Vigília de corpos à espera de resgate, nevasca e falta de abrigo: Sobreviventes do terremoto vivem caos na Turquia

Mais de 40h horas após um terremoto de magnitude 7,8 atingir a Turquia e a Síria, grande parte da populaçãoainda encontra-se desamparada. Na região Sul e Sudeste da Turquia, onde o impacto dos tremores foram maiores, sobreviventes estão desabrigados e têm de enfrentar uma nevasca e chuva torrencial sem um teto seguro sob suas cabeças. Faltam abrigos e suprimentos. Familiares mantêm-se ao lado dos corpos de entes queridos mortos, à espera de resgate, e crianças seguem sendo retiradas com vida dos escombros. As condições meteorológicas na região dificultam os trabalhos de resgate e prejudicam as perspectivas dos sobreviventes, que se aquecem em barracas, ou ao lado de fogueiras improvisadas. Em meio à falta de ajuda às vítimas do terremoto que deixou milhares de mortos, o clima é de ruína e desolação. Em Kahramanmaras, nenhuma ajuda ou suprimentos havia chegado a esta cidade de mais de um milhão de habitantes, situada no sul da região da Capadócia até esta terça-feira, 7. “Onde está o Estado? Onde estão? Olhe ao seu redor. Não tem um único funcionário, pelo amor de Deus. Já se passaram dois dias, e não vimos ninguém. Não trouxeram nem um único tijolo. As crianças morreram congeladas”, desabafou Ali Sagiroglu, que espera por reforços há dois dias, ainda na esperança de ver seu irmão e seu sobrinho, presos nos escombros de seu prédio. Na noite de ontem, a primeira após a catástrofe, uma nevasca misturada com chuva torrencial envolveu os sobreviventes em um frio úmido. Sem nem mesmo uma barraca para se abrigar, quem tinha carro pernoitou no veículo, enquanto outros se amontoavam em torno de braseiros na rua. “Ontem de manhã você ainda podia ouvir as vozes pedindo ajuda nos escombros, mas elas se calaram. As pessoas provavelmente morreram congeladas”, disse um homem de 40 anos que procurou ajuda e pediu para não ser identificado. Segundo ele, pelo menos 150 pessoas ficaram presas em cada prédio do conjunto de Ebrar. Nas ruas devastadas, os sobreviventes esperam ao lado dos corpos de seus entes queridos, enrolados em uma manta. Ninguém aparece para buscá-los.  Na casa de Cuma Yildiz, há raiva e tristeza ao mesmo tempo. “Onde eles estão? Falam, falam, brigam feito cães, mas onde estão agora?”, questiona, chorando.

Em Antioquia, bem mais ao sul, os sobreviventes se encontram no mesmo estado de abandono. Onur Kayai, de 40 anos, passa em frente a seu prédio em ruínas, suplicando por ajuda para sua mãe e seu irmão. Tentou libertá-los, com suas próprias mãos, várias vezes.  “Já movi três pedras sobre a cabeça do meu irmão, mas é muito difícil. A voz da minha mãe ainda é clara, mas não ouço mais a do meu irmão”, lamenta. Sem ajuda, sem comida e sem comunicação, a população é obrigada a se virar sozinha. A professora de jardim de infância Semire Coban, de 45 anos, corre desesperada em direção às duas equipes de resgate locais que ela encontrou. Três de seus parentes, incluindo um sobrinho, estão enterrados. “Preferem se concentrar nos lugares onde ainda se ouvem vozes entre as ruínas”, diz. A família de Semire não responde mais. Na tentativa de desmentir as queixas da população, o ministro do Interior, Suleyman Soylu, visitou Kahramanmaras nesta terça-feira e afirmou que, até agora, 2 mil socorristas foram mobilizados para as áreas afetadas. Diante da crescente frustração, o presidente Recep Tayyip Erdogan declarou, nesta terça, estado de emergência nas províncias afetadas.  Equipes da Organização das Nações Unidas já estão no terreno estabelecendo necessidades e prestando assistência aos cerca de 10 mil feridos e dezenas de milhares de desabrigados após o colapso total ou parcial de milhares de edifícios.

