Por que a polícia não consegue fechar o ‘ninho de celulares’ roubados em SP; entenda


Denúncia de médico do Rio Grande do Sul nas redes sociais levantou discussão na internet com pessoas que localizaram os aparelhos roubados ou furtados na mesma Rua Guaianases, no Centro de São Paulo. Polícia diz que vai intensificar operações na região. Operação em 29 de maio de 2022 apreendeu celulares e arma em ação contra falsos entregadores na Rua Guaianases
Divulgação/Polícia Civil
O combate ao “ninho de celulares roubados” nas redondezas da Rua Guaianases, na região da Cracolândia, é considerado um desafio para o estado. O local, que fica no Centro de São Paulo, é formado por um labirinto de hotéis, apartamentos e lojas, num emaranhado que dificulta ainda mais o trabalho da polícia.
O g1 ouviu fontes policiais que participaram de operações na área, o atual delegado responsável pela região e especialistas em segurança.
A fama da rua de “ninho de celulares” viralizou após o médico Henrique Lopes Pinho postar uma localização com diversos alertas de aparelhos roubados ou furtados em São Paulo. Após fazer o rastreio do aparelho de um amigo, ele percebeu que a geolocalização possuía comentários de centenas de outras vítimas de roubos e furtos cujos celulares foram parar no mesmo imóvel, na mesma Rua Guaianases.
Ao menos desde 2017 são feitas operações na região para tentar desarticular o comércio ilegal de celulares em festas de rua, vendidos na mão de pedestres e em “feiras do rolo” ou repassados para líderes de grupos.
As maiores dificuldades de desmantelar o “ninho” são:
nem sempre a localização do aparelho é exata;
dimensão do local: prédios têm dezenas de apartamentos;
muitos policiais precisam ser chamados em operações para garantir a segurança dos agentes;
ações específicas demandam mandado judicial;
identificação dos mentores dos crimes.
Ao g1, o jovem Daniel Meira, de 23 anos, contou que teve o aparelho furtado durante o desfile de um bloco de carnaval na Rua Henrique Schaumann, na Zona Oeste, em 21 de fevereiro deste ano. No mesmo dia, ele conseguiu acessar o aplicativo de localização e identificou que o aparelho estava na Rua Guaianases. Por 48 horas, a localização se manteve no mesmo local.
Ele afirmou que, logo após o crime, conseguiu recuperar o número e transferi-lo para um novo chip. “Desde a noite do dia 22, comecei a receber diversas mensagens e ligações de telefones suspeitos. Depois das mensagens, começaram as ligações com mensagens do tipo: ‘Olá, aqui é da central de segurança, seu dispositivo foi ligado, para encaminharmos a localização, digite sua senha de seis dígitos’. Me ligaram inúmeras vezes”, disse.
Ele não conseguiu recuperar o aparelho e registrou o caso na polícia.
Mapa mostra prédios onde estariam celulares furtados e roubados no Lollapalooza
Segundo o delegado Alexandre Dias, titular do 3º DP há dois meses, área da 1ª Seccional-Centro, de 1º de janeiro a 15 de março deste ano foram recuperados 203 celulares furtados ou roubados, expedidos 43 flagrantes lavrados, efetuadas 49 prisões e 60 celulares foram devolvidos aos donos.
“A polícia, geralmente, tenta procurar os donos [dos aparelhos] para devolvê-los”, explicou Dias.
O delegado informou que ações estão sendo aplicadas no combate, principalmente, na receptação dos celulares na Rua Guaianases. No entanto, todas as medidas devem ser autorizadas pela Justiça, como um mandado para entrar em um apartamento.
“Nem sempre a localização [do aparelho] é exata. Quando o local está em um condomínio, com muitos endereços acima, precisamos de mandado. Mas todas as denúncias que aqui aportamos são checadas imediatamente.”
Em 31 de março, policiais do 3º DP que investigavam a “gangue da bicicleta” — grupos que arrancam aparelhos das mãos de pedestres no Centro de SP — abordaram um homem na porta do imóvel da Rua Guaianases.
Em pesquisa no sistema, ele foi apontado como sendo um criminoso conhecido como “Dinamite”, que estava foragido desde 2018, quando fugiu do CDP de Belém II. Ele ficou preso devido a um mandado de cinco anos atrás.
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O ‘ninho de celulares’
Segundo apurado pelo g1, em ações anteriores da polícia, receptadores de origem estrangeira não respeitavam ordem de comando e “iam para cima dos policiais”. Desde então, apenas operações com grande número de agentes são possíveis na área.
“Seria muito mais acessível recuperar celular se a gente pudesse entrar pelo simples fato de o sinal GPS do celular roubado indicar aquele local. Não é simples combater, porque, por exemplo: indica um numeral e qual daqueles 30, 60 apartamentos que está com aparelhos? Derruba um local e surge outro”, afirmou um agente.
