SuperApps ganham força também no B2B

Conforme o fim do ano se aproxima, uma das principais tarefas de consultores e estudiosos do setor de TI é encontrar que tendências ou tecnologias específicas irão “hypar” em 2023. Tomo a liberdade do neologismo porque o Gartner, por exemplo, utiliza exatamente esse termo para designar o movimento, e não por acaso divulgou recentemente estudos como o Hype Cycle for Emerging Technologies 2022, ou listas como 10 principais tendências tecnológicas para 2023.

A coincidência entre esses dois documentos é a presença de uma tendência que talvez não seja assim tão nova. Em meio aos sistemas autônomos com IA, ao metaverso e à Web3, por exemplo, ou à pressão crescente por tecnologias mais sustentáveis, lá estão os “super aplicativos”, ou simplesmente superapps.

Um superapp combina recursos de um aplicativo móvel, uma plataforma e um ecossistema – tudo em um único software móvel. Possui um conjunto de funcionalidades, mas também fornece ambiente para terceiros desenvolverem e publicarem “miniaplicativos”. Essa é a definição do próprio Gartner, segundo o qual até 2027 mais de 50% da população global será usuária diária de não só um, mas vários superapps.

Na Ásia esses apps móveis gigantes são velhos conhecidos – com o WeChat sendo de longe o exemplo mais batido. Na África crescem a olhos vistos, uma vez que muitos usuários começam a se digitalizar em um smartphone – cenário aliás não muito diferente da América Latina ou mesmo da Índia.

“Na Índia eles [os usuários] pularam a era do PC. Foram direto para o smartphone e dispositivos inteligentes. No Brasil também, seja em serviços bancários ou governamentais”, pondera Wong, que também salienta o crescimento do uso de apps durante o período de pandemia. “Os usuários tendem a gravitar e usar um número muito seleto de apps, e aí como atrair a atenção deles?”

No Brasil e América Latina os superapps têm demonstrado força enquanto tendência. Basta observar apps como o do iFood, o do banco Inter ou o Magalu, ou mesmo o WhatsApp, para ficar apenas em exemplos mais conhecidos. Já nos EUA e na Europa, os superapps ainda têm um longo caminho a percorrer.

“Mercados mais desenvolvidos tem regulações e políticas que talvez atrapalhem um pouco a inovação”, pondera Jason Wong, analista e vice-presidente de pesquisa do Gartner, em conversa exclusiva com o IT Forum. “Talvez a cultura dos consumidores norte-americanos hoje seja sobre não querer que um único aplicativo tenha tanta informação sobre eles.”

De todo modo, nos EUA os superapps começam a ganhar terreno. Segundo Wong, embora o

Gartner ainda não tenha tantos dados específicos sobre a tendência em nenhum mercado específico, há a necessidade de mapeá-la melhor, uma vez que ela tem se tornado global e espalhada entre várias indústrias. O analista cita especificamente os setores financeiros, de varejo e saúde.

Mas a grande novidade, diz Wong, é que agora os superapps não estão só nas mãos do consumidor, e começam a se proliferar também nas empresas. É o superapp B2B.

Superapps corporativos?

Segundo o Gartner, embora a maioria dos exemplos de superapp sejam de aplicações móveis para o consumidor final, o conceito pode ser perfeitamente aplicado ao desktop, ou seja, é multiplataforma. E cabe também no mundo corporativo, servindo com perfeição à rotina dos funcionários das corporações.

Segundo o analista, a grande vantagem do conceito de superapp sobre os apps tradicionais, geralmente voltados a apenas um único serviço, é que eles não precisam ter “15 milhões de usuários” para se mostrarem viáveis. “Podem ter 500, contanto que tragam valor para o usuário e eles usem com frequência.”

É aí que entram os superapps B2B, em que um número de usuários depende da perspectiva da empresa, dispensando a ferrenha competição enfrentada em lojas como a PlayStore e a App Store. “Se você é uma companhia de field services, vale construir um super app para eles [os funcionários]. O tamanho da população [usuária] não importa, ele pode ser mais preciso em termos de funcionalidade.”

