Saiba quais as principais diferenças entre os brasileiros e os americanos na hora de investir
Nos meus três últimos textos, busquei explicar como o nosso consumo é dolarizado e foquei em falar sobre os motivos pelos quais você deveria ter uma parte do seu patrimônio, da sua poupança, alocada/investida de forma dolarizada. Também expliquei como dar os primeiros passos para investir no exterior. Contudo, de vez em quando me perguntam: “William, você que mora aqui nos EUA, como os americanos investem?”. Pois bem, vou aqui discorrer a respeito, trazendo um pouco do contexto histórico e atual. Começarei apontando diferenças cruciais, a meu ver:
Brasileiros pensam em proteção, americanos focam em construir riqueza
Poupança, LCI, LCA… renda fixa… CRI, CRA… renda fixa… CDB, Fundo DI… renda fixa… renda fixa… renda fixa. Quando se fala em investimentos no Brasil, normalmente associamos a palavra “renda fixa” como aquela que mais nos seduz. Seria o brasileiro um povo desconfiado? Ou medroso? Ou seria apenas desconhecimento? Eu diria que somos fruto do nosso meio e das experiências que vivemos. O ambiente político-econômico no Brasil tem se mostrado extremamente incerto, e isso reflete em nosso perfil como investidores. Como investir em um ambiente de tamanha incerteza? Buscando proteção, certo?! Desde nossa independência, já tivemos nove moedas, uma inflação que corroía e destruía qualquer patrimônio adquirido em questão de dias; passamos por ciclos e mais ciclos econômicos; congelamento de preços, descongelamento; lançamento de novas moedas; cortes de zeros nas moedas correntes; até confisco da poupança. Aprendemos no passado que algumas formas de investir eram, por exemplo, comprar carros, apartamentos, casas, terras, linhas telefônicas, joias. Nossa busca incessante foi por proteção em algo palpável, menos etéreo, algo que não desaparecesse da noite para o dia.
Veio o Plano Real, que conseguiu trazer a estabilidade tão almejada. Ao mesmo tempo, elevou as taxas de juros a níveis estratosféricos como forma de reconquistar a confiança dos agentes. Isso tudo sedimentou nossa postura como investidores conservadores que buscam proteção em ativos supostamente “livres de risco”, apesar de o Brasil possuir uma nota de risco de crédito semelhante à do Paraguai ou da Macedônia. No entanto, quando falamos dos americanos, eles conviveram com seu país sendo a maior economia do mundo por décadas. Um país que possui a mesma moeda há mais de 230 anos, onde o investimento em Bolsa de Valores existe há mais de 200 anos e onde existem empresas que pagam dividendos de forma ininterrupta por mais de 100 anos. Tudo isso os moldou com uma abordagem diferente aos investimentos, a qual vamos ver agora. É normal que os americanos apresentem, então, um comportamento diferente do brasileiro na hora de investir. É comum que a carteira dos investidores nos EUA assuma uma parcela maior daquilo que chamamos de risco, como no caso da renda variável, por exemplo.
Um cenário de juros bem diferente que influencia decisão de investidores
Apesar do momento único que vivemos, onde a taxa de juros americana se encontra no maior patamar desde 2007 ou, de maneira geral, na maior da história. Ela estruturalmente se mostrou inferior à taxa de juros brasileira. Refiro-me aqui apenas ao número da taxa Selic, por exemplo, em comparação com as taxas de Fed Funds. O risco relativo, o histórico do Brasil e mesmo o fato dos retornos serem em real, e não em dólar, explicam esses juros menores que tendem a afetar o comportamento do investidor brasileiro. Este menor juro em instrumentos considerados de menor risco, como a compra de um título de dívida do governo americano, cria um incentivo para o investidor buscar mais risco como forma de obter retornos mais elevados e rentabilizar suas carteiras.
