Com El Niño forte, preços agrícolas sobem

Os efeitos do fenômeno climático El Niño já estão impactando a produção agrícola no campo. Excesso de chuva, calor intenso e falta de umidade são observados em diferentes regiões produtoras e culturas como trigo, arroz e café sentem efeitos. No acumulado de novembro, o Cepea registrou altas superiores a 9% nos preços agrícolas. O consultor de agronegócios do Itaú BBA, Cesar de Castro, não descarta repasses de preços ao consumidor. Acompanhe:

Em novembro, o trigo subiu mais de 16%, o arroz, 12%, atingindo recordes de preço ao redor de R$120 a saca.  Os problemas climáticos vão continuar a puxar o preço para cima? Aparentemente, sim. Está bastante desafiador. O El Niño está aparentemente no seu pico agora e, então, pelo menos no curto prazo nos preocupa muito. Tivemos uma volta das chuvas nas últimas semanas e elas ainda não estão completamente regulares, principalmente no Cerrado, dificultando uma melhora das lavouras de soja e o plantio atrasou muito. No caso específico dessas culturas que você elencou, também claramente são os efeitos climáticos, alguns absolutamente consolidados como o trigo, que apesar de ter sido plantada uma área espetacular (onde havia uma expectativa de uma produção maravilhosa até por volta de agosto e depois choveu extremamente forte no Rio Grande do Sul em enormes volumes, o que comprometeu muito a safra). Fala-se de até 75% da safra do Rio Grande do Sul com problemas de qualidade. O Paraná sofreu menos, mas a parte do Rio Grande do Sul que é muito relevante vem muito mal e, então, os preços literalmente estão subindo muito para o trigo.

No caso do arroz, nós ainda temos um período de uns dois meses para a safra de Santa Catarina, que geralmente entra antes, e ela deve vir a partir de fevereiro, e no Rio Grande do Sul a partir de março. Até lá, os estoques estão baixos e há uma enorme preocupação com o desenvolvimento da lavoura. No caso do arroz, fala-se em quase 8% de alta na produção esse ano em relação ao ano passado. É um número bom, mas tudo vai depender de como for o efeito do El Niño para o arroz, já que tem o problema da nebulosidade. Então, além do excesso de chuva ser um problema, a falta de sol é que também preocupa. Como o El Niño aparentemente vai estar presente, ainda que possa estar enfraquecendo aí a partir de janeiro,  isso deve causar complicações especialmente com o trigo e o arroz.

O café subiu também mais de 9% e o milho 4,5%. A tendência é a mesma? Para cima? Eu acho que sim. O café, especialmente o arábica, é uma planta que sente muito, não só a falta de chuvas, obviamente, mas o calor excessivo. Então, as regiões cafeeiras também voltaram a ter chuvas nas últimas semanas, mas ainda não está regular. O calor tem preocupado muito o café. E isso é crítico nesse momento que as lavouras floriram e ela está tendo muita dificuldade nessas temperaturas muito elevadas. A planta busca sobreviver e aborta as flores, o chumbinho cai no chão e estamos bem menos otimistas com a safra do ano que vem. Até pouco tempo nós achávamos que poderia superar o recorde de 2021, mas isso não deve acontecer.

Para a  soja temos visto consultorias privadas revisando para baixo a expectativa de safra com descartes de safra recorde. O milho vai ter impacto em função da safra de soja? Qual é o cenário para grãos? Concordamos com essa opinião. Não deve ser recorde, pois o potencial já foi perdido pelo atraso das chuvas e, principalmente, não só a necessidade de replantio, mas a falta de boas chuvas. Em Mato Grosso, quando a seoja é plantada atrasada, mas chove no mês de dezembro, ela pode se desenvolver bem, não é um grande problema. Mas não está chovendo, e os mapas de previsão não são muito favoráveis e, obviamente, isso irradia problemas para o milho safrinha. Aqui estamos mais preocupados ainda, porque já existia uma expectativa de queda de área e agora, se o milho for plantado mais fora da janela de plantio, vai ficar mais sujeito a risco das produtividades serem menores. No final, nós devemos ter uma produção menor, então achamos, sim, que hoje a produção de soja no nosso entendimento é mais parecida com a desse ano e longe dos 165 milhões que esperávamos como potencial. O milho certamente vai ser menor também no ano que vem diante desse cenário.

O que você está dizendo para a audiência da Jovem Pan que não é do agro é que o pão, o café e o arroz podem ficar mais altos no supermercado? No caso do arroz, a indústria já está tendo muita dificuldade de repassar o preço e é uma cultura muito sensível a preço. O consumidor sente, principalmente as famílias mais pobres. Os próximos dois meses para o arroz serão complicados, mas depois pode ser que a situação melhore, mas vai depender do El Niño. O trigo está complicado. Dependemos um pouco da importação da Argentina, e o clima para eles também não foi perfeito: sentiram seca no começo da cultura e depois chuvas também. O trigo de qualidade vai ser difícil e isso vai, sim, bater no pãozinho. O café acho que o cenário ainda está bem aberto, pois é uma cultura que geralmente tem uma resposta boa, mas o momento é crítico. Agora, para o pegamento das floradas, não está nada bem, então também já consideramos que os preços devem corrigir um pouco mais.