A nova ordem republicana

Quando Lula assumiu em 1 de janeiro de 2023, provavelmente achou que encontraria na Esplanada aquele mesmo Congresso de 2003, com bancadas frágeis e dispostas a aderir à base do governo em troca de alguns milhões em emendas e cargos de primeiro e segundo escalões. Concentrado na batalha jurídica que virou sua vida política nos anos da Lava Jato, o petista não percebeu que os tempos são outros. O Congresso de hoje não precisa de favores, pois dispõe de amplo controle sobre boa parte do orçamento. O poder do Executivo, por outro lado, se diluiu no tempo. Primeiro, com as emendas impositivas individuais, depois as de bancada e, por fim, as de relator, as polêmicas emendas secretas. 
Lula pediu ao Supremo para que acabasse com a farra, mas a decisão contra o orçamento secreto não arranhou o poder do Legislativo, que extraiu em 2023 mais de 22 bilhões de reais e dobrou a aposta, garantindo para 2024 nada menos que 53 bilhões de reais – sendo 25 bilhões em emendas individuais; 11,3 bilhões em emendas de bancadas, e 16,7 bilhões em emendas de comissões. Na peça orçamentária, o Congresso também obrigou o governo a cumprir um calendário para empenho desses recursos ainda no primeiro semestre, o que provocou a revolta na equipe econômica e fez Lula vetar o dispositivo, que, claro, desvincula a liberação dos recursos às votações de interesse do Planalto. Ou seja, acaba com o toma, lá, dá cá. 
O Congresso já avisou que vai derrubar o veto ao cronograma, assim como derrubará o veto a artigos do PL dos defensivos agrícolas. Em dezembro, em apenas uma sessão, os parlamentares derrubaram 13 vetos presidenciais, entre eles o do PL da desoneração da Folha, o do Marco Temporal das Terras Indígenas, o do Marco das Garantias, o do Carf e o veto a artigos que fragilizavam o arcabouço fiscal. Foi a maior derrota política já colhida por Lula e Haddad. No último dia útil do ano, o ministro da Fazenda reagiu e editou MP para reonerar a folha de pagamento. A reação foi ainda mais contundente e o texto deve ser devolvido ao governo.
Diante das seguidas derrotas políticas, o governo recorre ao Supremo para tentar governar. Prepara recurso ao PL do Marco Temporal, tornado inconstitucional pelo STF; conseguiu recriar o imposto sindical, espera rever a reforma da Previdência e ainda emplacar a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Lira já enviou seu recado, ao dizer que “O Congresso Nacional, às vezes, quando decide não legislar, ele está legislando. Não abre espaço para que outros Poderes o façam”; assim como Rodrigo Pacheco: “Não podemos admitir que a individualidade de um ministro declare inconstitucional uma lei sem a colegialidade do Supremo.” A restrição de decisões monocráticas de ministros e a limitação de seus mandatos, assim como o fim da reeleição no Executivo são algumas das munições para a batalha que virá. Tomem suas posições!