“A OMS está ciente da forte capacidade de resposta da Turquia e considera que as principais necessidades não atendidas podem estar na Síria, no imediato e no médio prazo”, disse a diretora de Emergências da OMS, Adelheid Marschang, ao conselho executivo da agência da ONU. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou para a a urgência da situação: “Agora é uma corrida contra o relógio. A cada minuto que passa, a cada hora que passa, diminuem as chances de encontrar sobreviventes”. Em vários momentos sem ferramentas, os bombeiros prosseguiram com a dramática busca por sobreviventes durante a noite, desafiando o frio, a chuva, ou a neve, assim como o risco de novos desabamentos. Em Jindires, uma localidade síria na fronteira com a Turquia, uma recém-nascida, ainda com o cordão umbilical ligado a sua mãe, foi encontrada viva nos escombros de um prédio. Mais ao sul, em Aleppo, Mahmud al Ali aguarda ao lado de um edifício destruído. “Minha sogra, meu sogro e dois de seus filhos (estão presos)”, conta. “Estamos aqui, sentados, no frio e na chuva, esperando que a equipe de resgate comece a cavar”.  Em Hatay, sul da Turquia, as equipes de emergência resgataram com vida uma menina de 7 anos que estava bloqueada sob uma montanha de escombros. “Onde está minha mãe?”, perguntou a criança, com um pijama de cor rosa manchado pela poeira, no colo de um socorrista.

O terremoto aumentou a pressão sobre organizações humanitárias e países ocidentais para que ajudem a população síria, especialmente na zona rebelde de Idlib, no norte do país. Países como França, Alemanha e Estados Unidos prometeram ajudar as vítimas sírias, mas sem enviar ajuda imediata. Ajudar a população síria “no contexto político de um regime que desencadeou uma guerra civil que dura dez anos” é complicado, avaliou Laurence Boone, secretária de Estado francesa para a Europa perante a Câmara baixa francesa. “A Síria continua sendo uma zona obscura do ponto de vista legal e diplomático”, avalia o diretor do programa para a Síria da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), Marc Schakal, pedindo que a ajuda seja enviada “o mais rápido possível”. Schakal teme que ONGs locais e internacionais fiquem sobrecarregadas em um país devastado por quase 12 anos de guerra civil na qual se enfrentam diversos lados – forças governamentais, rebeldes, jihadistas e curdos, entre outros – e tropas de vários países estrangeiros estão mobilizadas.

A única via direta para a entrada de produtos e serviços nas áreas controladas pela oposição no noroeste da Síria foi danificada pelos terremotos e permanece aberta nesta terça-feira apenas para a passagem de ajuda humanitária. Bab al Hawa é o único ponto através do qual os suprimentos estão entrando nas áreas controladas pela oposição em Idlib e Aleppo, com exceção de remessas ocasionais de ajuda humanitária por parte das Nações Unidas a partir de áreas controladas pelo governo de Bashar al Assad. O porta-voz do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha), Jens Laerke, confirmou hoje em Genebra que as remessas foram afetadas pelos terremotos “em termos de estrutura física”, sem detalhar a extensão dos danos. Fontes de organizações humanitárias disseram à Agência EFE que as estradas que levam à passagem de fronteira estão em péssimo estado, tanto do lado turco como do sírio. Além de Bab al Hawa, outras infraestruturas públicas sofreram danos na mesma região, dificultando a realização de trabalhos humanitários junto com outros antigos problemas na Síria, como escassez geral de combustível e falta de equipamentos especializados para operações de resgate. “Vários terremotos e tremores de terra ontem e hoje danificaram estradas, passagens de fronteira e infraestrutura crítica, dificultando seriamente os esforços humanitários”, disse hoje a diretora do Comitê Internacional de Resgate (IRC) para a Síria, Tanya Evans.

Pelo menos 7,2  mil pessoas morreram e mais de 30 mil ficaram feridas na Turquia e na Síria devido aos dois terremotos devastadores ocorridos ontem, enquanto os esforços de resgate continuam nesta terça-feira com o temor de que ainda haja centenas ou milhares de pessoas presas sob os escombros. Ao menos 5.434 pessoas morreram na Turquia e 1.832 na Síria, somando as vítimas das regiões controladas pelo governo e também das áreas dominadas pelos rebeldes, o que eleva o total a 7.175, de acordo com as autoridades locais e fontes médicas. Estima-se neste momento que a Síria tenha pelo menos 3.500 pessoas feridas e a Turquia, 20.534. Além disso, os terremotos deixaram um total de 5.775 edifícios demolidos. Diante desta catástrofe, o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan declarou estado de emergência por três meses nas dez províncias afetadas. Até agora, foram registrados 435 tremores secundários menos intensos nas áreas afetadas, onde mais de 60 mil pessoas trabalham em tarefas de resgate e remoção de destroços, em uma operação que conta com mais de uma centena de aviões e helicópteros mobilizados.

*Com informações das agências AFP e EFE