Censo das árvores plantadas nas áreas públicas pode colaborar no sequestro de carbono

As tempestades e ventanias ocorridas no final de semana, associadas às quedas de árvores e à derrubada autorizada pela Prefeitura de São Paulo de elementos adultos e saudáveis plantados sobre as calçadas próximas do local onde moro, me fizeram lembrar do último Boletim de Ocorrência (BO) registrado contra mim por uma empresa terceirizada que, a seu modo, realizou uma poda que repetia o enredo do filme “O Massacre da Serra Elétrica” com requintes de crueldade. Como meus colegas ativistas, questionei a poda e abracei-me ao tronco. Este foi o motivo. Semana passada, escrevi sobre saúde mental em ambientes urbanos. São tantas as agressões que sofro (e os leitores certamente concordam, pois vivenciam as mesmas situações corriqueiramente) como cidadã, originadas por aqueles que deveriam zelar pelo bem-estar público que, de certa maneira, endoidei. Sofrimento psíquico crônico leva a atitudes, por vezes, irracionais. Entregue à Câmara dos Vereadores, a cidade sofre com a fragmentação das ações individuais e de grupos não necessariamente comprometidos com políticas públicas voltadas ao bem-estar público. O prefeito? Não sei ao certo.

Como lidar com a disfuncionalidade daqueles que, responsáveis pela legislação e execução de ações públicas municipais voltadas à redução dos riscos de morte e perdas materiais provocados pela queda de árvores em espaços públicos, atuam de maneira displicente? Não raro é ouvir da boca de vereadores, secretários e prefeitos falas sobre a importância da vegetação nas cidades, dado o seu papel na garantia da sustentabilidade urbana. Pergunto a todos os prefeitos dos 5.568 municípios, mais Distrito Federal e Distrito Estadual de Fernando de Noronha: o que é que, de fato, estão fazendo para garantir a existência de árvores saudáveis em suas cidades, bairros e ruas? Onde moro, existem localidades literalmente áridas, secas, que não dispõem de uma árvore sequer plantada em calçada. Aliás, pelo Google Street View, é possível ver que nem calçada tem, situação essa muito comum em São Paulo, em especial, em bairros autoproduzidos. Sem árvores, sem sombra, sem área permeável, dependendo das condições geológicas e das características construtivas, com riscos possíveis para deslizamentos, ilhas de calor e outras consequências.

Ao ler sobre a atualização de uma plataforma interativa que pretende realizar, em tempo real, um inventário das árvores plantadas em calçadas na cidade de Nova York, identifiquei uma ação concreta de política urbana voltada ao compartilhamento de responsabilidade na melhoria das condições climáticas locais e à educação da população no sentido de trazer à tona o papel que as árvores desempenham como prestadoras de serviços ambientais e econômicos para a cidade. Desde 1995, a prefeitura nova-iorquina criou um censo arbóreo, uma espécie de inventário que mapeia todas as árvores existentes em calçadas na cidade. Recentemente, a plataforma digital foi reformulada, incorporando informações relacionadas às espécies arbóreas existentes em parque urbanos: foi uma melhoria significativa, pois, além das cerca de 650 mil plantadas, foram somadas, até o momento, mas de 150 mil. 

O Street Tree Census foi criado pela Prefeitura de Nova York em 1995, fornecendo informações detalhadas sobre o número, tamanho e espécies de árvores plantadas nas ruas existentes na cidade. A partir destes dados, foram traçadas estratégias para criar um programa de manutenção, incluindo podas, tratamentos fitossanitários e a remoção de mais de 10 mil árvores mortas. Dez anos depois, o censo encontrou cerca mais de 590 mil árvores saudáveis, sombreando calçadas por toda a cidade. De lá para cá, uma significativa mudança: um aumento de quase 20% de novas mudas. O resultado dos inventários permitiu à prefeitura estimar os serviços ambientais fornecidos pelas árvores da cidade, que incluem a melhoria da qualidade do ar, economia de energia, sequestro de carbono, redução do escoamento de águas pluviais e outros benefícios estéticos. Estima-se que esses serviços valham quase US$ 122 milhões por ano. Graças a essas informações, políticos e corpo técnico entenderam que ampliar o plantio e manter as árvores saudáveis é um excelente negócio para todos os envolvidos. Lançada à época, a iniciativa Million Trees NYC pretendia ampliar o número de administradores públicos locais e voluntários nos cinco distritos. Deu certo. O programa fez com que o cidadão, empresas e políticos compreendessem a importância das “florestas urbanas” na melhoria da qualidade de vida local, além de avançar nas políticas de manejo florestal urbano da cidade e melhorar o clima. Campanhas deste tipo, educam e induzem ao exercício da cidadania ativa.

Além de mais abrangente, a reformulação da plataforma digital também ampliou a interação entre o cidadão e governo. O mapa, atualizado em tempo real, permite que os moradores conheçam a variedade de árvores existentes nos locais onde moram, nos playgrounds, parques e jardins comunitários (esta última modalidade espacial, inexiste, pelo que sei, no Brasil). Visualmente, parece-se muito com a plataforma pública Geosampa, disponibilizada pelo site da prefeitura da cidade de São Paulo. A diferença encontra-se na razão de sua existência. Se de um lado parte da informação surge estática, apenas para ciência e visualização dos dados inseridos pelos agentes públicos aos cidadãos interessados, o mapa da cidade de Nova York permite a interação, atualizando-se sempre a partir das informações inseridas pelos cidadãos. 

É de extrema importância na atualização das informações e solicitação de serviços de zeladoria, cuidados fitossanitários, poda e permissões de plantio sejam realizados por meio da criação de plataformas, com recursos semelhantes em todas as cidades brasileiras. Imagine você, leitor, clicar num tronco de árvore e ter acesso a informações como localização, incluindo seu endereço e as imagens do Google Street View com todas as estatísticas sobre sua contribuição ecológica e financeira para a cidade, calculando, dependendo do zoom no mapa, todos os benefícios individuais e coletivos que o plantio trouxe para a sua vida. 

Informações públicas e disponíveis num toque garantem a transparência das ações e mobilizam pessoas comuns que, por meio da gestão compartilhada, melhoram a qualidade das informações e soluções em tempo real, reduzindo o esperdício de tempo e recursos humanos e financeiros escassos das prefeituras. Sem a participação ativa da população, quer como indivíduos ou grupos organizados em associações de bairro reivindicando por meio de redes sociais e outras ferramentas disponíveis atualmente, o corpo técnico e burocrático continuará a responder aos rumos dos políticos que foram, por nós, legitimamente eleitos, mas que, uma vez empossados e sentados em suas poltronas, não necessariamente nos representem. É o envolvimento dos cidadãos que fará a diferença no processo de construção de cidades mais justas.

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