Até quando assistiremos e deixaremos nossa parca e sofrida democracia cair?

É impressionante notar como, de fato, nossa democracia se encontra frágil. Afinal, basta um juiz dizer que irá defendê-la para, na cena seguinte, maculá-la de forma brutal, sem piedade, em nome de seus interesses e dos interesses dos seus, tudo isso diante de um silêncio cavernoso de líderes, intelectuais e daqueles que, há poucas décadas, apanhavam nas ruas para defender um sistema justo e democrático. Após a cassação absurdamente inconstitucional de um deputado eleito, questiono-me de forma sincera: ainda falta o que para assumirmos em nossas praças e jornais que de fato somos um país autoritário? Um juiz, seguido por seus eunucos guerreiros, inventa jurisprudências de última hora e cria com seu Logos autoritário uma nova regra a ser seguida por todos os Poderes da nação, e todos seguem tal aberração jurídica como se assim fosse, de fato, o reto funcionamento do sistema jurídico. Não tem nenhum inconformado na Corte Suprema a contestar tais bizarrices, todos estão recolhidos em seus medos, debaixo de seus edredons de toga e cabanas de palavras chiques. Em qualquer parte do mundo democrático, isso se chamaria despotismo, encontraria resistência das instituições, líderes e demais esclarecidos, todavia, aqui chamam de “defesa da democracia”.

A única diferença desse ato contra o deputado Deltan Dallagnol ‒ que já aparece no Google como ex-deputado, pois, aqui, até mesmo essa colossal Big Tech tem medo do Supremo ‒, é que tal nova afronta do TSE, liderado pelo ministro Alexandre de Moraes, é também um ataque à autonomia profunda da casa legislativa; autonomia essa que, segundo a Constituição, é uma das garantias do sistema democrático, seu alicerce mais arraigado. 

A dúvida que resta, entretanto, é a seguinte: até quando? Até quando assistiremos aos arroubos da Corte, deixaremos nossa parca e sofrida democracia cair? Nessa altura do campeonato, já deveriam ter surgido aqueles probos homens e mulheres que não ser curvam, que não envergam suas colunas morais ante um dedo ditatorial engordurado de vilania. Empurrar e organizar a sociedade civil contra a tirania, crescer o tom e bater de frente; para isso, sempre encontramos homens dispostos a sacrificarem seus postos, cargos e até mesmo vidas em troca dos valores corretos. Onde estão esses agora? Os jornais e demais mídias brasileiras estão esperando o que mais para acordarem de suas letargias ideológicas? Um ofício de censura? Prisões em massa e a criação de carcereiros da opinião?

Há poucas semanas, eu alertava que todas as ditaduras ‒ absolutamente todas ‒ começavam pelo ataque à liberdade de expressão, e, na grande maioria das vezes, sob a desculpa batida de defesa da sociedade e da democracia. Talvez agora já estejamos enfim no estágio dois desse processo: a caça aos opositores. Afinal, Deltan afrontou a Corte desde o início, propondo passar impeachments de ministros do Supremo e tudo mais; e não nos esqueçamos das recentes ações da Polícia Federal contra o ex-presidente. Daqui de cima, isso parece muito ataque coordenado à oposição, em retaliação à negativa parlamentar ante o PL das Fake News.

Lembro-me daquela famosa citação do pastor Martin Niemöller, inimigo público de ninguém mais ninguém menos que Adolf Hitler, parafraseando-o… “Primeiro eles vieram buscar os opositores, mas como não era da oposição, eu me calei”. Onde estão os nossos Martin Niemöller, nossos Alexander Soljenítsin e Eginald Schlattner? Aqueles que, diante das mais brutais ditaduras, não se restringiram em apontar somente a retórica errada de um ideologia, mas também os produtores dos erros. Por fim, você consegue sentir esse odor político que está no ar (?), esse assombro que muitos editorialistas dos grandes jornais brasileiros já não escondem mais em seus textos, pois é, este é o cheiro da arrogância se tornando arrependimento, do aplauso se silenciando em constrangimento, do sorriso se vertendo em vergonha, do orgulho se tornando medo, daquele discurso bonito e engajado mudando em desculpa de ditador ante os olhos de todos. Onde é que vi isso acontecer mesmo?