Os cortes demográficos que revelam o caminho de Trump à vitória

Após a euforia de uma grande vitória dos republicanos seja no colégio eleitoral, seja no voto popular, os estudos mais detalhados dos dados demográficos nos trazem informações muito relevantes de como os Estados Unidos têm passado por um processo intenso de transformação de seus eleitores. Historicamente certos grupos sociais, étnicos e até mesmo religiosos se alinhavam quase de maneira automática às pautas democratas ou republicanas em quase todos os estados. O que os dados iniciais das eleições de 2024 nos mostram é que grupos, outrora considerados homogêneos em suas decisões eleitorais, têm votado de maneira mais individual, colocando seus interesses familiares e de sua comunidade mais próxima como algo prioritário. 

O primeiro recorte que merece nossa análise é o por sexo. Entre as mulheres 54% votaram em Kamala Harris, contra 44% em Donald Trump, uma variação bem pequena frente aos números de 2020. No caso dos homens, todavia, Harris recebeu os votos de 44%, enquanto Trump recebeu 54%. Essa diferença de 10% em 2024, foi de apenas 4% em 2020, quando Biden foi a preferência de 48% do eleitorado masculino e Trump a preferência de 50%. Apenas nesse recorte demográfico vemos que onde Trump pontuava bem, conseguiu ampliar sua margem, principalmente entre os homens negros e latinos que se mostraram mais favoráveis à sua candidatura nessas eleições. Diferenças que podem parecer pequenas aos nossos olhos, mas que em um quadro complexo de estados pêndulo, onde 20 mil votos são decisivos, revelam que todo crescimento é essencial para uma campanha vitoriosa.

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Se olharmos os dados em relação as etnias, Trump foi a opção mais votada de 55% dos brancos, contra 43% de Harris, uma cópia idêntica das eleições anteriores. Nos outros grupos , porém, o crescimento expressivo de Trump consolidou ainda mais a tese de que os democratas perdem de maneira gradativa a sua base histórica. Entre os afro-americanos vemos que 88% preferiram Kamala frente 12% que preferiu Trump, uma vitória ainda esmagadora dos democratas, mas menor que em 2020, quando Biden foi a opção de 92%, frente a 8% de Trump.

Novamente vemos uma variação pequena, mas extremamente relevante, considerando as dezenas de milhões de pessoas negras que votam e que tem aos poucos se afastado da base democrata. Dentre os dados étnicos, talvez o mais surpreendente seja a evolução do voto hispânico e latino desde o último ciclo eleitoral. Em 2024 votaram em Harris 53% dos latinos e hispânicos, e 45% em Trump, uma diferença de 8%. Em 2020 Biden teve uma expressiva vitória nesse segmento com mais de 21% de vantagem, algo que na visão de muitos analistas foi fundamental para sua eleição no estado do Arizona e Nevada. Donald Trump conseguiu diminuir em 15% a distância que separavam republicanos de democratas, principalmente com o voto em peso dos latinos na Flórida.

Em relação a idade, vemos que os mais jovens entre 18-29 anos preferiram Kamala Harris, que venceu nesse segmento por 55% contra 42%, mas nas faixas etárias de 30 anos para cima a diferença entre os dois se manteve bastante pequena, com Kamala tendo vantagem entre os adultos de 30-44 anos e Trump tendo a preferência do eleitorado entre 45-60 anos. Historicamente a base democrata no público mais jovem era muito mais ampla, mas as dificuldades econômicas enfrentadas pelos recém-formados em encontrar empregos estáveis e que paguem um salário digno, além da perda do poder de compra, afetaram também a capacidade dessas faixas etárias de se conectarem com o discurso democrata. 

Ao analisarmos todos esses dados de perto e de maneira mais minuciosa concluímos que Trump e sua campanha foram extremamente inteligentes em conseguir manter a sua base forte, robustecê-la em regiões fundamentais como o interior da Geórgia e da Pensilvânia, ao mesmo tempo que conseguiram fazer sua mensagem alcançar grupos dos mais variados que até pouco tempo não pareciam escutar os republicanos.

Além dos louros estratégicos de uma campanha bem-sucedida de um lado, também se percebe a clara perda de rumo e esperança do outro. O partido democrata que foi por décadas, a agremiação política das mulheres, dos negros, dos operários e das minorias, hoje parece proferir um discurso desconectado da realidade de sua base histórica e ter se tornado um partido político das elites econômicas e intelectuais.

Cada vez mais a classe média suburbana, e as pessoas de origem imigrante não se sentem mais representadas pelo discurso identitário, ambientalista e revisionista dos democratas, enquanto cada família, cada trabalhador, mais se preocupam com quantos litros de combustível vão conseguir abastecer essa semana, quanto de comida vão conseguir comprar com 100 dólares e por quanto tempo vão conseguir viver em determinada casa sem terem um aumento no aluguel. As eleições de 2024 e seus cortes demográficos serão a mudança de paradigma mais importante para o futuro da forma de se fazer política para os dois partidos em mais de três décadas.