Americanos investem em renda variável
Continuando o ponto acima, investir em ações faz parte da realidade do americano, sendo algo comum e não restrito apenas a indivíduos de elevado poder aquisitivo ou a uma pequena parcela da carteira do investidor. Segundo dados da B3 em 2022, o Brasil registrou aproximadamente 4,4 milhões de CPFs, cerca de 2% da população total, um número que tem apresentado uma evolução bastante significativa nos últimos anos. Já nos EUA, embora o número de pessoas que investem na Bolsa tenha sido maior anteriormente, desde 2016 temos observado um aumento, e hoje cerca de 61% dos americanos investem em ações, de acordo com levantamento da Gallup. Esse número inclui a posse de ações individuais, investimentos por meio de planos de pensão, fundos de investimento em ações e contas de aposentadoria (IRA accounts). Estamos falando que mais da metade da população americana, composta por 330 milhões de pessoas, investe no mercado de ações. São milhões de investidores ativos no mercado acionário. Uma economia que incentiva o investimento produtivo, grandes empresas consolidadas, um número muito maior de alternativas de ações e instituições que protegem o pequeno investidor são apenas alguns dos motivos pelos quais os americanos investem em ações. Porém, deixamos essa discussão para outro texto.
Maioria dos americanos possui fundos de investimento
Outra forma importante de investimento para os americanos são os mutual funds, que se assemelham aos nossos fundos de investimento. De acordo com uma pesquisa do Investment Company Institute (ICI), em 2022, 68,6 milhões, ou 52,3% das famílias nos Estados Unidos, possuíam fundos de investimento. Isso significa que cerca de 115,3 milhões de investidores individuais tinham fundos em 2022. Não por acaso, os EUA são de longe o país que possui o maior valor de ativos alocados em mutual funds. A título de comparação, a indústria de fundos americana totaliza quase US$ 33 trilhões, enquanto a indústria brasileira soma cerca de US$ 1,5 trilhão, de acordo com dados da Anbima.
Fundos listados vem cada vez sendo mais populares
Enquanto no Brasil a indústria de ETFs (Exchange Traded Funds – fundos listados em Bolsa) ainda está em sua fase inicial, nos EUA eles são uma realidade cada vez mais presente na vida do investidor individual. Pode-se dizer que o ETF foi uma inovação financeira dos últimos 30 anos que caiu no gosto do americano. Até mesmo grandes nomes como o megainvestidor e considerado oráculo, Warren Buffet, defenderam a ideia do investimento em ETF para pessoa física. Outro gestor conhecido, Ray Dalio, foi um usuário ativo de ETFs como parte da composição de portfólio enquanto esteve à frente da gestão da Bridgewater. De fato, qualquer métrica estudada mostra um crescimento exponencial desse veículo de investimento. Nos últimos 10 anos, o número de ETFs disponíveis nos EUA mais que dobrou, saindo de 1.160 para 2.702. Da mesma forma, o valor total dos ativos administrados ou detidos pelos ETFs saltou de menos de US$ 1 trilhão em 2010 para cerca de US$ 6,5 trilhões ao fim de 2022.
Com juros mais elevados, americanos têm investido mais em renda fixa
Apesar da taxa de juros americana ter sido estruturalmente muito baixa nas últimas duas décadas, por vezes próximas a zero, o momento atual é diferente e mais e mais americanos vêm se aproveitando disso. As famílias americanas compraram quase US$ 700 bilhões em títulos do Tesouro no primeiro semestre deste ano e, de acordo com o Financial Times, estão a caminho de comprar US$ 1,3 trilhão em títulos do Tesouro americano no ano. Citando dados da Goldman Sachs, o Financial Times informou que as famílias norte-americanas possuem 9% do mercado de títulos do Tesouro, um aumento considerável em relação aos 2% do início de 2022.
Investir no exterior é semelhante a fazer uma viagem internacional. Quantos já tiveram a experiência de se surpreender e até se maravilhar com as opções existentes lá fora? Sim, é verdade que sentimos falta do arroz e feijão bem brasileiros, mas, por outro lado, abrimos nossas mentes para outras experiências. Não existe uma carteira “padrão americana”, pois há grande liberdade e uma ampla variedade de alternativas de investimento. No entanto, se pudéssemos resumir, podemos dizer que a parcela investida em ações representa uma parte relevante da carteira, que os ETFs são uma opção inovadora que trouxe uma boa solução ao investidor comum e que o momento tem sido muito propício para investimentos de renda fixa. Investir nos EUA nos proporciona a oportunidade de guardar recursos em um ambiente mais aberto e propício a negócios, com maior segurança e em moeda forte. Mas, ao mesmo tempo, precisamos nos habituar a entender as nuances e diferenças desse mercado.