Vem aí um La Niña forte em 2024? Entenda os efeitos

A Bolsa de Comércio de Rosário, na Argentina, revelou que a ocorrência do fenômeno La Niña poderá ser de forte intensidade ainda em 2024. Em documento, os argentinos afirmam que os modelos climáticos calculam um maior grau de intensidade de resfriamento das águas do Oceano Pacífico e em outubro as temperaturas estarão em um patamar que favorece o fenômeno mais intenso. Eu conversei sobre o tema com o meteorologista Celso Oliveira, do Grupo Safira. Acompanhe:

Vem aí um la Niña forte em 2024? A gente já pode falar, sim, do fenômeno La Niña. A expectativa é de resfriamento das águas do Oceano Pacífico. Agora, existe aí uma questão, pois o relatório da Bolsa de Rosário trabalhou com a simulação americana, que vem indicando uma queda mais acentuada da temperatura no Oceano Pacífico. Se olharmos outras simulações, por exemplo, europeias, elas também trabalham com a hipótese de queda de temperatura. Então, a volta do La Niña, sim, está praticamente confirmada. Porém, essa queda é um pouco mais gradativa. E aí vem um ponto: se olharmos para esse El Niño que estamos vivendo agora, a simulação europeia teve um melhor desempenho para enxergar, para prever a intensidade desse fenômeno, como ele veio se desenvolvendo. Então, eu acho que existem aí algumas dúvidas com relação à intensidade, mas já devemos nos preparar para uma mudança do padrão de temperatura do Pacífico, saindo agora de um El NIño, passando rapidamente por uma neutralidade e caminhando por um fenômeno La Niña, por um resfriamento das águas do pacífico mais para o final de 2024.

Então, não há um consenso entre o modelo europeu e americano? E o americano indica que pode haver um La Niña de forte intensidade, enquanto o europeu ainda não indica isso? Sim, mas o importante é a gente perceber que os dois trabalham com o mesmo cenário de queda de temperatura. Então, nesse aspecto, águas mais frias no Pacífico, um desenvolvimento de um La Niña parece-me, inclusive, a própria NOAA nos Estados Unidos já soltou um aviso de aparecimento do La Niña no decorrer de 2024, isso me parece-me mais evidente. A questão talvez entre aí nos detalhes. Uma simulação acaba indicando esse fenômeno mais intenso, outra nem tanto. Mas — isso que eu acho o mais importante — as duas trabalham com o mesmo vetor de queda de temperatura do Pacífico.

Quando esses efeitos vão ser sentidos? Mais no verão. Então, é importante porque algumas vezes, passa a impressão de que as coisas estão caminhando muito rápido. “Ah, o El Niño vai acabar dentro de pouquíssimo tempo e o La Niña já vai dominar o clima, por exemplo, já no inverno ou no próprio outono”. Pelo que as simulações vêm indicando, esse padrão, essa mudança, sentiremos mais os efeitos do fenômeno La Niña mas para o final do ano de 2024 e no início do ano de 2025. Então, ainda estamos sob um El Niño forte. E os efeitos, por exemplo, deles, desse fenômeno ainda será sentido, por exemplo, agora, nessa segunda safra de milho, de algodão e parte do trigo. A instalação do trigo agora no Sul do Brasil ainda vai ter um certo resquício do El Niño, principalmente nas áreas em que são instaladas de forma mais precoce, principalmente no Estado do Paraná. É importante termos a noção de que existe o tempo da natureza, e esse tempo da natureza não é tão rápido como a gente imagina.

