Por que a Índia se tornar o país mais populoso do mundo atrapalha os planos de ascensão da China?

O mês de maio de 2023 começa com uma marca histórica. Não é exagero. Desde que as Nações Unidas passaram a contabilizar regularmente a população mundial, assim como a densidade demográfica dos países, a China sempre esteve disparada no topo desta lista. Entretanto, a curva começou a diminuir em 1979, quando o então governo chinês colocou em prática uma ideia que era debatida desde a revolução, três décadas antes: a política do filho único. A incapacidade do Estado em suprir as necessidades básicas das famílias determinou que cada casal pudesse ter apenas o primogênito. Claro que pais e mães mais abastados poderiam burlar a regra pagando uma taxa bem cara ao governo. Além dos interessados por um segundo ou mais filhos tivessem sido a esmagadora minoria dos casos em quase 40 anos da vigência da lei, a restrição – que acabou em 2016 – criou uma “cultura anticoncepcional”.

Se por um lado, o controle da natalidade foi essencial para o crescimento chinês a partir da década de 1980, agora a medida está pesando contra a economia. Poucos nascimentos para um país de dimensões continentais tem um efeito a longo prazo difícil de reverter: o envelhecimento da população. Mais do que aumentar os custos com a previdência social e o atendimento à Saúde, a desproporção entre idosos e jovens vai impactar diretamente na produção. E este desbalanceamento chega justamente quando a China planeja mais um salto econômico. Há dois grandes projetos em marcha. E ambos caminham de mãos dadas. O primeiro deles é o desenvolvimento tecnológico que pretende produzir itens de alto valor agregado. Aliás, a iniciativa já está dando resultado. Basta pensar quantos produtos eletroeletrônicos, feitos por empresas 100% chinesas, estão disputando em regime de igualdade com marcas americanas, japonesas e sul-coreanas. Ainda coloco nesta lista o novo objeto de desejo das classes A e B: o carro elétrico.

A segunda grande ambição chinesa que pode ser atrapalhada por falta de trabalhadores em idade produtiva é a chamada “Nova Rota da Seda”, que pretende interligar praticamente todos os continentes por meio de um engenhoso emaranhado logístico. O fato da Índia ter alcançado uma população que supera os 1,4 bilhão de habitantes traz uma imensidão de problemas ao país, a começar pelo abastecimento de comida. Por outro lado, a gigantesca oferta de trabalhadores para uma infinidade de funções passa a ser a roda motriz de uma nova lógica econômica. E com uma diferença brutal em comparação com a China: os operários indianos são mais jovens do que idosos. Antes mesmo de ter uma vantagem numérica com relação à China, a Índia sabia que tem de repetir os passos do vizinho e buscar o tempo perdido. Os indianos demoraram uma década para avançar no processo de modernização. A comparação fica mais evidente nos anos de 1990, quando a China começou a despontar como um polo manufatureiro e a Índia patinava em uma tecnologia defasada. Está aí a resposta de porque grandes conglomerados preferiram abrir suas linhas de montagem na China e não na Índia, 30 anos atrás.

Quando se fala em produção de larga escala, com custo atraente, agilidade e qualidade, parte da resposta para esta conjunção de fatores está na infraestrutura. Ainda no final da década de 1970, quando a China planejou resultados que seriam vistos só nos anos 2000, houve a preocupação de criar rodovias, ferrovias, portos e aeroportos que dessem contam da ampliação do pátio industrial. E, agora, o país voltou a investir pesado na capacidade de fluxo de produção para atender o que será a China em 2035 e em 2050. A Índia também começou a se dedicar nas mesmas melhorias, mas não com a mesma eficiência. E quanto à qualidade do profissional indiano? Quantidade de mão de obra não é tão valiosa assim se houver falhas na capacitação. Historicamente falando, os chineses tem índices de analfabetismo muito baixos. Impressionantes 1% para população masculina e 4%, da feminina. O nível de escolaridade indiano é alto se comparado a países em desenvolvimento, mas está alguns degraus a baixo se colocado frente aos números fornecidos por Pequim. 82% dos homens em idade produtiva, na Índia, sabem ler e escrever. A taxa cai para 66% quando o levantamento é feito só entre as mulheres. Resumidamente, a Índia se torna um páreo duro para a China em oferta para a manufatura mundial. Gente para atender à demanda, a Índia tem. Basta provar como o fará.