Os entraves para que a Palestina se torne uma nação reconhecida

Definições objetivas e precisas geralmente são associadas às ciências exatas, mas até mesmo em um campo complexo e volátil, como a ciência política, algumas definições de conceitos e o estabelecimento de regras claras são necessários para uma maior coesão das relações internacionais. O Brasil é uma nação independente há mais de dois séculos, um país com sólidas relações diplomáticas com quase a totalidade de Estados soberanos e um uma referência no equilíbrio de sua conduta há décadas. Pela ausência de conflitos armados e fronteiriços em nosso território, talvez seja de difícil compreensão, entender que nem todos em nosso planeta têm um país para chamar de seu.
Pelo direito internacional clássico, seguindo a Convenção de Montevidéu de 1933, para ser considerado um Estado soberano, um país precisa ter população permanente, território definido, um governo efetivo e a mínima capacidade de se relacionar com outros Estados soberanos. No caso palestino, apenas alguns destes quatro critérios são atendidos, e de forma parcial.
É inegável que os territórios designados como palestinos possuem população permanente. Sejam os 2,3 milhões em Gaza ou os 3 milhões na Cisjordânia, há milhões de árabes palestinos que vivem no mesmo território por centenas de anos. Em relação a ter um território definido, isso de fato também acontece, mas só na teoria, já que as demarcações políticas em mapas não refletem efetivamente o controle das áreas de jure atribuídas aos palestinos.
Na Cisjordânia, há uma crescente ocupação de assentamentos de colonos israelenses nas últimas décadas, colocando sob controle de Telavive km² após km². No caso de Gaza, a guerra ainda em curso, e que fragmentou o território em pequenos bolsões, dificulta ainda mais qualquer sonho de uma área contígua sob o controle palestino. As complicações se tornam maiores quando olhamos para o terceiro critério. O controle da Autoridade Palestina sobre a Cisjordânia é limitado e sujeito às determinações israelenses, enquanto o governo do Hamas na Faixa de Gaza inviabiliza qualquer possibilidade de estabilidade por se tratar de um grupo terrorista. Por fim, no reconhecimento internacional, os palestinos têm respaldo de ampla maioria dos 193 membros plenos da ONU, sendo vistos como soberanos por mais de 130 nações, mas isso pouca altera a sua realidade.
No âmbito das Nações Unidas, a problemática é ainda mais complexa. Há alguns anos a Palestina já atua como Estado observador, o que lhe permite debater e participar de tratados da Organização, mas sem direito a voto. Para que qualquer país assegure o seu assento dentre os membros-plenos é necessário ter o pedido de admissão analisado pelo Conselho de Segurança, alcançando pelo menos 9 votos favoráveis entre os 15 membros e não receber nenhum veto dos 5 membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia). Em caso de veto, o processo é imediatamente barrado. Caso aprovado, a posteriori, acontece uma votação na Assembleia Geral, onde são necessários dois terços favoráveis dos países membros presentes e votantes.
A dificuldade da Palestina sempre foi ultrapassar o primeiro crivo, já que o Conselho de Segurança, sempre representou entraves à sua candidatura. Apesar da postura bastante clara da França e do Reino Unido, atualmente, em defesa da Solução de dois Estados, o constante veto dos Estados Unidos adia qualquer sonho de reconhecimento pleno. Sendo os maiores aliados dos israelenses em todos os campos, os norte-americanos não hesitam em reafirmar sua posição sempre que necessário. Com Donald Trump na Casa Branca, aliado de longa data de Benjamin Netanyahu, qualquer pretensão de adesão plena dos palestinos, será infrutífera.
O subgrupo liderado pelo Brasil e pelo Senegal para discutir a criação de um Estado palestino reafirma a postura consequente do Itamaraty em se posicionar pelos dois Estados neste conflito centenário, mas pouco mudará a realidade de milhões de crianças que sonham em ter um Estado para chamar de seu. A posição altiva da comunidade internacional é simbolicamente forte para lutar pelo que é justo, mas não encontrará concretude em um cenário onde tanto as definições clássicas, quanto o regimento da ONU, impossibilitam a mudança do status quo. A cada dia que passa e a guerra em Gaza se torna mais violenta, acarretando uma tragédia humana ainda maior, a Solução de dois Estados se torna mais utópica.