O delírio imperial e o novo édito de Trump

A recente carta tornada pública por Donald J. Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, revestida de tom ameaçador e impregnada de pretensões imperiais, revela o espírito de um tempo que já deveria ter sido superado. Com ares de édito romano, o presidente norte-americano tenta ditar unilateralmente os rumos da política comercial brasileira, numa evidente tentativa de impor ao Brasil uma relação de vassalagem, ignorando os princípios mais elementares da soberania, da reciprocidade e da convivência respeitosa entre Estados soberanos.
Ao defender com veemência o ex-presidente Jair Bolsonaro e acusar o Supremo Tribunal Federal do Brasil de censura e perseguição política, Trump não apenas ultrapassa os limites diplomáticos, mas demonstra um grave desconhecimento da complexidade institucional brasileira.
Embora o STF tenha, de fato, acumulado decisões erráticas e questionáveis ao longo dos últimos anos — fruto, em grande parte, de um vácuo de atuação por parte de atores institucionais que, infelizmente, parecem acuados diante do protagonismo judicial —, trata-se de um problema interno da democracia brasileira. E como tal, deve ser enfrentado com serenidade e coragem por meio dos instrumentos legítimos do próprio sistema político. Não cabe a potências estrangeiras, por mais influentes que sejam, interferirem em processos internos com ameaças tarifárias ou discursos de tutela neocolonial.
A tentativa de Trump de instrumentalizar tarifas como forma de punição política extraterritorial é mais um episódio de um repertório fracassado de sanções, ameaças e retaliações, que pouco ou nada contribuem para a construção de uma ordem internacional estável, previsível e equilibrada. Ao recorrer a medidas unilaterais em nome de uma suposta defesa da liberdade de expressão ou da competitividade econômica, o que se vê é, na verdade, uma busca desesperada por reafirmar um poder declinante, por meio de gestos espetaculares, mas desprovidos de coerência com os valores que os próprios Estados Unidos dizem representar.
A derrota de Jair Bolsonaro não foi mérito exclusivo de seu adversário, mas resultado de um esgotamento profundo da sociedade brasileira diante da pirotecnia, da desumanidade e do desprezo institucional que marcaram sua condução da pandemia. O ex-presidente jamais se solidarizou publicamente com as centenas de milhares de famílias enlutadas — e esse silêncio foi tão eloquente quanto sua retórica ruidosa. Diante da nova tentativa de coerção vinda de Washington, o Brasil precisa agir com visão estratégica e profunda sobriedade. Algumas medidas são urgentes:
1. Redefinir o papel do Mercosul como uma zona de livre comércio funcional
É hora de dar um passo atrás na retórica integracionista e transformar o Mercosul, pragmática e objetivamente, em uma área de livre comércio. A partir disso, o Brasil deve buscar firmar acordos bilaterais e plurilaterais com o maior número possível de países — incluindo a China, a Índia, a ASEAN e parceiros africanos — de modo a ampliar suas margens de manobra e escapar do cativeiro comercial imposto por interesses protecionistas ou instabilidades políticas alheias.
2. Revisar as cadeias produtivas nacionais
Investimentos estratégicos em inovação, reindustrialização e digitalização permitirão ao Brasil reduzir dependências tecnológicas críticas — particularmente no agronegócio, na indústria farmacêutica e na produção de insumos essenciais. A soberania econômica começa pela capacidade de produzir e decidir internamente.
3. Internacionalizar a política comercial brasileira
O Brasil deve ocupar com vigor e liderança os espaços que lhe cabem nos fóruns multilaterais — como a OMC, o G20, a UNCTAD e o BRICS+ — denunciando o uso arbitrário de tarifas como instrumentos de coerção política e propondo uma nova ética para o comércio global, ancorada na justiça, na transparência e na previsibilidade.
Se os Estados Unidos desejam preservar sua liderança internacional, devem reaprender a exercê-la com moderação e sabedoria — e não com punhos cerrados e retórica de subjugação. O mundo do século XXI exige diálogo, escuta e cooperação genuína entre iguais. O tempo dos éditos imperiais terminou. Nenhuma nação digna de sua história deve aceitá-los sem contestação.
Que o Brasil, com sua tradição diplomática centenária, não se deixe arrastar por provocações e saiba, com altivez, responder com firmeza, rapidez, estratégia e visão de longo prazo à fanfarronice travestida de Estado.