A Bolsa de Rosário, na Argentina, fala em outubro já ter alguns efeitos e diz ainda que esse fenômeno La Niña pode ter temperaturas parecidas com anos de 2007/2008 e 1999/2000. Nestes anos, a gente teve alguma quebra de safra importante, algum fator que você poderia estabelecer algum paralelo com o que aconteceu na Argentina, no Brasil nesta época, para a gente tentar assemelhar os cenários olhando para safras? Eu acho que o primeiro ponto nessa questão é percebermos que estamos ainda num primeiro ano de La Niña, quando, de fato, a temperatura do Pacífico declinar. E nesse aspecto que vem o ponto: se olharmos a quebra da safra no Sul, que acontece em função do resfriamento das águas do Pacífico, ou mesmo na Argentina, a gente percebe que essa quebra, ela acontece mais fortemente no segundo ano. Não quer dizer que não teremos ausência de chuva. Na realidade, o risco de estiagem é maior esse ano, principalmente pensando em soja no Rio Grande do Sul, eventualmente o final também do ciclo da soja no estado do Paraná. Porém, esse efeito, ele costuma ser menos intenso, um pouco mais atenuado em relação ao segundo ano. O que me preocupa nesse momento é a questão de termos no decorrer de 2025 ainda uma previsão de águas mais frias, isso que preocupa mais. Ou seja, da impressão, pelas simulações, claro, a gente está enxergando aí um cenário muito amplo, já enxergando lá para o final e para o decorrer de 2025. Mas, o que preocupa nesse primeiro momento é que há um resfriamento agora em 2024 e ele avança ao longo de 2025. E aí você começa a acumular problemas. Então, no primeiro ano você ainda tem água, muitas vezes, no solo. Isso eventualmente minimiza os efeitos de uma diminuição da precipitação, mas depois, lá na frente, acaba trazendo efeitos mais significativos. Esse é o primeiro ponto. Agora, com relação ao La Niña de 2007/2008, ele começou depois de um El Nino. É possível fazer aí uma certa comparação porque foi uma transição de um El Niño para o La Niña. Já em 1999/2000, a questão é que a gente já vinha de um La Nina na safra anterior, então foi o segundo ano. Então, sim, fazendo a comparação apenas de temperaturas, as temperaturas são semelhantes às previstas de 2024 para observada em 1999/2000. O problema é que especificamente pensando em safra, pensando em todo o contexto, aquele ano 1999/2000 já foi o segundo ano de La Niña e aí acabou tendo efeitos mais significativos no Sul e na Argentina.

A gente sai de um El Niño, que ainda deve impactar as condições climáticas da safra de inverno, e caminha para um La Niña que terá impacto, sim, na safra de verão. É cedo para dizer, não há unanimidade se esse La Niña será deforme intensidade. Não sendo um La Niña de forte intensidade, isso significa que ele pode ser um La Niña com efeitos mais moderados, não uma estiagem severa no Sul, não excesso de chuva ou enchente no Norte? Essa é uma questão complicada e até a Bolsa de Cereais de Rosário, o estudo, chama atenção para isso, que não existem apenas efeitos no Oceano Pacífico, existem outros efeitos no Atlântico, no Índico, enfim, outras partes, outros oceanos no globo. E aí alguns pontos que me chamaram a atenção nas previsões mais estendidas. O primeiro deles: a temperatura do Atlântico Norte vai ficar mais elevada que a do Atlântico Sul, ali perto da da linha de Equador. Quando isso acontece, independentemente de El Niño ou La Niña, tivemos um La Niña em 2020 com estiagem na primavera e tivemos agora um El Niño em 2023 também com estiagem em boa parte do centro e norte do país, e o motivo principal foi essa temperatura do Atlântico alta. Pensando em primavera, o que me preocupa aí é a questão do retorno das chuvas para o centro e norte do Brasil. Esse eu acho que é o primeiro ponto. E com relação à questão da intensidade do fenômeno e à ligação com os seus efeitos, eventualmente, você pode ter um fenômeno não muito intenso e a soma de efeitos provocar uma consequência mais significativa. Um exemplo que eu dou é esse é El Niño, que aconteceu, que foi forte. Mas não foi mais forte do que o 1982/1983, o 1997/1998, 2015/2016, porém a quantidade de chuva registrada no Rio Grande do Sul e Santa Catarina foi a maior em 90 anos, olhando aí para outubro e novembro. Então, precisamos analisar não apenas a intensidade do fenômeno, mas também a questão de todo o entorno, como é que estão as temperaturas de outros oceanos para, aí, fazermos a correlação. Essas ondas vão se amplificar, vão se somar e provocar algo extremo, ou eventualmente uma dessas ondas pode atenuar o efeito do La Niña.

A sua impressão é que estas ondas, essas outras questões vão fazer com que o La Niña seja de forte intensidade? Esses efeitos vão começar já na primavera? Com relação a primavera, sim. A gente já pode ter alguns efeitos desse resfriamento na primavera, mas aí eu chamo atenção. Isso é mais para o último trimestre, mais para o final do ano de 2024, início de 2025. Num primeiro momento, com relação aos efeitos, nós temos aí uma tendência de atraso na regularização das chuvas no Centro e Norte do país. E com relação ao Sul do Brasil e Argentina, vale a questão que eu comentei. Normalmente, esse primeiro ano de La Niña não costuma trazer tantos transtornos como num segundo ou eventualmente num terceiro ano. E é exatamente nesse cenário que estamos agora. Estamos saindo de um El Niño e caminhando para um La Niña. Então, nesse aspecto, a gente costuma ter efeitos minimizados. Não que eles não sejam sentidos, mas eles acabam sendo minimizados mais para o final do ano de 2024 e início de 2025.