Racismo no futebol brasileiro: números aumentam, e casos não têm punições concretas

O caso de racismo sofrido por Vinicius Junior (mais um) no último dia 21, em jogo do Campeonato Espanhol entre Real Madrid e Valencia, causou uma avalanche de reações pelo mundo. Diversos esportistas, chefes de Estado, clubes e até a ONU se pronunciaram contra a discriminação racial e apoiaram o jogador brasileiro. Na Espanha, o episódio pode trazer mudanças inéditas na forma como o racismo é tratado no país, mas e aqui no Brasil, terra de Vinicius, o que é feito? O racismo está presente com tantos casos que é difícil contar. No futebol, dois dos mais emblemáticos aconteceram com Grafite, atacante do São Paulo, e Aranha, goleiro do Santos. Em 2005, o São Paulo enfrentou o Quilmes pela fase de grupos da Copa Libertadores, e o argentino Leandro Desábato chamou o atacante de “negro de merda”. Grafite relatou o ocorrido e, ainda em campo, Desábato recebeu voz de prisão e foi encaminhado ao 34º DP de São Paulo. O zagueiro pagou fiança de US$ 4 mil e retornou à Argentina. Em 2014, o goleiro Aranha foi chamado de “macaco” por alguns torcedores do Grêmio durante partida da Copa do Brasil. A transmissão filmou o crime. Como punição quatro pessoas foram indiciadas e impedidos de frequentar estádios. O goleiro sofreu com represálias após o ocorrido, teve problemas psicológicos e se aposentou. O time gaúcho foi eliminado da competição.

Na última semana, o goleiro Caíque, do Ypiranga-RS, foi vítima de racismo em jogo contra o Altos, na Série C do Campeonato Brasileiro. Além de Ângelo e Joaquim terem sofrido o mesmo em jogo do Santos no Chile, pela Copa Libertadores. Os casos de Grafite e de Caíque têm 18 anos de diferença, mas mostram que nada mudou. Segundo levantamento do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em 2022 foram registradas 90 ocorrências de racismo/injúria racial no futebol brasileiro, um aumento de 40% se comparado com os números de 2021, mas poucas foram as medidas tomadas. No ano passado, em jogo da Libertadores entre Corinthians e Boca Juniors, na Neo Química Arena, torcedores alvinegros foram alvo de racismo de argentinos. Os corintianos identificaram os agressores, chamaram a polícia, e eles foram detidos. Passado o período do jogo, pagaram a fiança e retornaram a seu país.

Medidas da CBF e protocolo da Fifa

No início deste ano, a CBF anunciou que medidas para o combate ao racismo no país. O Conselho Técnico definiu que uma multa financeira será a primeira punição. Em caso de reincidência, o clube perderá mando de campo ou jogará com portões fechados. Em terceiro caso, a punição será a perda de pontos. O atual Regulamento Geral de Competições da CBF prevê penalização para quaisquer “comportamentos antidesportivos, bem como violência, dopagem, corrupção, manifestações político-religiosas, racismo, xenofobia ou qualquer outra forma de discriminação”. Neste mês, no jogo entre Corinthians e São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro 2023, a torcida corintiana entoou cânticos homofóbicos nas arquibancadas. A partida foi paralisada e retomada após as ofensas cessarem. O ocorrido foi relatado em súmula e o Corinthians pode ser punido. A CBF só consegue penalizar os clubes, mas desde o início de 2023, injúria racial é considerada crime com penas de dois a cinco anos de prisão, além de multa. O crime é inafiançável (sem opção de fiança) e imprescritível (não prescreve).

Desde 2019, a Fifa também tem um “Protocolo contra a Discriminação” (que nem sempre é aplicado). Segundo o documento, se a arbitragem identificar atos descriminatórios, precisa interromper o jogo e com o sistema de som advertir sobre a conduta. Se possível identificar quem iniciou e reiniciar em seguida. Se os insultos persistirem, o árbitro deve interromper o jogo novamente, com a permissão de um intervalo para os atletas deixem o campo. Após o ambiente controlado, retomar o jogo. Mas se ainda assim, prosseguir, a Fifa orienta que a arbitragem interrompa o jogo, anuncie o motivo para as pessoas responsáveis pela informação aos torcedores e encerre a partida definitivamente. Após os três passos, o árbitro é autorizado a atribuir na súmula a derrota para o time infrator. Para jogadores e pessoas do meio do futebol, um ato de racismo acarreta dez jogos de suspensão.

Os Ministérios do Esporte, da Igualdade Racial e da Justiça e Segurança Pública no Brasil divulgaram um trabalho conjunto de criação de mecanismos e ações para o combate do racismo no esporte. O fato é que medidas estão previstas, tanto no Brasil como no mundo, e os casos não param de aparecer. Estudiosos entendem que punições mais assertivas e uma conscientização do racismo podem ajudar a resolver esse problema. Não vai ser em um dia, um mês ou um ano, destacam. O trabalho das organizações e da sociedade contra as discriminações raciais e de gênero vão levar tempo, mas é possível. Para isso, a respostas a esses casos precisa ser dura e sem brechas. A ver como o caso Vinicius Junior vai impactar o futebol a longo prazo.