‘A mãe não tem que dividir igualmente as despesas do filho que tem pai ausente’, defende advogado em processos de pensão

Em uma pesquisa nas redes sociais me deparei com essa frase: “A mãe não tem que dividir em 50 e 50 as despesas do filho que tem pai ausente”. O título chamou minha atenção e, por isso, fui conhecer o trabalho de Rafael Gonçalves, professor, advogado e especialista em Direito das famílias e sucessões. Ele afirma praticar a psicologia jurídica. “A proporcionalidade também pode ser aplicada ao tempo e dedicação exclusivos aos filhos, já que a mãe, que na maioria das vezes é a responsável ou guardiã legal da criança, dedica-se à criação e cuidados dos filhos, abdicando, normalmente, à carreira ou emprego por não contar com apoio do alimentante (quem paga a pensão). A lei fala que o dever de alimentar é de ambos os pais, de forma igualitária, mas outros dispositivos e a jurisprudência se adaptaram à realidade atual, enquanto a lei, não evoluiu pra abarcar situações divergentes, em especial sobre o abandono afetivo, tão atual”, opina.

A posição do mestrando é apoiada por muitas mulheres que sentem na pele, não só a pressão de jornadas quádruplas ou mais, como também sofrem com o fato de ter escolhido dedicar-se à família. Para nós, (porque sou separada e o genitor não participa de forma constante da vida de minha filha) a responsabilidade é mil vezes maior, já que a maioria das decisões sobre o futuro da criança são tomadas por uma única pessoa. Além disso, o peso emocional de estar com a criança o tempo todo e não como a maioria dos pais faz, a cada quinze dias, é muito maior. Sobra sempre pra mãe falar não de forma mais rude, mandar dormir na hora certa, aguentar a birra que antecede o banho e estudar com o filho na semana de provas, etc. Sem falar que essa mãe não costuma ter vida social, já que, quando não está exausta das obrigações, dificilmente vai ter tempo ou estímulo para incluir um passeio entre adultos, isso sem falar em um novo relacionamento.

“Ao longo dos últimos anos o Judiciário vem se adaptando à nova realidade, em que homens fazem filhos, mas não querem ser pais, inclusive prejudicando, direta e indiretamente o lado profissional da mãe, que não tem a mesma liberdade e logística para evoluir na carreira, como a maioria dos homens. A intenção é consolidar a frase, acredito eu, de que: ‘se pai não é visita, a mãe não é babá’. Cada vez mais os tribunais têm padronizado suas decisões, mas enfrentamos resistência de juízes que não querem evoluir, seja por intolerância às mudanças, seja por machismo mesmo (presenciamos isso diariamente no Judiciário). A resistência leva a recursos, que acabam assoberbando os tribunais superiores, para que a jurisprudência e entendimentos sejam aplicados. A vida de um pai ausente é muito fácil, comparado a uma mãe que se dedica e abdica de tudo aos filhos. Por isso, devemos criar mecanismos que apliquem a justiça, quando o direito falhar”, reforça o advogado.

Essa discussão vai muito além de valores. A mudança de conduta está relacionada a vários fatores, desde a tentativa de minimizar os impactos do abandono afetivo, contribuição afetiva maior para ambos os pais, divisão de responsabilidades, até como compensação pela dedicação maior das mulheres, na criação dos filhos, já que busca equiparar o afeto, minimizando os impactos financeiros na carreira da mãe, que, por si, já é mais lesada do que a de qualquer homem. “A pensão alimentícia é definida sobre um trinômio. O juiz deve analisar a ‘possibilidade de quem paga’, a ‘necessidade de quem recebe’, e ainda, a ‘proporcionalidade’, que é um balizador pra uma pensão justa. Ou seja, quem ganha mais, paga mais. Porém, a lei não abrange todas as situações possíveis e, por isso, precisamos aplicar a jurisprudência e doutrina vigente, para complementar com os entendimentos dos vários tribunais brasileiros, em especial o STJ, que validou, há tempos, o trinômio legal como balizador pro arbitramento da pensão. Ainda, utiliza-se também a manutenção do padrão de vida, proporcional aquele que a criança tinha quando os pais estavam juntos”.

Para entrar com tal processo, a mãe precisa computar em uma planilha todos os gastos com a criança e não somente alimentos, tais como: gastos com educação (mensalidade, atividades extracurriculares, transporte, rematrícula, material, uniforme, etc); gastos com saúde (plano, consultas não cobertas, medicamentos, odontologia, tratamentos, etc); gastos com moradia (aluguel dividido, contas de consumo, IPTU, financiamento de moradia, gás, internet, etc;) gastos com lazer (aniversário, fast-food, presentes para amigos, viagens, etc,) gastos com vestuário (roupas e calçados); gastos com alimentos. “Depois de feita a planilha, devemos verificar qual a possibilidade financeira de quem vai pagar, no caso, o pai. E por fim, proporcionalmente, quanto ele ganha, e quanto se dedica à criação dos filhos. Todo advogado já teve uma decisão fundamentada na aplicação do trinômio legal, levando em consideração também o tempo e dedicação da mãe, ao alimentando (filho). Pego como exemplo, um jogador de futebol, que ganha um milhão por mês, que teve filho com uma mãe que ganha um salário mínimo. Se formos aplicar a lei seca, a mãe jamais alcançaria a possibilidade do pai, para contribuir de forma igualitária, razão pela qual o pai deve suprir um percentual, que nesse caso, vai ultrapassar 95% de despesas da criança. Ainda, vale lembrar que enquanto esse pai viaja para jogar futebol e pagar a sua pensão, alguém vai ter que ficar à disposição da criança, ou seja, a mãe”, exemplifica o professor.

Para o especialista, vivemos uma nova era e, a cada dia, esses pais estão ficando encurralados, seja pelos novos sistemas conveniados dos tribunais ou pela publicidade que a rede social dá, aos bens e viagens que ele faz. A teoria da aparência veio para coibir isso. Mesmo que o pai não tenha nada em seu nome, o padrão de vida se torna incompatível com aquilo que ele vive e posta e tudo serve como prova, praticamente. Difícil é ter que convencer não só o juiz, como também a sociedade, a respeitar e valorizar o milagre que nós, “mães solo”, praticamente exercemos todos os dias, além de entenderem que não queremos aplausos, não queremos ser chamadas de guerreiras, apenas, de certa forma e em alguns dias, queremos simplesmente paz, empatia e merecimento. Mesmo que momentâneos ou passageiros porque é isso que temos pra hoje.