Os Houthis e a instabilidade no Mar Vermelho

Na década de 1990, um movimento fundamentalista xiita surge no Iêmen, inicialmente conhecidos como Ansar Allah, mas que se populariza como “os Houthis”. A sua origem tem fortes ligações religiosas com o islamismo xiita zaidita, predominante no norte do Iêmen, que se viu em posição antagônica à crescente influência dos sauditas em seu país ao longo das décadas. A retórica fundamentalista se intensificou ao incorporarem elementos antiamericanos e antissemitas, resumidos em seu lema: “Deus é grande, morte à América, morte a Israel, maldição sobre os judeus e vitória ao Islã”. Com uma ideologia radical e de supremacia islâmica xiita, logo se tornou um dos maiores emissários do Irã na Península Arábica, atuando informalmente como representantes paramilitares de Teerã para se fazer oposição aos vizinhos.
Durante os últimos anos, muito se falou sobre o grupo terrorista Hamas, na Faixa de Gaza, ou do grupo terrorista e político, Hezbollah, no Líbano, mas os Houthis têm aumentado seu poder militar e tornado o comércio marítimo um enorme desafio. No contexto da tenebrosa Guerra Civil do Iêmen, que teve seu início em 2014, os Houthis emergiram como vitoriosos ao conquistar a capital Sanaa e quase toda a ampla costa iemenita no Mar Vermelho. A guerra civil ainda em curso, mas constantemente esquecida pelo mundo, já vitimou quase 400 mil pessoas, incluindo mais de 85 mil crianças mortas pela fome que acometeu o país. O desastre humanitário de proporções catastróficas fica agora em segundo plano, considerando que a economia global está sendo afetada.
A partir do Estreito de Bab al-Mandab, milhares de embarcações todos os anos fazem seu caminho do Pacífico e do Índico até o Canal de Suez para alcançar o Norte da África, Oriente Médio e Europa. A rota, que anteriormente tinha que contornar todo o vasto continente africano, teve sua duração reduzida em até 12 dias, representando uma maior facilidade no comércio global e menores custos para as transportadoras, e subsequentemente para os consumidores. A marinha mercante tem entre 12-15% do seu comércio total fazendo essa rota, o que referenda a extrema necessidade de manter o caminho seguro para a estabilidade dos negócios globais. No início deste século o maior problema advinha do Chifre da África, onde embarcações eram sequestradas por piratas da Somália, causando enormes prejuízos para as companhias. Hoje, o drama não está na rendição de embarcações e suas tripulações por meia dúzia de homens, mas no ataque direto por drones e mísseis provenientes da costa iemenita.
Desde que a guerra entre Israel e Hamas se iniciou, muitos dos grupos fundamentalistas e terroristas espalhados pelo mundo declararam apoio incondicional ao Hamas, jurando auxiliar os terroristas palestinos no que fosse necessário. Os Houthis, sendo extremistas e financiados pelo Irã não postergaram em atacar a costa israelense em Eilat e danificar ou até mesmo afundar navios que estivessem supostamente auxiliando Israel e passassem próximos do seu território. Em 2024 foram múltiplos casos de embarcações com bandeiras das mais variadas, sendo atingidas por drones e mísseis Houthis, muitas das quais não possuíam nenhuma relação comercial ou política com Telavive. O choque foi instantâneo e uma coalizão liderada pelos americanos e britânicos propunha garantir a segurança no Mar Vermelho para assegurar o fluxo contínuo nesta rota tão essencial. Apesar dos esforços internacionais, a violência Houthi continua, não apenas ceifando os direitos de mulheres e minorias na porção do Iêmen controlada pela facção, mas na manutenção da mesma política terrorista de atacar navios comerciais, civis ou militares.
Nos últimos dias a nova postura adotada pela Casa Branca parece ser mais eficiente que a agenda adotada até então. Com operações de inteligência em curso e ataques na capital Sanaa e outras cidades, os norte-americanos, dizem estar realizando o necessário para eliminar de vez a capacidade de intimidação Houthi aos milhares de marinheiros e trabalhadores da marinha mercante mundial. Até agora alvos de lideranças Houthis foram atingidos com sucesso e Donald Trump promete continuar até que a rota marítima possa ser normalizada. A empreitada dos Estados Unidos carrega uma forte mensagem ao Irã e às suas proxies. Com a destruição de grande parte das capacidades operacionais e a morte das principais lideranças do Hamas e do Hezbollah, os Houthis são o último braço forte da ditadura iraniana longe de seu território. Assim como Israel conseguiu abalar completamente as estruturas dos dois principais grupos financiados pelos Aiatolás, os Estados Unidos podem fazer o mesmo com os terroristas iemenitas. Os próximos dias serão cruciais para observarmos se a ousada estratégia norte-americana poderá trazer um pouco de estabilidade em uma das regiões mais desfuncionais do planeta atualmente.