra do programa JP Ponto Final.