Proibição de pesticidas pode ‘virar moda’ no Brasil

O protesto de agricultores na França contra a proibição de pesticidas neonicotinóides para uso em lavouras de beterraba chamou a atenção dos agricultores brasileiros. Com centenas de tratores, os produtores rurais da Europa paralisaram as ruas de Paris, eles também são contra diversas regulações ambientais impostas pela União Europeia. Para o coordenador do laboratório de bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Daniel Vargas, a proibição do agroquímico pode ser um primeiro passo de uma eventual regra comercial internacional. Ele também não descarta que aqui no país seja imitada parte dessa agenda verde europeia e diz que o risco é alto. Confira a entrevista completa.

Por que o banimento de pesticidas neonicotinoides é uma pauta dos ambientalistas na Europa? Essa história está aparecendo um vinil arranhado, que gira e a música parece que não sai do lugar, todos os capítulos se repetem e o problema parece ser o mesmo. De um lado, o conjunto de regulações ambientais estabelecidas pela Europa cada vez mais exigentes. E de outro lado, produtores que reclamam que não há alternativa prática que lhes permita abrir mão desses defensivos para cumprir com a exigência ambiental. A tensão aquece, o clima fica quente,  o caso vai para os tribunais e os sacramentam dizendo que a culpa é dos produtores maus. O grande problema, o grande desafio é que a dificuldade da transição climática tem sido vista como um problema moral, de produtores que são ambiciosos, gananciosos e não no desafio mais profundo do mercado e sociedade de criar saídas economicamente efetivas para o produtor e para a economia não sofrer tanto. Sem solução inovadora, vamos nadar sem sair do lugar.

Qual a consequência dessa proibição? Em 1990, a Europa autoriza o uso desta molécula para tornar a produção da lavoura mais protegida contra alguns insetos e pestes. A partir daí, estudos científicos mostram potenciais riscos desse produto, especialmente para polinizadores. Em 2013, a Europa estabelece restrições parciais. Em 2018, restrição completa. Ninguém mais pode usar. A partir de então, os produtores reagem dizendo: “olha, desde 1990 nós aguardamos alternativas do mercado que não surgiram”. E agora, os estados que davam licença e portanto exceções, são tolhidos na sua liberdade de garantir ao produtor uma saída para garantir que a produção aconteça sem gerar uma quebra de safra, que foi o que aconteceu em 2020 na França com produtores de beterraba. Não há saída fácil, consequência simples dessa briga. A tendência é que o problema se amplie, como temos visto em diversos países, e à medida que isso vai ganhando mais fôlego, protestos tendem a se tornar mais raivosos, colocando em xeque padrões de organizações jurídicas, legitimidades institucionais que não gostaríamos de ver questionados.

Por que o tema interessa aos produtores brasileiros? Há pelo menos duas dimensões do problema. O que está acontecendo na Europa é uma luta pela definição do que é verde e de quem é verde. Quando o tribunal definir não ser possível utilizar uma molécula, pois ela não é verde, ao fazer isso, a Europa automaticamente estabelece uma regra que também vigerá às relações internacionais. Porque todo mundo que for vender para Europa tende a ser cobrado pela mesma régua para garantir a isonomia competitiva do agricultor europeu. Então a primeira razão, embora se trata de uma decisão em um caso e em um país em um ano, sabemos que será a primeira etapa de regra comercial que vai se generalizar. E o segundo motivo é que essa luta, ela tende a ser feita segundo padrões e interesses de determinados grupos. É óbvio que essa tensão e disputa se dá na realidade europeia, com produtores europeus, segundo interesses ambientais, econômicos e estratégicos europeus e os nossos não são necessariamente os mesmos. E portanto, é importante ficarmos atento para que não entre nessa briga sempre pagando um preço, um ônus, recebendo uma taxa de algo que não caracterize a sustentabilidade e a realidade da nossa produção.

