A história de Seu Bastião, o homem de poucas palavras que cuida dos jardins do Parque do Ibirapuera

Os jardins que emolduram o Museu do Ipiranga foram concebidos no início do século 20, quando a cidade de São Paulo passava por uma transformação cultural e urbanística. Inicialmente, os jardins que compõem o Parque da Independência, onde se encontra o museu, foram projetados pelo paisagista belga Arsènne Puttemans em 1907 e inaugurados em 1909, por encomenda de Carlos Botelho, então secretário estadual de Agricultura e Obras Públicas. No entanto, aproximadamente entre 1919 e 1920, por ocasião do centenário da Independência do Brasil, diversas obras de embelezamento e expansão foram realizadas no parque, incluindo a remodelação do jardim francês. Coube a Reynaldo Dierberger, proprietário da empresa Dierberger & Cia, a tarefa de transformar o Jardim Francês do Museu do Ipiranga. Com a proposta em mãos, tomou como base o desenho neoclássico francês original de Arsènne Puttemans, incorporando ornamentos alegóricos criados por José Auricchio. O resultado foi um jardim que manteve, apesar da renovação, sua essência.

Para compreender a relevância desse jardim, é essencial traçar um breve panorama da história dos jardins no Brasil, que, entre os séculos XVI e final do XVIII, tinham uma natureza predominantemente utilitária, servindo como horta, pomar e áreas de recreação, frequentemente protegidos por muros ou grades. Essa miscelânea de estilos e preferências resultava em projetos que poderiam ser caracterizados como ecléticos. Nos jardins, predominava o uso de mobiliário em pedra, como mármore e granito, para a criação de fontes, chafarizes, repuxos e bancos, relegando a vegetação a um papel secundário em relação à arquitetura. Isso ocorreu porque, naquela época, não havia um estilo paisagístico predominante no Brasil, ao contrário do que ocorria em outros países, como os jardins barrocos da França ou os jardins românticos ingleses. Essa diversidade de estilos levou à criação do termo “ecletismo no paisagismo”, que caracterizava os projetos de jardins desse período.

No entanto, a virada para o século XIX marcou uma ruptura nos padrões coloniais, especialmente nos núcleos urbanos em crescimento. A valorização dos espaços ajardinados ganhou força, principalmente nos logradouros públicos, acompanhando as melhorias urbanas promovidas pela instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro. O Brasil viu-se inundado por diversos estilos de jardins que se combinaram para criar espaços públicos destinado ao passeio e contemplação. Ao estabelecer-se no Rio de Janeiro, a família real portuguesa e sua comitiva trouxeram consigo técnicos capacitados e materiais importados que enriqueceram a paisagem urbana brasileira além de fundarem a Academia Imperial de Belas Artes, que teve participação ativa de franceses. Associado a esses fatos, a abertura dos portos às nações amigas, o Decreto de 1808, permitiu a entrada de técnicos europeus qualificados e materiais que contribuíram para a renovação das cidades brasileiras.

Nesse contexto, o paisagismo ganhou destaque, com a introdução de modelos estéticos sofisticados. Jardineiros, botânicos e naturalistas europeus, especialmente franceses, desempenharam um papel importante na modelagem das paisagens brasileiras e na renovação urbana por meio da valorização crescente dos espaços ajardinados, especialmente nos logradouros públicos, que passaram a ser projetados por paisagistas com autoria definida. Além da criação de palacetes e sobrados com espaços ajardinados. Seus projetos incluíam equipamentos decorativos, como pavilhões, coretos, esculturas, fontes e luminárias, tornando os espaços urbanos mais atraentes e funcionais. Foi neste período que, apesar da prática ambientalmente inadequada para um olhar contemporâneo mais acurado, a introdução de espécies botânicas de outros continentes ocorreu intensamente. À época, esta prática era bem-vista, pois “enriquecia” a diversidade botânica. Vale ressaltar, neste ponto, que as pesquisas botânicas eram incipientes no período. Foi nesta época também que se estabeleceram os hortos e a troca de sementes entre jardins botânicos contribuindo para a difusão dessas espécies.

No Brasil, a influência do estilo urbanístico e paisagístico anglo-francês propagado por Jean-Charles-Adolphe Alphand foi marcante. Na qualidade de engenheiro, renovou e embelezou a cidade de Paris sob a direção do barão Haussmann e comando de Napoleão III. Esse estilo inspirou projetos em países da América Latina, incluindo o Brasil cujas variações estilísticas conhecidas como jardim romântico e jardim inglês, encontraram espaço, encaixando-se nesse contexto de transformação e valorização dos espaços ajardinados no Brasil. Reynaldo Dierberger, com sua expertise e sensibilidade, deu continuidade ao projeto original de Arsènne Puttemans, garantindo que o jardim mantivesse suas formas neoclássicas francesas. 

Para a celebração do bicentenário da independência em 2022, os jardins do museu passaram por projeto de restauro. Assinado pelo arquiteto Raul Pereira, a execução foi organizada pelo paisagista Eduardo Funari que, dentre os vários desafios, destaca-se a reconstituição das topiarias, técnica que dá formas esculturais às plantas e se inspira no formato do Palácio de Versalhes, na França. Ele acrescentou que a nutrição da vegetação foi fundamental para a reconstituição das espécies, muitas delas presentes desde 1920. 

Não menos importante é o papel dos jardineiros na manutenção dos jardins que compõem o Parque da Independência. Num artigo produzido pela arquiteta Fabíola Costa Santos, orientado pela professora doutora Francine Sakata, para o curso de pós-graduação do Senac, descobri o jardineiro que zela pelos jardins do Parque da Independência há exatos 22 anos. Seu Sebastião (ou Bastião, como é mais conhecido por todos) é um homem de poucas palavras, mansidão na fala e que está sempre atento ao que acontece ao seu redor. Pegou o gosto por cuidar da terra quando trabalhou na roça, lá no Paraná. Foi parar em São Paulo. Ainda como metalúrgico, resolveu fazer o curso de jardinagem no Viveiro Municipal Manequinho Lopes, no Parque do Ibirapuera, e que existe até os dias de hoje. Quando estava na faculdade, também passei por ele. Foi importante, pois forneceu os princípios de plantio e manutenção de espécies vegetais urbanas que utilizei em meus futuros projetos na área. Frequentemente subestimados, os jardineiros desempenham um papel vital na conservação dos jardins históricos.

Seu Bastião é mais do que um simples jardineiro; ele é um observador atento e acumulou um profundo conhecimento ao longo de sua jornada. Sua expertise é transmitida com humildade e sabedoria aos colegas de profissão, destacando que a experiência é uma das melhores professoras. Além disso, ele compreende a importância do trabalho em equipe, colaborando com botânicos e paisagistas para manter o jardim saudável e fiel à sua concepção original. Graças ao comprometimento de profissionais como Arsènne Puttemans, Reynaldo Dierberger, Raul Pereira, Seu Bastião e tantos outros que diariamente zelam pelo patrimônio paisagístico brasileiro, o jardim continua e continuará a encantar, educar e inspirar, lembrando-nos de que a conservação da paisagem é uma responsabilidade compartilhada, em que cada gesto diário contribui para a beleza duradoura da cidade.