Procurador critica atuação do governo do DF nas invasões em Brasília: ‘Calamitosa falta de preparo’

Nesta segunda-feira, 9, a Câmara dos Deputados aprovou o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que determinou a intervenção federal nas forças de segurança do Distrito Federal. O texto segue agora para análise do Senado. A intervenção foi determinada por Lula após manifestantes invadirem e vandalizarem os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal no último domingo, 8. O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), também foi afastado do cargo por decisão do ministro Alexandre de Moraes. Para tratar dos ataques aos três poderes da República e suas repercussões, o Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, entrevistou o secretário-geral Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp), José Luiz Moraes, que repudiou suposta negligência intencional dos agentes policiais: “O que nós observamos neste domingo foi uma calamitosa falta de preparo, que pode ser absolutamente dolosa, isso vai ser devidamente apurado, mas aparentemente é dolosa por parte principalmente do Distrito Federal”.

“Obviamente que tudo isso que nós estamos falando vai ser devidamente apurado, com contraditório e com ampla defesa. Mas, o que ficou evidenciado pelas imagens é que houve uma negligência, ou pelo menos uma omissão que pode ter sido dolosa por parte do Distrito Federal. Muito está se discutindo se há a competência do ministro Alexandre de Moraes e do Supremo Tribunal Federal para o afastamento cautelar dessas autoridades. Ao que me consta, parece que sim. Apesar de, nos termos na Constituição, a competência ser do Superior Tribunal de Justiça para julgar esses agentes, ou pelo menos o governador do Distrito Federal, há para o magistrado, e o magistrado que cuida justamente de investigações a respeito de atos contra as instituições brasileiras, o poder geral de cautela. O poder, que é de todo magistrado, de afastar aquilo que pode causar dano às provas e à colheita de provas que vão fazer parte da investigação que agora se inicia a respeito da responsabilidade dos atos praticados”, explicou.

O procurador detalhou os diferentes tipos consequências que financiadores, manifestantes e agente públicos devem sofrer pelas invasões e depredações: “A responsabilização é bem diversa. Ela passa pela seara criminal, se essas pessoas cometeram crimes, e algumas delas cometeram. Passa por uma responsabilização administrativa, principalmente dos agentes públicos que se omitiram para coibir essas práticas. E também a responsabilidade civil, a reparação patrimonial do Estado por todos os prejuízos causados, não só ao patrimônio público, mas ao patrimônio histórico brasileiro, com danos morais coletivos pelas práticas realizadas, pelos crimes praticados neste domingo. Então, a responsabilidade é muito ampla, tanto dos participantes, dos vândalos que fizeram isso, quanto das autoridades políticas e policiais que estavam presentes naquele momento e se omitiram de qualquer forma, ou não cumpriram de forma escorreita as suas funções. As responsabilidades são criminais, políticas, administrativas e, do ponto de vista da reparação, também patrimoniais, com a condenação em dinheiro das pessoas que causaram esses prejuízos ao povo brasileiro”.

“Obviamente que nós estamos falando da participação de milhares de pessoas, de pelo menos 2 mil ou mais pessoas. Nós temos notícia de pelo menos 1,3 mil pessoas que estão sendo indiciadas criminalmente pela prática de crimes neste domingo. Mas, sem dúvida nenhuma, a identificação dos próprios vândalos e dos próprios manifestantes ajudará muito ao poder público a identificar e responsabilizar essas pessoas. Sem dúvida nenhuma, a vaidade dessas pessoas em expor o que elas estavam fazendo na redes sociais vai possibilitar uma responsabilização mais pormenorizada e mais personalizada de todos esses envolvidos. Mas, não são essas as pessoas principais que tem que ser responsabilizadas, e sim aquelas que participaram da logística e do financiamento desses atos. Porque se não nós só vamos responsabilizar a ‘bucha de canhão’, aqueles soldados rasos que estavam lá imediatamente. Agora a gente precisa ir atrás também dos responsáveis mediatos, daqueles que financiaram, organizaram e que são os mentores intelectuais dessas barbaridades que aconteceram nesse domingo”, declarou.

Em comparação a outras depredações acontecidas em Brasília, como os chamados Black blocs fizeram em 2013, o secretário-geral da Apesp ponderou que a capacidade de organização dos atos de domingo e o dano ao patrimônio público foram muito superiores: “Nós lembramos das cenas de destruição, mas os manifestantes nem sequer conseguiram entrar nos prédios públicos naquela ocasião. Desta vez, nós temos inclusive documentado por vídeo a participação e até o fomento de agentes policiais que se regozijaram, que aproveitaram e que estavam ‘curtindo’ com os manifestantes a destruição dos bens públicos. A responsabilidade, nesse caso, eu acho mais grave do que os próprios manifestantes, ou ditos terroristas que estavam no local, é justamente a participação dos agentes públicos nesta destruição sem igual na história do brasil desse patrimônio histórico e desse patrimônio público tão importante. Não é só um atentado contra coisas públicas, mas sim contra instituições, o que é mais grave do ponto de vista penal e administrativo”.

O procurador também defendeu a responsabilização em dinheiro dos financiadores do ato como punição exemplar: “Esse é um ponto que é importantíssimo, não só para o patrimônio público, para a recuperação do patrimônio público, mas também por questões didáticas, para que isso não volte a acontecer no nosso país. Beccaria falava a muitos séculos atrás que: ‘Não importa a quantidade de penas, mas sim a certeza da punição’. É isso que nós temos que buscar agora a certeza da punição e de que não haverá a impunidade dessas pessoas. Sejam elas agentes públicos, sejam elas pessoas comuns que estavam lá de uma forma organizada ou não. Nós temos que responsabilizar a todos, não importa a quantidade de pena, mas sim a certeza da punição, a certeza de funcionamento dos órgãos do Estado. É isso que nós esperamos das instituições brasileiras”.

“Há evidências e provas de organização. Há provas de grupos de WhatsApp, onde foram noticiados e alardeados que a participação dessas pessoas nessas manifestações seria patrocinada, com ônibus, com local para que essas pessoas dormissem, alimentação e tudo. Não houve essa prova e essa comprovação dessa organização, dessa estrutura organizacional, naquela outra ocasião. É muito diferente aquele episódio, que também foi um episódio grotesco, como esse episódio atual que há uma organização e também uma omissão aparente dos órgãos de Estado, que permitiram com que isso acontecesse da forma como aconteceu”, argumentou. Confira a entrevista completa no vídeo abaixo.