Brasil abre queixa na OMC contra regra ambiental da União Europeia

O Brasil apresentou uma queixa formal ao Comitê de Agricultura da Organização Mundial do Comércio (OMC) com relação à regulação antidesmatamento da União Europeia. A regra proíbe a importação no bloco de produtos agrícolas vindos de áreas de desmatamento (legal ou ilegal) após 31 de dezembro de 2020. O documento cita que a medida europeia “estabelece um sistema de benchmarking unilateral que é inerentemente discriminatório e punitivo” e potencialmente inconsistente com as regras da OMC. Também reclama que o modelo de rastreabilidade exigido pelos europeus irá inevitavelmente impor custos imensos aos países exportadores e consumidores e que pequenos agricultores podem acabar sendo excluídos das cadeias internacionais de valor — não porque desmataram suas terras, mas devido à incapacidade de demonstrar conformidade com os rigorosos requisitos impostos. Confira mais sobre o tema em entrevista com a diretora de relações internacionais da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Sueme Mori.

Recentemente, o Brasil enviou um documento aos europeus questionando essas exigências ambientais, especialmente relacionados ao acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, que precisa ser ratificado. A Europa vai afrouxar as regras ambientais? A contraproposta que os países do Mercosul encaminharam para o bloco europeu na semana passada, se eu não me engano no dia 15, é muito mais razoável do que a que eles mandaram na que ficou conhecida como “sideletter” no início do ano. Eu acho que é importante dizer que, neste documento que foi enviado pelos países do Mercosul, existe, inclusive, uma cláusula, um texto pedindo um reequilíbrio de concessões caso legislações internas da União Europeia afetem o comércio com o Mercosul. Para quem está acompanhando o tema de perto, a gente lê claramente que esse pedaço, esse texto, se refere à legislação de desmatamento e a outras legislações que venham dentro do guarda-chuva do Green Deal [Acordo Verde Europeu]. Então, ainda não há um retorno da União Europeia. Eles disseram que é possível negociar em cima da proposta que o bloco do Mercosul encaminhou para eles, e o negociador chefe da União Europeia estará no Brasil. Inclusive, a CNA vai ter uma conversa com ele.

Qual é a mensagem direta e clara para audiência de produtores, sejam eles de café ou tantos outros que têm como destino a Europa, que estão muito preocupados com essas exigências? Acho que a preocupação é válida. O que a gente tem dito aqui é que, quando o Brasil e os países do Mercosul negociaram e fecharam a negociação, em 2019, era uma outra relação com a União Europeia. O Green Deal foi lançado no final do ano, e nós fechamos as negociações em junho de 2019. Em dezembro de 2019, foi lançado o Green Deal e, de lá para cá, a União Europeia lançou várias legislações ambientais, não só no tocante à agricultura, mas relacionadas à energia, mobilidade e edificações. E tudo isso acaba impactando o que foi negociado lá atrás. Acho que a mensagem é: a relação com a União Europeia, do ponto de vista comercial, não pode ser uma negociação que olha simplesmente um instrumento. Tem que ser olhado todo esse contexto do que a União Europeia tem feito, e não o que acabou de fazer, o que só está começando. A cada dia, a cada semana, saem diretivas novas. Isso não aparece muito porque nem todas elas são relacionadas à agricultura, mas impactam a relação comercial entre os blocos. Então, o que a gente tem pedido como CNA, é que o governo brasileiro… É uma negociação entre governos, e [pedimos que] essa negociação contemple toda essa visão sistêmica, com todas essas legislações. Na última carta que foi enviada pelo bloco do Mercosul, eu senti que este texto está relacionado exatamente a isso.

Você tem uma expectativa de que a gente tenha algum efeito nas nossas exportações? Porque a gente está no período de transição para essa regra antidesmatamento passar a vigorar. Se essas regras não forem afrouxadas, o Brasil perderia parte do seu mercado na Europa? Eu acho que, objetivamente, sim, porque, da forma como a legislação está colocada, são dois critérios colocados pela União Europeia. O primeiro é a proibição de importações de produtos que tem origem a áreas abertas após 31 de dezembro de 2020. Então, a gente está falando, por exemplo, de grãos, a gente está falando de soja, de pecuária. Estamos falando de café. Algumas culturas já vem de áreas que foram abertas há muito tempo. Mas, se a gente fala de soja, por exemplo, sabe que tem abertura legal. O Brasil tem uma fronteira agrícola e vem se expandindo nesse período de forma legal. Então esses produtos, mesmo que tenham sido abertos legalmente, respeitando o Código Florestal, não será possível mais enviar para a União Europeia.

Você está otimista? A gente vai continuar com acesso ao mercado ou está mais preocupada com os últimos episódios? Eu acho que houve um avanço. O fato do bloco ter encaminhado a carta, a contraproposta desse documento adicional, dessa “sideletter”, incluindo este item, especificamente, me dá um pouco de esperança de que essas negociações sejam mais sistêmicas, e não uma negociação olhando simplesmente a letra do texto que foi negociado do acordo do Mercosul-União Europeia em 2019. Acho que teve, sim, na semana passada, no dia 15, quando essa carta foi enviada. Se a negociação for nessas bases, o que depende agora é o outro lado. Ou seja, qual vai ser a resposta da União Europeia com relação a isso. Nas conversas com representações diplomáticas do bloco, a gente vê uma vontade muito grande deles para que esse acordo realmente aconteça, para que esse período de negociação seja absolutamente finalizado e a gente passe a fase de ratificação, que também demora. Do ponto de vista de negociação, isso se encerraria, mas eles têm uma vontade muito grande. Isso é dito por quase todos. A gente sabe que tem alguns países mais resistentes. Vai depender do retorno da União Europeia com relação à proposta que foi enviada pelo Mercosul.

Na última vez em que esteve aqui, você nos chamou atenção para os Estados Unidos e Reino Unido, que avaliam adotar medidas parecidas com a da União Europeia. Isso avançou? Avançou. Os Estados Unidos fizeram um estudo a pedido da presidência do país. É um estudo para avaliar a possibilidade e os impactos, quais os caminhos seriam possíveis para o governo americano adotar no sentido de ter cadeias de fornecimento livres de desmatamento. Esse é o tema né? Esse estudo foi publicado alguns meses atrás. Nós tivemos uma conversa com a Embaixada dos Estados Unidos aqui, eles apresentaram para nós o documento. O documento é bem pragmático, coloca a importância do tema, mas também questões práticas de como que seria implementado, faz referência à legislação da União Europeia, não como uma legislação positiva, como uma legislação que vai gerar muito custo. É um impacto para a estrutura do governo americano. Por exemplo, ele deixa claro que o governo americano não teria uma estrutura neste momento para botar em operação uma legislação como a da União Europeia. O resultado que saiu desse estudo que foi feito pelo governo americano está caminhando de forma mais pragmática do que essa legislação da União Europeia. Com relação ao Reino Unido, eles ainda não soltaram o texto. Mas o que a gente tem ouvido falar é que um ponto central da legislação é a distinção entre o desmatamento legal e o’desmatamento ilegal. E o Reino Unido tem afirmado para nós, aqui na CNA, que isso será admitido. Só lembrando: a legislação da União Europeia não faz distinção entre abertura legal ou ilegal, e também é retroativa.