São exemplos mais óbvios de superapps B2B, segundo Wong, aplicações de comunicação empresarial, como o Microsoft Teams e o Slack, que não param de ganhar funcionalidades acessórias ao longo dos últimos anos. Esses “miniaplicativos” permitem consolidar e até substituir recursos pulverizados em outras aplicações para uso de clientes ou funcionários.

“Superapps prometem centralizar a maior parte das atividades online dos usuários. Nesse sentido, entendemos que o Slack pode sim se enquadrar nesse conceito, uma vez que a ferramenta funciona como um escritório virtual, onde todas as demandas podem ser controladas e visualizadas por funcionários e clientes, independentemente de onde estiverem trabalhando”, pondera Juliano Triska, vice-presidente de vendas para o Slack no Brasil da Salesforce.

A Salesforce comprou o Slack em novembro de 2020, e desde então tem se esforçado para centralizar nele todo um ecossistema de trabalho. Atualmente são mais de 2.700 aplicações integradas ao Slack, segundo Triska, o que segundo ele permite que várias das rotinas já existentes dentro das organizações possam ser acessadas e operadas via Slack.

“Caso o cliente tenha uma aplicação própria que ainda não esteja conectada ao Slack, é muito rápido de integrá-la através de APIs, bem como os fluxos de trabalho através de no-code”, garante o executivo.

Segundo Triska, um dos maiores usuários do Slack enquanto superapp é a própria Salesforce. Novos formatos para a colaboração e comunicação foram adotados na empresa, com possibilidades de alinhamento não só dentro da companhia, mas com usuários externos da ferramenta, inclusive parceiros e clientes.

“São enviados cada vez menos e-mails e a quantidade de utilização de recursos como chamadas de voz e/ou vídeos tem aumentado”, explica. “Com o Slack a Salesforce reduziu em média 26% o tempo de resolução do chamado dos clientes, reduziu em mais de 50% o número de e-mails enviados, e em mais de 80% o tempo de aprovação de relatórios de despesas.”

Exemplos americanos

Para Jason Wong, do Gartner, há três categorias de superapps corporativos. O primeiro é o que que permite gestão de conhecimento e comunicação, como os já citados Slack e Teams. O segundo é voltado para parceiros de negócio, ou seja, stakeholders, e tem como finalidade principalmente engajar esse público e consolidar aplicações em comum.

O terceiro e o último é aquele voltado para trabalhadores da linha de frente. Tem sido usado com sucesso em diferentes indústrias, como óleo e gás, mineração, indústria, supply chain e varejo. Rodam principalmente em smartphones e tem como objetivo apoiar o trabalho de pessoas que estão “lá fora”.

“Eles estão indo para um próximo nível quando se trata de consolidar aplicações e funcionalidades em uma simples interface. É muita coisa para navegar através, e a ideia do superapp é permitir usos muito específicos, em que eu ativo os ‘miniapps’ que quero e depois se não quero mais desativo”, explica.

Wong cita como exemplo de superapp corporativo bem-sucedido o Me@Walmart, lançado em junho de 2021 pela rede americana de varejo nos EUA. O desenvolvido foi feito internamente, e o aplicativo traz recursos para simplificar tarefas diárias para os “associados”, como a empresa chama os trabalhadores.

“A ideia do aplicativo começou como uma forma de gerenciar as agendas dos associados e se transformou em nosso aplicativo único na loja para associados dos EUA, economizando tempo e ajudando-os a serem mais eficientes”, escreveu Drew Holler, à época vice-presidente sênior de pessoas no Walmart americano, durante o lançamento do app.

Entre os recursos oferecidos estão agendamento e visualização de turnos e folgas, marcação de ponto e até um assistente pessoal – o Sam – capaz de tirar dúvidas sobre mercadorias e estoques, além de outras dúvidas comuns dos consumidores na loja. Esse último recurso estava antes em um aplicativo separado e foi integrado ao Me@Walmart.

Recursos de realidade aumentada para controle de estoque estavam nos planos de desenvolvimento do app. O objetivo do Walmart era oferecer gratuitamente aos mais de 740 mil funcionários da empresa nos EUA um smartphone Samsung com o superapp.

* matéria originalmente publicada na edição de novembro da Revista IT Forum