Círculo virtuoso dos negócios: se existe um Santo Graal corporativo, onde ele habita?
Para que um círculo virtuoso dos negócios se estabeleça dentro de uma organização, os processos devem garantir a entrega adequada do que aquela empresa se propõe a fazer. Deve haver, ainda, a articulação dos times em torno dessa operação e um norte claro. Mas há um elemento ainda mais importante do que processos, governança e estratégia nessa construção de valor, que permite à companhia se reposicionar continuamente diante de seu mercado e de sua própria condição.
Em última instância, todo e qualquer processo de uma empresa, mesmo o mais automatizado, lida com pessoas – e delas depende.
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“O círculo virtuoso dos negócios é, portanto, mais do que uma operação eficiente. Trata-se de uma construção de cultura, na qual entende-se que os processos e as atividades são realizados em função do negócio, e não de si mesmos”
Essa cultura depende de muitos fatores. Um deles é, sim, uma governança sólida, que delibera não apenas sobre processos, mas também sobre questões éticas e comportamentais. Um segundo aspecto tão importante quanto é o fortalecimento do conceito de cliente interno, algo que ainda é pouco entendido dentro das organizações.
Questões territoriais
A ideia de que uma área possa ser cliente de outra dentro de uma mesma empresa não traz nenhum mistério em si. Mas, na prática, as coisas podem ser mais nebulosas. É comum vermos um determinado departamento acumular funções além daquela que é sua por definição, seja porque outras divisões da empresa atuem de forma negligente em suas responsabilidades, seja por falta de governança.
Esse desequilíbrio faz com que a área que acumula funções se torne uma espécie de “feudo”, já que ela desenvolveu competências em atividades que, em tese, nem deveria desempenhar. Isso gera vários gaps com consequências danosas para a organização – por exemplo, quem deveria ter feito a entrega com qualidade não é avaliado por ela, justamente porque outros a fizeram. Assim, o responsável de direito não é cobrado em sua ineficiência, e o que assume a responsabilidade passa a ser demandado por uma entrega que não é sua expertise. Imagine, em uma grande empresa, quantos recursos ficam mal alocados nesse processo.
“Esse tipo de erro gera um alto custo à organização. Cria ainda o risco de que, ao final, ninguém entregue o que deve ser feito”
Lacunas desse tipo se formam a partir da falta de uma governança sólida, e também como resultado de uma cultura que valoriza quem “mostra serviço”, mesmo que o serviço em questão não agregue valor ao negócio.
Elos mais resistentes
Um caminho para avaliar o quão próximo – ou quão distante – a empresa está do seu círculo virtuoso é uma revisão cuidadosa da sua cadeia de valor. Não vou mentir para você: esse é um exercício cansativo, pois envolve revisitar constantemente o passado e o presente da organização, a fim de entender quem ela é na prática – e quem deveria ser, de fato. Mas o esforço compensa, pois permite eliminar processos e despesas desnecessários, bem como reconectar a operação ao core business.
O desafio de conduzir uma revisão dessas mora, principalmente, na tendência de cada setor em restringir o olhar para si próprio. Na verdade, a situação assemelha-se muito com o que experimentamos no convívio social: vivemos em um bairro melhor, ou em uma sociedade mais harmoniosa, quando estamos conscientes do impacto que nossas ações trazem para a coletividade. Porém, se não somos constantemente estimulados a essa conduta, tendemos a focar apenas em nós mesmos e em nosso benefício imediato.
E o que acontece quando todos passam a pensar apenas em benefício próprio?
“O individualismo exponenciado cria instâncias isoladas, que fazem apenas aquilo que irá garantir a sua permanência, mesmo que isso onere ou aliene o outro de alguma forma”
É exatamente isso que ocorre com os diferentes setores de uma empresa que perde de vista sua cadeia de valor, o que finalmente as leva a criar um círculo vicioso que, quanto mais tempo persiste, mais força ganha.
Ainda há outro efeito preocupante desse comportamento: os elementos desse círculo vicioso se estabelecem como “dogmas”, gerando a percepção de que, afinal, “sempre foi assim, não adianta tentar mudar”. Consequentemente, a empresa perde agilidade, eficiência e transparência. Cria, assim, um caldo de cultura propício para a deterioração de seu propósito e a perda de seus valores.
Relações transformadas
Porém, quando existe uma cultura em que a figura do fornecedor interno é clara, cada instância sabe o que pode exigir da outra. Saberá, também, o que deve entregar e como. Estabelecer isso de ponta a ponta é, como eu disse no início do texto, uma construção difícil e que deve ser realizada e reavaliada continuamente.
A vida corporativa é dinâmica: pivotagem, expansão ou redução de operações, aquisição de outras empresas – esses e outros eventos impactam a cadeia de valor e até mesmo o core business. Por isso, não é possível acreditar que esse seja um trabalho estático. Quando se trata de gestão de negócios, aliás, quase nada funciona no esquema “está feito e acabou”.
Empresas buscam, antes de tudo, resultados financeiros. Isso é fato. Mas também é fato que o estabelecimento de um círculo virtuoso beneficia simultaneamente as finanças, as operações e o clima interno. Chegar a tanto não é fácil, mas tampouco é utopia. E mesmo quando as condições para conseguir o Santo Graal da cultura corporativa não são ideais, é importante tê-lo como um norte.
Se o destino da empresa mira a virtude, os caminhos que decidir percorrer dificilmente vão se desvirtuar.