Operações
Em 2017, uma operação teve como foco desarticular o comércio de celulares furtados, vendidos em “feiras do rolo”. Os aparelhos roubados eram vendidos na região da Cracolândia, na esquina da Rua Guaianases com a Rua Aurora e no Largo do Paissandu.
Na época, a Secretaria da Segurança Pública disse que as polícias Civil e Militar fizeram diversas operações para coibir o roubo e recuperar os aparelhos. Somente no Largo do Paissandu foram apreendidos 80 celulares e 24 pessoas foram presas.
Em 2019, a 1ª Delegacia Seccional de Polícia e o 3° Distrito Policial (Campos Elíseos) autuaram oito pessoas por tráfico de entorpecentes, receptação, associação criminosa, corrupção de menores e uso de drogas, durante a Operação Guaianases. Ao todo, 62 pessoas foram conduzidas ao distrito.
Em 4 de maio de 2022, a Polícia Civil e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) fizeram uma operação conjunta para tentar combater a ação de falsos entregadores que estavam roubando e furtando celulares de pedestres.
Na época, a Justiça determinou o cumprimento de 24 mandados de busca e apreensão contra suspeitos de cometerem esses crimes. Investigadores foram em prédios da Rua Guaianases, onde já havia suspeita de que os aparelhos celulares estavam guardados para depois serem revendidos.
Em 29 de maio do ano passado, a polícia realizou uma operação contra a receptação de celulares roubados com foco na mesma rua. Foram aprendidos mais de 50 celulares, detidos 40 suspeitos, com três presos em flagrante.
Na ocasião, a ação tentava recuperar aparelhos levados na Virada Cultural.
A Polícia Civil fez uma operação na região da Cracolândia na última quarta (28). Um homem foi preso, 53 celulares foram apreendidos, assim como 130 carcaças de aparelhos celulares, incluindo iPhones e iPads.
Policiais fazem operação contra a receptação de celulares roubados no Centro de São Paulo neste domingo (29)
Roney Domingos/g1
‘Trabalho de enxugar gelo’
Thiago Nicolai, advogado criminalista, afirma que a grande dificuldade para a polícia é a identificação dos mentores dos crimes, as pessoas que coordenam os furtos, receptam os celulares e organizam a venda.
“Geralmente, nessas operações policiais são detidos apenas os membros operacionais da organização criminosa e que são facilmente substituídos. É um trabalho de enxugar gelo.”
Para facilitar as investigações, existem dois pontos que podem ser seguidos pelas vítimas, segundo Nicolai. O registro da ocorrência e a realização do bloqueio do IMEI dos aparelhos — cada celular tem um número de identificação único, que equivale ao chassis de um carro.
José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública e professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da PM, aponta que o crime é orientado por receptadores.
“Coordenam vários ladrões que vão buscar o celular e já têm onde desovar para esse pessoal. Eles revendem ou aproveitam peças.”
Ele defende que a Polícia Militar esteja em locais com reincidência de casos, além da necessidade de investigação por parte da Polícia Civil. Segundo Silva Filho, as operações no passado foram bem-sucedidas, mas devem ser ampliadas.
“Assim como aconteceu lá no passado, de ter um plano especial para isso. Um programa de repressão ao roubo de celulares, com um conjunto de ações. Não se pode deixar apenas com as delegacias centrais, até porque é bem provável que esteja acontecendo em todo o estado.”
Silva Filho acredita que, se a receptação for desarticulada, acaba afetando diretamente a organização na primeira etapa: o roubo ou o furto. Ele ainda acrescenta que regras devem ser aplicadas na comercialização de peças, como as impostas no estado para tentar diminuir o desmanche de veículos no passado.
O que diz a Polícia Civil
Veja a íntegra da nota:
“Em fevereiro, por exemplo, policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) realizaram a ‘Operação Off-line’ em diversos endereços na rua citada. Os agentes recuperaram mais de 400 aparelhos celulares subtraídos e prenderam 17 pessoas pelos delitos de furto, roubo e receptação. Ainda, foram apreendidas duas adolescentes também envolvidas no esquema.
Na Capital, a ‘Operação Mobile’ é realizada com o objetivo de combater esses crimes. Somente na região central, 203 celulares foram recuperados no primeiro bimestre, com 49 suspeitos presos em flagrante. A área também recebe a ‘Operação Resgate’, que resultou na prisão de 72 suspeitos por tráfico de drogas e crimes patrimoniais. No mesmo período foram apreendidos 84 aparelhos celulares roubados ou furtados. A Polícia Militar intensificou o patrulhamento na região, por meio da Operação Impacto, com 17 mil policiais nas ruas.
Com relação à Operação Unblocked, realizada por policiais civis do 27º Distrito Policial (Campo Belo), com o apoio da 1ª e 2ª Seccionais, no último dia 28, um homem, de 39 anos, foi preso em razão de um mandado de prisão preventiva. Durante as buscas, foram apreendidas 130 ‘carcaças’ de celulares e 53 aparelhos. A investigação segue em andamento na unidade visando combater uma quadrilha que atua em roubos e receptações de celulares na cidade de São Paulo.”