Por que ensinar robôs a piscar é difícil, mas importante


Piscar transmite mais informações do que você imagina — e é um desafio fazer com que os robôs façam isso adequadamente. O robô iCub te prende com o olhar
Christina Ro
É a primeira vez que toco bateria com um robô.
Estou sentada em uma mesa de frente para um adorável robô humanoide chamado iCub.
Cada um de nós tem sua própria baqueta e caixa de bateria, e devemos bater na caixa com a baqueta em sincronia com um padrão de luz.
Mas é claro que também estou observando o robô — e estou ciente de que ele está me observando.
Este experimento de percussão foi desenvolvido para testar como a presença de um robô fazendo a mesma tarefa afeta o comportamento de um ser humano.
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É um dos muitos experimentos de interação entre humanos e robôs realizados pelo grupo de pesquisa CONTACT (sigla em inglês para Arquitetura Cognitiva para Tecnologias Colaborativas) no Instituto Italiano de Tecnologia em Gênova.
Embora eu esteja ciente das luzes e das outras pessoas na sala, meu olhar continua sendo atraído pelas pesadas pálpebras brancas do iCub.
Para começar, há um ruído perceptível quando o robô pisca a cada poucos segundos.
E, como esse robô com cara de criança tem olhos expressivos e grandes, ele te prende com o olhar.
Pesquisas mostram que os seres humanos respondem melhor a robôs que piscam
Christine Ro
Isso é importante porque, ao piscar, assim como em outros aspectos do olhar, há muito mais do que aquilo que nossos olhos de fato enxergam.
“Embora muitas vezes se suponha que piscar é apenas uma função fisiológica reflexiva associada a funções protetoras e lubrificação ocular, também desempenha um papel importante na interação recíproca”, observa Helena Kiilavuori, pesquisadora de psicologia da Universidade de Tampere, na Finlândia.
O piscar humano transmite atenção e emoção. Como meio de comunicação não-verbal, esse ato expressa uma série de coisas das quais não estamos conscientemente cientes, como uma deixa para entrar em uma conversa.
Assim, é apenas um dos muitos sinais sociais que os humanos trocam constantemente sem estar ciente deles, embora obtenham uma grande quantidade de informação e conforto a partir deles.
Por isso, os roboticistas sociais têm estudado tanto as propriedades físicas quanto psicológicas do piscar humano para entender por que pode ser útil ter o equivalente em robôs.
“Devido às muitas funções importantes de piscar no comportamento humano, pode-se supor que ter robôs piscando os olhos pode melhorar significativamente sua aparência humana. Isso pode, por sua vez, facilitar a interação entre humanos e robôs”, explica Kiilavuori.
Em outras palavras, “quando o robô está piscando bem, as pessoas se comovem com o personagem”, diz David Hanson, que lidera a Hanson Robotics.
Fazer com que o olho e a pele pareçam naturais ao piscar é bastante desafiador
Hanson Robotics
Movimentos sutis
A pesquisa CONTACT, realizada com adolescentes de 13 anos e adultos na Itália, mostra que ambos os grupos simplesmente gostam mais de robôs que piscam.
Um robô que não pisca pode dar a alguém a impressão desagradável de estar sendo observado, explica Alessandra Sciutti, que lidera a unidade CONTACT.
Os humanos também veem os robôs que piscam mais naturalmente como mais inteligentes. E a inteligência é importante em situações em que os humanos dependem dos robôs para fornecer informações, como em estações de transporte público.
Apesar dos benefícios de piscar de forma “natural”, oferecer essa habilidade aos robôs (tirando avatares e robôs com monitores de tela no lugar do rosto) é tecnicamente desafiador.
“Piscar é um dos movimentos humanos mais sutis, então projetar mecanismos que possam imitar esses movimentos requer uma tecnologia avançada, como motores de alta precisão”, explica Kiilavuori. Os roboticistas da Engineered Arts, por exemplo, usam motores caros de categoria aeroespacial, além de projetar seus próprios controles eletrônicos.
O robô feito pela Engineered Arts usa motores caros para fazê-lo piscar
Engineered Arts
Especificamente, diz Hanson, da Hanson Robotics, “a velocidade dos motores que movimentam o material da pele ao piscar é realmente desafiadora, e fazer com que a forma do olho pareça natural enquanto pisca também é desafiador. Além de reduzir o atrito entre as pálpebras artificiais e a superfície do olho em si”.
Outra questão é o equilíbrio entre a velocidade e o som da piscada motorizada. Francesco Rea, técnico sênior da unidade CONTACT, explica que no robô iCub um motor mais silencioso poderia atenuar o som da piscada.
Mas o movimento mais lento faria o robô parecer sonolento.
Se ele piscar muito devagar, também arrisca perder informação visual, já que a câmera do iCub está localizada atrás dos olhos.
“Na visão, faltar dois quadros não é um problema tão grande”, diz Rea.
“Perder dez quadros começa a ser um problema.”
Outro desafio é o momento correto e a duração das piscadas, explica Kiilavuori.
As diferentes funções que a piscada desempenha — como uma pessoa muda a velocidade em que pisca ao contar uma mentira — envolvem diferentes dinâmicas das pálpebras, assim como diferentes estados emocionais.
“Qualquer desvio em relação ao momento e a duração natural e apropriada da piscada, em um determinado contexto, pode fazer o robô parecer estranho e perturbador”, diz ela.
A equipe CONTACT usa um programa de software que torna os intervalos entre piscadas simples e duplas parcialmente aleatórios. Afinal, piscar de maneira fixa tampouco pareceria muito natural.
Na Disney Research, os especialistas em robótica uniram forças com os animadores de personagens para desenvolver um protótipo de pesquisa para um olhar robótico realista.
O objetivo é projetar um sistema expressivo de olhar que seja fácil para os animadores controlarem a fim de transmitir emoções sutis.
Com elementos como as curvas de movimento das pálpebras, “podemos isolar esses comportamentos individuais, o que facilita bastante para nos concentrarmos realmente em corrigir pequenos aspectos e pequenos detalhes”, diz James Kennedy, pesquisador da Disney Research.
Eles patentearam seu sistema de detecção robótico e controle do olhar. Isso inclui um software para processar imagens captadas por uma câmera no peito do robô e gerar sinais de controle para movimentos como abrir e fechar as pálpebras.
Kennedy afirma que a pesquisa continua mais no campo experimental e ainda não está sendo aplicada nos parques temáticos da Disney.
“O objetivo aqui era realmente selecionar uma única sugestão social em que estivéssemos interessados e levá-la o mais longe possível para criar movimentos e comportamentos críveis e realistas que sentíssemos que forneceriam uma base para engajamento com as pessoas.”
A tecnologia precisaria ser refinada para, por exemplo, que o sistema de olhar permanecesse crível em interações mais próximas com humanos por mais tempo.
Outro desafio geral seria fazer com que os robôs humanoides começassem a sincronizar seus padrões de piscada com os dos humanos, como os humanos fazem durante uma conversa.
E, ao contrário das representações exageradas na cultura pop de androides que são indistinguíveis dos humanos, piscar é um pequeno exemplo das muitas complexidades que ainda impedem que as interações robóticas pareçam completamente naturais.
Ao tentar reproduzir um mecanismo tão ínfimo e, às vezes, subestimado como piscar, “na verdade, você revela o quão complexo é esse mecanismo e, assim, quanto movimento sutil existe”, observa Kennedy.
“E é aí que temos essa grande oportunidade de exploração e invenção.”
Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c168w4r6nrro