Trump quer guerra, mas apenas com a China

A imprevisibilidade da guerra comercial proposta por Donald Trump, mostra mais uma vez uma nova faceta de sua estratégia ousada e pouco ortodoxa. Ao anunciar perante todas as nações do mundo tarifas universais em uma tabela bastante fácil de se compreender, a pane global de nações dos mais diversos tamanhos e perfis econômicos foi generalizada. Ao encontrarmos o pequeno reino africano de Lesoto e a gigante da manufatura China, na mesma lista, logo inferimos que era uma medida protecionista que buscava isolar os Estados Unidos do resto do mundo. A volatilidade dos mercados e as quedas bruscas desta semana, apenas corroboraram a tese de que a nova administração norte-americana escolhera uma ruptura com o modelo vigente de comércio mundial há décadas.
Todavia, quando há Donald Trump presente em certos assuntos, há também razões mais profundas por trás de suas decisões. Em um movimento inesperado, mas bem calculado, o mandatário anunciou uma limitação nas tarifas universais por 90 dias, para apenas 10%, garantindo a pelo menos 75 países a mais baixa alíquota proposta desde que anunciou o tarifaço. A exceção teria nome e endereço, a China. Ao não receber de forma positiva o anúncio da segunda rodada retaliatória dos chineses, que ampliaram para 84% as tarifas sob os produtos norte-americanos, Donald Trump aumentou mais uma vez os impostos, já expressivos, para Pequim, chegando aos incríveis 125% de taxas.
Ao recuar em sua decisão de tarifas universais exorbitantes, o mercado da América do Norte, o único aberto no horário do anúncio, reagiu extremamente bem. Os índices e as principais empresas que amargavam duras quedas percentuais e perdas de bilhões de dólares, voltaram a crescer com força, indicando um alívio também para o mercado europeu nos próximos dias. Contudo, a escalada da guerra comercial, agora na forma de um duelo pessoal com a China, pode ainda afetar a recuperação dos mercados da Ásia e de algumas empresas de tecnologia específicas, que dependem das boas relações sino-americanas para continuar dando lucros.
O presidente norte-americano concluiu este dia de declarações, dizendo que o presidente chinês, Xi Jinping, é alguém inteligente e que os Estados Unidos estão dispostos a encontrar um acordo através de uma negociação benéfica para ambos os lados, mas deixou subentendido que espera que o primeiro passo seja dado por Pequim em busca da conciliação. Em um jogo que se tornou muito mais geopolítico que econômico, Donald Trump, sabe que nenhum sinal de fraqueza pode ser percebido pelo seu oponente e pelas demais nações que assistem a este duelo de bilhões de dólares.
Enquanto muitas pessoas apontam o receio de uma espiral do caos para o recuo de Trump aos aliados, outros analistas consideram que foi um jogo bem ensaiado e programado para ter este exato desfecho. Ao dar o mínimo de afago a quem sempre esteve ao lado dos Estados Unidos, o republicano confirmaria que ainda é um parceiro confiável, enquanto traça claramente a linha que separa os dois hemisférios ideológicos do planeta.
Além da palavra proferida e escrita, a semiótica tem um papel fundamental nas projeções dos próximos capítulos desta guerra. Donald Trump não abre mão dos símbolos de status e poder que tem individualmente como empresário e político, ou coletivamente como líder da nação estado-unidense. Ser o primeiro a buscar o caminho do meio, o primeiro a estender a mão para selar uma negociação seria um gesto de fraqueza, por isso, é fundamental na sua visão de mundo, que a China escolha o sinal de humildade e busque o diálogo primeiro.
Por enquanto, as declarações e a postura de Pequim têm sido contundentes e recíprocas, não demonstrando nenhuma iniciativa de conciliação. Para as ambições nacionais de Xi Jinping alcançar a hegemonia econômica com seu país ainda em seus anos de mandato, seria um legado que o transformaria em o maior estadista do país desde seu pai fundador. Neste cenário de dobras de apostas e falar mais alto através de tarifas exorbitantes, o primeiro que sair de sua posição, supostamente “falhará” como o líder de sua respectiva nação. Os próximos capítulos tendem a ser definidores não apenas do quadro econômico de 2025, mas de todos os paradigmas que definiram a geopolítica mundial desde o fim da Guerra Fria.