Os toques ou nuanças que encontramos em alguns vinhos brancos são defeitos ou qualidades?

A oxidação é, para muitos vinhos brancos, um inimigo temido. Em sua forma descontrolada, ela rouba a vivacidade, apaga os aromas primários e dá lugar a notas planas e cansaço gustativo. Mas há um outro lado: uma vertente estilística que acolhe a oxidação como aliada, moldando vinhos de enorme complexidade, longevidade e personalidade. Alguns dos maiores exemplares dessa escola vêm de regiões como o Jura, na França, e de produtores notáveis da Espanha, Portugal e até do Líbano.
No leste da França, o Jura é um verdadeiro laboratório da oxidação controlada. Aqui, o vin jaune é o arquétipo. Produzido principalmente com a uva Savagnin, esse vinho branco passa pelo menos seis anos e três meses em barricas não topping-up (ou seja, que não são completadas), permitindo a formação de um véu de leveduras (flor) semelhante ao dos finos de Jerez. Este véu protege parcialmente o vinho da oxidação total, mas permite a entrada de oxigênio em doses lentas, resultando em notas marcantes de nozes, curry, maçã assada, cogumelos e especiarias secas. É uma oxidação biológica e deliberada, que exige equilíbrio e atenção — qualquer desvio pode levar à perda da harmonia. Domaine Tissot é uma casa produtora que maneja a oxidação controlada com maestria ímpar.
Na Espanha, López de Heredia e seu mítico Viña Tondonia Blanco são ícones do envelhecimento oxidativo clássico. Aqui, o estilo é fruto de um processo quase arcaico: vinificação com longo envelhecimento em barricas usadas (geralmente de carvalho americano), sem pressa, sem medo da exposição ao oxigênio. Os vinhos podem passar até 6 ou mais anos em madeira, seguidos de mais anos em garrafa antes da liberação. As castas Viura (Macabeo) e Malvasía dão estrutura e resistência à oxidação. O resultado são vinhos com perfil oxidativo elegante: mel, cera de abelha, casca de laranja, camomila seca, frutos secos, toques de resina e madeira antiga. A oxidação aqui é oxidativa passiva, fruto do tempo e da micro-oxigenação lenta da madeira.
Em Portugal, o Palácio do Buçaco Branco, produzido na serra do Buçaco com uvas das regiões do Dão e da Bairrada (normalmente Encruzado e Bical), é um vinho de estilo único. Inspirado nos brancos de Bordeaux, ele é fermentado e envelhecido em madeira, com práticas que permitem micro-oxigenação ao longo de um prolongado estágio em barricas. Com o tempo, ganha uma complexidade oxidativa nobre: avelãs, mel de urze, fruta amarela desidratada, notas minerais e tostadas. Embora não seja oxidativo nos moldes do Jura, o envelhecimento controlado e a escolha das uvas conferem ao vinho notas evolutivas oxidativas que se confundem com terroir e tradição.
Do vale do Bekaa, no Líbano, vem o Chateau Musar Blanc, um vinho que desconcerta e encanta. Elaborado com as raras uvas Obaideh e Merwah — possivelmente parentes remotas da Chardonnay e da Sémillon — este vinho é fermentado e envelhecido em barricas de carvalho francês com baixa intervenção. O resultado é um branco de textura rica, aromas de frutos secos, especiarias, resinas e mel, onde a oxidação contribui para uma sensação de vinho antigo, quase arqueológico, sem que o vinho perca estrutura ou tensão. O Musar Branco é envelhecido por anos antes de ser lançado, refletindo uma visão onde a oxidação é parte da expressão do tempo e da terra.
Em um mundo dominado por brancos frescos e primários, os vinhos oxidativos como os do Tissot, Tondonia, Buçaco e Chateau Musar são exercícios de paciência, tradição e fé no tempo. Eles desafiam a noção de juventude como sinônimo de qualidade e mostram que, com as mãos certas e o tempo necessário, o oxigênio pode ser não um inimigo, mas um mestre escultor da complexidade. Salut!