Qual o principal grupo de interesse envolvido nessa discussão? O diagnóstico é que existe um problema de uma economia que não inova na velocidade devida e existem culpados. O primeiro culpado evidente, no discurso europeu, o produtor rural que é mau, ambicioso e não inova. O segundo culpado, mais difuso e não menos importante, que é o mercado, com sua rede de competição e inovação, sua máquina de criação do novo, que não está funcionando na velocidade devida. Quais grupos de interesse estariam de alguma maneira sendo protegidos? O próprio produtor rural europeu, paradoxalmente blindado de uma competição internacional que não tem as mesmas limitações de solo, sol, clima e tecnologia que os europeus tem. De outro lado, os intermediários da cadeia do agro que agora ganham uma espécie de apoio em uma decisão tomada recentemente para que eles busquem acordar entre si padrões verdes e façam um mutirão de recurso e tecnologia para acelerar assim atingimento dessa transição verde. E ao garantir essa imunidade para esses intermediários da cadeia para buscarem inovação segundo seus critérios, o que a Europa diz é “aqui no velho continente, a nossa legislação competitiva não irá ameaçá-los. Vocês podem estabelecer acordos de qualidade de preço, condição de produção e de venda conforme seus interesses, bastando com isso que fundamentem de que maneira isso é verde”.

Qual a chance de o Brasil também proibir o uso de agroquímicos, como está acontecendo na Europa? Acho que o risco é alto. A história do Brasil é de copiar e colar os padrões verdes estabelecidos fora do país, esse é um dos dramas da realidade brasileira, que não é uma particularidade nossa. É uma espécie de subserviência colonial que caracteriza países em desenvolvimento e uma espécie de passividade científica e regulatória que em vez tomar a iniciativa para criar regras a sua imagem e semelhança, se limitam a  seguir os padrões e tendências que vem de fora e compreender o que significa. Ao passo que a Europa acelera essa cobrança, a tendência é que isso se espalhe pelo mundo e chegue aqui entre nós.

Em que horizonte de tempo a pauta da Europa poderia chegar aqui? Essas decisões que fixam padrões que comandam o mercado e estabelecem regras são gradualmente implementadas e assimiladas pelos elos da cadeia. Aqui há duas, a primeira é a pública. As regras, as diretrizes europeias começaram a ser aprovadas e serão incorporadas pelos estados nacionais e a partir daí pelo mercado ao longo dos próximos 1 a 3 anos, eu diria. As regras privadas, elas também deverão ser incorporadas no período de tempo análogo, mas ela costumam a ser mais ágeis, mais aceleradas porque são decisões de grupos, corporações, de empresas que se reúnem fazem pacto entre si e começa a adotar um padrão como se fosse um tripé de livre mercado. À medida que essas empresas que têm uma presença significativa na economia, que controlam boa parte do circuito de troca ditam esses critérios, já exigem que eles sejam seguidos nos contratos com os fornecedores, isso já começa a valer entre nós. Me parece em um prazo de 1 a 3 anos, mas não  me surpreende se começasse a valer antes disso.

Você fez uma publicação recentemente chamando de cartéis verdes, o que são os cartéis verdes? A Europa, agora no início do ano abriu uma diretriz, apresentou uma diretriz, em que ela consulta a comunidade, esse é o passo do processo de regulação europeu, para manifestar sobre uma exceção ao direito da concorrência do velho continente. Nós sabemos que o mercado funciona com base na competição de agentes livres e para evitar a combinação de preços e padrões, o direito da concorrência limita esses pactos entre produtores ou entre os intermediários da cadeia. O que essa diretriz fará é criar uma exceção que diz que no caso da cadeia de alimentos, se houver um produtor envolvido, e aí pode haver diversos intermediários, eles podem um fazer acordo entre si para fixar de que maneira vão produzir, preço e qualidade desde que isso seja fundamentado para o bem estar do meio ambiente. Ao fazer isso, de alguma maneira, a Europa inverte o jogo do mercado. O pressuposto não é a liberdade competitiva, e que está inaugurada a temporada dos acordões. Vamos todos nos juntar para criar parâmetros que nos garantam melhores condições de produzir, vamos criar critérios para que meu produto quando eu plante tenha um mercado definido, um preço pré-determinado. E, ao fazer isso, eu me blindo contra potenciais competições e ameaças externas. No passado, nós nos preocupávamos muito com as barreiras alfandegárias, tarifárias e não tarifárias, mas ambas eram fixadas pelo estado. O que essa nova diretriz permite é que os produtores possam se juntar para criar suas barreiras não tarifárias privadas.

Como ficará o Brasil do agro neste novo cenário que se desenha? Dependerá da atitude do setor e da ciência e da tecnologia nacional. Se nós adotarmos uma atitude de reação e crítica de olhar para os problemas e apontar defeitos, de basear no padrão internacional, será um mundo tenso e de problemas. Se atitude foi de altivez, de olhar oportunidade em ciência que cria padrões tropicais, que invente novos produtos e serviços a nossa imagem, nós seremos competitivos e vencedores no comércio amanhã.