O cozido da minha avó: a arte de saber cozinhar pros netos

“Antigamente, as avós cozinhavam, né, mamãe?”. Foi o que disse meu filho ao comparar o cozido da minha avó com o ovo mexido da avó dele (no caso, minha mãe). Também pudera, na minha infância não tinha iFood. Já é um privilégio ter uma bisavó. Uma bisavó como a dele (no caso, minha avó) é acertar na quina três vezes seguidas. Ela é ativa, moderna, antenada e tem a cabeça melhor do que a minha e a sua juntas.
Expliquei pra ele que, lá atrás, existia uma coisa chamada “Livro de Receitas”. É difícil de imaginar, mas elas vinham escritas, não em reels. Como todo bom exemplar na ativa, vira e mexe ele estava enfarinhado. Nele, descobri parte da minha árvore genealógica: pudim da Tia Nenê, torta de frango da Dona Maria, macarronada do Vô José…
Minha avó se adaptou muito bem ao mundo de hoje. Segue diversos perfis de culinária, além das receitas sugeridas pelo algoritmo. Curte, comenta, salva as receitas e encaminha pra gente. Quando me dou conta, Rodrigo Hilbert está conversando com ela na cozinha.
Confesso: não gosto de cozinhar, mas, quando eu era criança, adorava dividir a cozinha com ela. Hoje vejo que era uma vontade de estar ao seu lado e admirar de perto sua habilidade. Uma sensação tão deliciosa quanto ficar ao lado do meu filho, enquanto toca piano. Foram massas e mais massas de panqueca até eu aprender a virá-las sem deixar cair no chão.
Talvez seja minha origem portuguesa, mas eu sempre gostei de doces de ovos. O ápice era um doce que caiu em desuso, chamado “Papo de Anjo”. Pequenas esponjinhas redondas feitas a partir de gemas de ovo batidas, cozidas e depois fervidas em calda de açúcar. Era tão doce que travava o maxilar, mas minha boca encheu de água agora. Eu não tenho ideia de quantos ovos eu desperdicei para conseguir fazer a sobremesa. E minha avó ia guardando as claras para fazer suspiros. Quem hoje faz suspiros para o lanche da tarde dos netos?
Seu cardápio era extenso. Meus preferidos eram: palha italiana, pavê de sonho de valsa e arroz doce. Esse último cheguei a esconder na gaveta de legumes, para não ter que dividir com meu principal concorrente: meu avô.
Também havia coisas simples, mas inesquecíveis. Todos os domingos, os netos se sentavam no chão, ao redor da mesa de centro da sala, enquanto passava o Fantástico. Ela trazia milkshake de sorvete de creme e queijo quente com banana (confia, é bom). Ela preparava os sanduíches um a um, no tostex. Filho, tostex era um aparelhinho com um porta-sanduíche de ferro na ponta e um cabo para segurar. A bisa colocava na chama do fogão, dos dois lados. Tipo um George Foreman das antigas.
Os membros da nossa família têm o hábito de ligar pra ela uma hora antes do almoço, dizendo que vêm pra almoçar. Às vezes, 2, 4, 6 ou 8 pessoas. Na casa da minha mãe é preciso avisar com 24 horas de antecedência, mas minha avó já abre um sorriso antes de desligar a ligação. Vai calmamente pra cozinha e sai uma quiche. Se não fosse ela, eu nem saberia que se fazia quiche em casa. O fato é que saber cozinhar não é só ter um talento, mas uma forma de demonstrar amor. E nisso, minha avó é especialista.